Episódio 4/13

Aproxima-se a lua cheia

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TRANSCRIÇÃO

Nuno Viegas: Olá. Eu sou o Nuno Viegas. Estamos no quarto episódio de Desassossego, a série Fumaça, sobre saúde e doença mental. Aconselho que oiças com auriculares ou auscultadores.

Vamos ouvir falar de sofrimento psicológico, daqui a pouco. Alguns recursos para ter à mão: se estiveres em risco imediato, em Portugal, podes ligar ao 112, o número de emergência. Caso te sintas mal, há um serviço de acompanhamento psicológico, no SNS 24: é o 808 24 24 24. E ainda tens, em fumaca.pt, na transcrição deste episódio, o contacto de várias linhas de apoio. Incluindo a Vozes Amigas de Esperança.

Vamos à história, captada em maio de 2021.

I

Gonçalo Pereira: Num dia de trabalho, normal, (caracterizemos assim), durante uma reunião de trabalho, normal, (para o tipo de funções que desempenhava, na altura), perante uma dificuldade que estava a ser discutida, e perante um sentido, se calhar, de responsabilidade, (pelos temas que estavam a ser discutidos), a necessidade de tomar decisões – num contexto profissional que eu posso considerar que seria banal… Mas foi durante uma circunstância destas que o que sucedeu foi que comecei com uma crise de ansiedade aguda, com ataque de pânico, que, para mim, foi avassalador e incompreensível, porque formou-se, de repente. Formou-se frente aos meus superiores hierárquicos. Formou-se perante os meus pares, num contexto profissional, durante uma reunião.

E quando eu digo um ataque de pânico súbito não foi, simplesmente, “Estou a sentir mal, preciso de um copo de água”. Não . Foi… Estou a tentar. .. Por um lado, estou a tentar recordar-me. Por outro lado, é muito fácil recordar-me. Porque, porque ficou inscrito na minha memória, visualmente, tudo o que aconteceu e tudo o que eu senti naqueles… Foram minutos.

Senti que algo dentro de mim se quebrou, se partiu. E, depois, tive sintomas físicos de um ataque de pânico. Portanto, comecei a hiperventilar; começou um choro convulsivo frente aos meus colegas – que olhavam para mim, penso que com muita surpresa, porque, digamos que sempre fui uma pessoa que transmitia uma postura de grande calma, serenidade, compostura, capacidade de lidar com as situações; que eclodiu de uma forma repentina. Perdi a consciência. Fiquei estendido no chão, a hiperventilar num choro descontrolado, convulsivo, incapaz de pronunciar uma única palavra. E sentindo que algo dentro de mim se tinha quebrado permanentemente frente. Em frente aos meus colegas, não é? E senti que era o fim da minha vida, naquele momento.

Isto aconteceu há 10 anos. Ninguém me conseguiu acalmar. Eu não me consegui acalmar. Não conseguia articular palavras e não conseguia parar de chorar. Não conseguia respirar, não conseguia. Estava estendido no chão. Foi necessário chamar o INEM, veio a equipa do INEM. Colocou-me numa maca, arrastou-me pelos corredores no meu local de trabalho, frente aos meus colegas. Arrastou-me. Levaram-me para o exterior do edifício, colocaram-me na ambulância e fui para o hospital onde tive de ser sedado, imediatamente, e foi assim que eu descobri que algo não estava bem comigo e que eu precisava de compreender o que era.

É como ser vítima de um acontecimento cataclísmico, que tu não compreendes, que tu não antecipaste, e que te parece devastador, irremediável, catastrófico e do qual nunca conseguirás recuperar.

II

Eu sou o Gonçalo Pereira, tenho 39 anos, quase 40. Sou de Lisboa. As minhas raízes familiares estão na zona da Beira, perto da Serra da Estrela. Mas sempre cresci na zona de Lisboa, não em Lisboa cidade, mas em Odivelas, um subúrbio. E sempre estudei em Lisboa e trabalho em Lisboa.

III

A linguagem que estou a utilizar é a linguagem de alguém que, neste momento, já tem alguma compreensão das causas, do processo, e que por isso já dispõe de algum nível de consciência e de algum nível de linguagem para falar disso. Mas, naquele momento, e nos momentos que se seguiram a este episódio – que foi uma entrada de baixa, que durou, creio, (se não estou em erro), um mês, um mês e meio –, eu não tinha linguagem para perceber o que estava a acontecer.

O que é que se segue? Primeiro, seguem-se dias muito difíceis. Porque, a partir deste momento, isto que te descrevo acontece-me dia sim, dia sim, dia sim. Às vezes, várias vezes por dia, e com níveis de intensidade crescentes. O que significa um estado de fragilidade que eu não julgava imaginável, possível. Em particular na esfera profissional, eu via-me como uma pessoa competente, capaz de lidar com volumes de trabalho significativos, capaz de lidar com a pressão. E, de repente, vi-me num frangalho, imediato. E então foi preciso, obviamente, procurar ajuda. E para uma pessoa que não sabe o que está a acontecer, que não tem contexto, por onde é que se começa a procurar ajuda?

A equipa de urgência disse: “Você precisa de ser visto por um médico psiquiatra.” O médico psiquiatra disse: “Seria importante começar um processo terapêutico.” E, eu, que não percebo o que me está a acontecer, a primeira coisa que eu, obviamente … Eu próprio sofro do estigma: “Pronto, vou começar a ser visto por um médico psiquiatra, isto é um sinal gravíssimo.” E, depois, vou para um processo de terapia, mas não sei o que é isto do processo da terapia. Mas vou porque estou em emergência.

Eu comecei o processo terapêutico porque considerava que não tinha alternativa. Não sabia o que era o processo terapêutico. Sabia o que queria que ele fosse. O que é uma péssima ideia, porque não foi daquilo que… Bem, o que eu queria que ele fosse, era uma forma de lidar com a situação de emergência em que eu estava e que me resolvesse a situação de emergência. Preferencialmente de uma forma relativamente rápida e depois eu iria à minha vida e estaria curado. Isto era o que eu queria que ele fosse. Obviamente que isto é uma atitude muito ingénua, mas é também uma atitude típica de quem está num processo de emergência e não consegue ver as coisas por nenhum outro prisma a não ser: “Tirem-me desta emergência porque eu estou em sofrimento.”

IV

Então, a melhor imagem que eu consigo encontrar para isto é um bocadinho como ser um lobisomem. O que é que é um lobisomem, metaforicamente, claro? É uma criatura que somos nós, mas que também não somos nós, que está dentro de nós. E quando nos transformamos no lobisomem estamos a perder o controlo. Surge uma força irresistível que nos vai dominar e atirar para um estado terrível. E nós não temos nenhum controle sobre isso e há determinados triggers que vão começar a desencadear o comportamento. No caso do lobisomem, aproxima-se a lua cheia. Então, ele começa a sentir-se perturbado, sabe que vem aí, mas também não se consegue controlar. E sabe que vai ter uma consequência terrível…

É um problema também de inevitabilidade e sentir que uma força maior do que nós – contra a qual nada conseguimos fazer – nos vai dominar, nos vai esmagar e nos vai fazer tornar uma criatura que nada tem a ver com a espécie humana. Porque a experiência da ansiedade para mim é também uma experiência de progressiva (talvez pareça uma palavra muito forte) mas, para mim é uma experiência de progressiva desumanização. Porque o lobisomem sabe que não pertence à espécie humana. Sabe que os outros não padecem deste mal e não se sente humano. Sente os outros como… Sente um fosso entre si e os humanos. E, por outro lado, também por causa desse fosso, o lobisomem sente-se isolado: “Eu não sou como os outros.” E refugia-se na sua solidão como forma de proteção: “O meu único refúgio é proteger-me a mim mesmo.”

Porque se não reconhecemos que estamos em sofrimento, e que esse sofrimento é legítimo, e achamos que esse sofrimento advém do facto de haver algo que está tão mal connosco, de tal forma errado que nos incompatibiliza com os nossos semelhantes, então não conseguimos transpor o fosso que se vai instalando e que nos vai separando dos outros.

No meu caso, os triggers podem ser muito simples, podem ser simplesmente interação social. Incapacidade de lidar com interações sociais, em particular em contextos em que estejam presentes muitas pessoas, em que haja solicitações, exigências, coisas a cumprir. Pode surgir, por exemplo, num jantar entre amigos, em que, de repente, a interação social se torna uma coisa difícil. E nasce dentro das entranhas, começa a nascer, uma vaga de desconforto que vai subindo e vai tomando conta de ti.

Começa a subir, começa a subir, começa a chegar ao peito, começas a deixar de conseguir respirar, vai-te aos olhos, deixas de conseguir comer, deixas de conseguir… Deixas de conseguir sentir-te um ser humano. E pode eclodir numa crise aguda.

Começa a ser difícil para ti avaliar as coisas com objetividade. Começas a ter ruminações catastrofistas. Deixas de conseguir dormir. Qualquer pequeno obstáculo te parece uma montanha intransponível. O facto de não o conseguires transpor faz-te sentir um falhanço gigantesco. Não encontras em ti as forças de ultrapassar a situação, o que, por sua vez, desencadeia uma espiral que se auto alimenta e da qual é muito difícil sair sem apoio.

V

Eu já perdi a conta às vezes em que tive de me refugiar, por exemplo, em cubículos de casa de banho, em situações sociais, só para poder deixar que as lágrimas vertessem. Só para poder deixar que o nível de ansiedade baixasse um pouco, para poder sobreviver mais uns minutos num ambiente social que me estava a causar desconforto.

Posso dar-te outro exemplo. Que é ridículo, mas também muito doloroso. Posso dizer-te que, por exemplo, numa festa de anos do meu marido, com os nossos amigos lá em casa, isto produziu-se. E eu fiquei de tal forma, com níveis de ansiedade de tal forma descontrolados, que eu tive de refugiar na varanda onde não estava ninguém e comecei a ter um ataque de pânico. E o meu marido veio ter comigo, não sabia onde eu estava, e encontrou-me no chão, a ter um ataque de pânico, a chorar compulsivamente. E é difícil, é difícil… Porque é que isto aconteceu? Foi na minha casa, foi com amigos nossos. Porque é que a interação social se pode tornar tão difícil ao ponto de eu ficar não só inoperacional, mas em profundo sofrimento?

É difícil compreender isto. E é difícil, é difícil. É difícil, é difícil. É difícil.

VI

Ora, eu estou num processo terapêutico desde a eclosão da minha primeira crise, em 2012. Eu estou num processo terapêutico ininterrupto desde essa altura. Foi um processo que ainda hoje não está concluído, que passou por várias fases, mas que foi um processo que, para mim, foi sempre de um elevado nível de desconforto. Nunca foi um processo confortável. Porque foi um processo de estar sempre, sempre a ser confrontado comigo mesmo. Por isso, eu ligo o processo terapêutico a um processo da compreensão da nossa identidade e de como é que ela se formou. No meu caso, foi assim. E sempre com elevados níveis de desconforto. Eu nunca gostei de me ver ao espelho. Ainda hoje, tenho alguma dificuldade em usar [o espelho] como um instrumento banal, no quotidiano. E o processo terapêutico, para mim, é isso elevado à enésima potência. 

O ano passado voltei a ter uma crise aguda. Acho que faltava-me um passo que era aceitar que, ainda assim, o lobisomem pode espreitar de vez em quando, com toda a sua força, toda a sua pujança. E aceitar que isso não é um sinal de que o processo é irremediável. Aceitar isso como parte do processo. É um bocadinho aceitar que este lobisomem é parte da minha identidade. É importante compreendê-lo, é importante domá-lo. Mas é importante também ter noção que talvez não seja possível extirpá-lo. Aquilo vai estar cá sempre, de alguma maneira. E aceitar a incerteza que isso acarreta.

VII

É claro para mim, agora, que eu sempre convivi, diariamente, com níveis muito grandes de ansiedade. E que isso condicionou a minha vida de muitas formas. Agora sei que moldou o meu processo de crescimento, fez com que eu tivesse muitas dificuldades em aproximar-me das pessoas. Fez com que eu não tenha aprendido a afirmar-me facilmente; a dizer que não, quando se calhar era necessário dizer que não; a estabelecer separações entre aquilo que me é exigido e aquilo que de facto é razoável ser exigido.

E se tu nunca desenvolveste estas competências, muito provavelmente, vais ter uma lógica muito de 0 ou 1. Não vai ser capaz de te aperceber dos cinzentos; vais achar que tem de ser tudo que sim ou que não; vais achar que se alguma coisa correr mal é um sinal de inequívoca falha do teu lado; vais ter níveis de exigência completamente para lá do razoável. E isso vai dificultar muito a forma como vais lidar com situações complexas. Contudo, por não ter acontecido nenhuma situação realmente aguda até aos meus 30 anos, eu não tinha qualquer consciência dos níveis de ansiedade com que cresci, com que me formei.

Como é que é possível ter noção de que se está imerso numa ansiedade permanente quando nunca se conheceu um estado diferente? Se eu não tenho forma de contrastar o que estou a sentir com outro padrão, eu não compreendo que o que estou a sentir não tem de ser necessariamente assim. Pode ser de outra maneira. Eu interiorizo isto como sendo normal. É suposto eu sentir-me assim. E é por vezes até um pouco doloroso olhar para trás e pensar que houve muito sofrimento. Numa fase que devia ser de abertura, descoberta, em que não sabias que estavas em sofrimento.

E, às vezes, é um pouco um pouco doloroso pensar assim, mas é também muito importante não menosprezar o sofrimento que estas situações podem causar. Acho que para mim foi também uma das maiores dificuldades… “Mas de que é que me estou a queixar? Não estou numa situação de ameaça. Não tenho recursos materiais que me faltem. Não tenho… Nada me está a impedir ter acesso à educação, a formação, a procura de emprego. E, ainda assim, porque é que eu me posso queixar? Do que é que me estou a queixar?” E aceitar que isto também é uma fonte de sofrimento é um processo, é um passo necessário.

VIII

Todos os meus colegas no trabalho me viram a colapsar. Vários colegas de trabalho me viram a colapsar. Neste sentido, não fui confrontado perante uma situação em que esconder me fosse uma hipótese. Se eu tivesse tido ocasião de me esconder, eu ter-me-ia escondido. Mas como foi tão às claras, foi uma espécie de muleta que me foi oferecida. E uma das coisas que me ajudou muito foi uma certa obstinação. Uma coisa que meti na minha cabeça, que foi: “A única maneira de apaziguar isto é eu nomear as coisas com os meus colegas e começar a falar com alguns colegas explicitamente do que me tinha acontecido.”

E acho que é extremamente importante começar a ter espaços de segurança em que se possa falar em contexto profissional, espaço de sensibilização, porque o regresso ao trabalho é muito difícil. Antes de mais, é difícil porque voltas, ou eu voltei, com um conjunto de fantasmas. “Será que eu ainda sou competente? Será que eu ainda sou capaz? Será que eu ainda vou conseguir ter um dia de trabalho sem ter um ataque de pânico?” E estás a fazer isto enquanto regressas e sabendo que há dias – e houve muitos dias – em que “Eu estou quase a perder o controlo”. E tens de tomar uma decisão. “Será que eu sinto que posso ter outro ataque de pânico e vou fugir já para casa para me proteger? Ou será que eu posso mitigar, fazer um esforço e, pelo menos, sobreviver até ao fim do dia.” Então, se calhar é preciso tomar um ou meio comprimido de emergência, que trazes sempre contigo, para controlar o teu dia; fingires que o teu dia está a correr, está a correr, até ao fim do dia. E se chegares a casa e depois colapsares ou te atirares para a cama, porque esgotaste todas as tuas energias para acabar o dia. Pelo menos, tem um lado benéfico que é: “Foi um mau dia. Amanhã é outro.”

IX

É um exercício de fingimento, fingimento no bom sentido. Ou seja, é um exercício de eu não posso pensar nisto. Sempre que eu sentir que “Como é que me vão ver?”, eu preciso de por este pensamento para trás da cabeça e seguir para frente. Mas custa. E depois também é importante, mesmo na esfera familiar, com as pessoas que te são mais próximas, isto é muito exigente. É muito exigente para as pessoas que são mais próximas porque se para ti é tão complicado compreender o que é que está a acontecer e porque é que está a acontecer. Para as pessoas que te prestam apoio dia a dia também o é, muitas vezes, sobretudo se nunca se confrontaram com a situação. 

Há pouco falava da festa de aniversário do meu marido. E às vezes ponho-me no lugar dele. O que é que ele terá sentido naquele momento? Devia ser um momento de felicidade, de bem-estar. O que é que ele terá sentido ao ver o seu companheiro a estrebuchar no chão, na varanda, com um ataque de pânico agudo? O que é que ele terá sentido?

X

Eu… Se calhar diria só que… Nos piores momentos… Só queria deixar a seguinte ideia: Eu acho que nos piores momentos [é importante] não esquecer que não se está a ser vítima de nenhuma inevitabilidade. Que não está a ser vítima de uma inevitabilidade. Era uma coisa que eu gostaria de dizer, que eu gostaria de ter sabido, mais isso. Outra coisa que eu gostaria de ter sabido. Pelo menos, não sei se estou correto mas, voltando à metáfora do lobisomem. Eu já abdiquei de deixar de ter este lobisomem dentro de mim.

Margarida David Cardoso: Em que sentido?

Gonçalo Pereira: No sentido em que eu acho que nunca vou estar imune. Nunca vou estar imune à ansiedade. No sentido em que os triggers clássicos que a desencadeiam, em mim, vão sempre ter um poder sobre mim. Aceitar isso também é … Ou seja, não cair numa ideia de que isto pode ser simplesmente eliminado é também um passo importante para saber gerir. Também gostava de ter sabido isso, no início.

XI

Esqueci-me de dizer uma coisa… Há uma coisa que também gostava de dizer sobre o ano terrível que atravessamos e que ainda estamos a atravessar, com a pandemia. E eu peço desculpa se mais uma vez parecer um pouco ridículo, mas Margarida, por favor, vê só nisto uma forma atabalhoada de tentar transmitir uma ideia.

Eu até me sinto um pouco mal a dizer o que vou dizer agora mas também acho que é uma coisa que gostaria de dizer, por isso peço alguma liberdade interpretativa. Foi um ano terrível, evidentemente. Porque todos estivermos mais isolados, paradoxalmente, para mim, enquanto pessoa que sofre cronicamente de ansiedade, foi um ano muito pacificador. Eu sei que isto é um pouco estranho dizer.

Foi pacificador a dois níveis. Número um, os triggers da ansiedade desapareceram porque os contactos sociais diminuíram. E assisti a muitos processos de uma espécie de empatia cruzada. O que é que quero dizer com isto? Um dos temas que mais se discutiu foi como é que as pessoas lidam com o isolamento, passaram a lidar com o isolamento? Em que à medida é que as suas relações de proximidade foram afetadas ? Como é que isso comprometeu o seu bem estar? Num certo sentido, foi uma experiência de … foi possível com muitas pessoas ter uma empatia para este problema de estarmos isolados de forma forçada, sentirmo-nos alienados de forma forçada. E, por vezes, falando com alguém que falava desta sua experiência, ocorria-me: “É interessante, eu senti-me assim toda a vida.”

Margarida David Cardoso: Obrigada.

Gonçalo Pereira: Obrigado, Margarida.

XII

Margarida David Cardoso: Este é o Gonçalo Pereira, na casa dos 40 anos, tem um cargo de chefia intermédia numa grande organização. É muito alto, vinha vestido de camisa e calças de ganga, quando falamos em maio de 2021. Talvez tenhas notado que usávamos máscara, por causa da Covid-19. Antes de gravarmos, Gonçalo repetiu várias vezes esta frase: “A minha história é banal. A minha história é banal. E, por isso, espero que ela seja útil.” Nunca tinha falado sobre isto com um microfone à frente.

XII

Bernardo Afonso: “Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E, quando me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamente.”

Citação do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares

CRÉDITOS

Nuno Viegas: Acabaste de ouvir o quarto dos cinco prólogos da série Desassossego, sobre saúde e doença mental. Este chama-se “Aproxima-se a lua cheia”. Se quiseres ouvir já o próximo episódio e todos os seguintes basta fazeres uma contribuição mensal para o Fumaça. Quem nos apoia já tem acesso à série completa de 13 episódios. Vai a fumaca.pt/contribuir e ajuda-nos a ter a primeira redação profissional portuguesa totalmente financiada pelo público.

Este episódio foi escrito pela Margarida David Cardoso, que fez a entrevista que lhe dá origem. O Bernardo Afonso compôs e interpretou a banda sonora original, fez a edição e o desenho de som e é ainda a voz que ouves a recitar excertos do Livro do Desassossego, de Bernardo Soares. O Pedro Miguel Santos fez a edição e revisão de texto. Eu, Nuno Viegas, fiquei com a verificação de factos. A Joana Batista criou a identidade visual. A Maria Almeida e o Ricardo Esteves Ribeiro, a estratégia de marketing. O Fred Rocha fez o desenvolvimento web. Todas estas pessoas participaram na construção coletiva da série.
Podes encontrar em fumaca.pt a transcrição de todos os episódios, fontes, documentos e imagens relacionadas. Fazem ainda parte da equipa Fumaça: Danilo Thomaz e Luís Marquez. 

A produção desta série foi parcialmente financiada por bolsas de apoio ao jornalismo de investigação da ARIS da Planície – Associação para a Promoção da Saúde Mental, do Sindicato dos Jornalistas, em parceria com a Roche e da Fundação Rosa Luxemburgo. Podes ver os contratos em fumaca.pt/transparencia.

Até já.

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