Eleições Brasil 2018

Debate sobre o primeiro turno das eleições brasileiras


Numa das mais polarizadas eleições gerais brasileiras desde o fim da ditadura militar, que durou de 1964 a 1985, a votação para o primeiro turno serviu como uma antecipação do segundo. Jair Bolsonaro ficou a menos de 4 pontos percentuais de vencer à primeira, no passado domingo. O candidato pelo Partido Social Liberal (PSL) teve 46% dos votos válidos, um valor bem superior a todas as sondagens anteriores à eleição, que ainda assim o colocavam sempre na frente. 

A 28 de setembro, dez dias antes das eleições, Bolsonaro tinha 33% das intenções de voto na pesquisa eleitoral do Datafolha e vinha até a descer, já que no dia 19 se situava nos 34%. Parecia, ao olhar para a trajetória, que estava estabilizado. Mas numa entrevista no dia 26 de setembro a José Roberto de Toledo, editor do site da revista Piauí, o jornalista dizia ao Fumaça: “Por uma tradição histórica meio inexplicável, sempre acontecem fatos surpreendentes na última semana.”

E foi isso mesmo que aconteceu. Na segunda-feira, 1 de outubro, a sete dias das eleições, Sérgio Moro, juiz federal responsável pelos processos da Operação Lava Jato – a megaoperação judicial que já produziu centenas de condenações e prendeu pessoas como Eduardo Cunha (MDB), ex-deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Lula da Silva, ex-presidente da República e líder do Partido dos Trabalhadores (PT) ou Antônio Palocci, – ex-ministro de Lula e Dilma Roussef e ex-deputado federal -, retirou o sigilo de parte da delação premiada de Antonio Palocci.

A delação premiada é um instrumento judicial que não existe em Portugal. Significa, na prática, um acordo entre o réu e o Ministério Público. Colaborando, por exemplo, entregando informações valiosas sobre o caso, em troca pode ter uma redução da pena. Foi isso que Palocci fez, revelando uma série de informações que incriminavam diretamente Lula da Silva, ex-presidente brasileiro, preso desde abril. As revelações de Palocci, que foram feitas em abril deste ano, foram até recusadas pelo Ministério Público, por falta de provas, mas Sérgio Moro achou por bem revelá-las à mesma, a uma semana da eleição, por considerar que não havia “riscos para a investigação”.

Mas nem só a decisão de Sérgio Moro  marcou os últimos dias de campanha. A 29 de setembro, foi para a rua a maior manifestação desta campanha eleitoral e a maior manifestação de sempre liderada por mulheres, no Brasil: o protesto #EleNão, contra Jair Bolsonaro.

Não se sabe oficialmente o número de pessoas presentes – a polícia brasileira não divulgou o número de manifestantes, como fez em manifestações contra e pró processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, por exemplo – mas foram centenas de milhares, em mais de 100 cidades pelo mundo, que saíram à rua protestando contra o candidato que aparecia a liderar as sondagens. Só em São Paulo estariam perto de meio milhão de pessoas, confirmou a agência Pública, que também verificou os números da contra manifestação de apoio ao candidato do PSL, no dia seguinte.

Mas aquilo que aconteceu a seguir foi o chamado “efeito bumerangue” do movimento #EleNão. A manifestação foi “apagada” das televisões – muitos analistas e jornalistas assinalaram a pouca cobertura do protesto nos média brasileiros, incluindo os jornalistas Maurício Stycer ou José Roberto de Toledo.

Um dia antes do protesto, Bolsonaro tinha 33% das intenções de voto na pesquisa eleitoral do Datafolha. No dia 2 de outubro, quatro dias depois das manifestações, tinha 38% na pesquisa do Datafolha e, nas pesquisas seguintes, teve 39% e 40%, no sábado, um dia antes do primeiro turno.

O crescimento continuou de um dia para o outro, num movimento normal no sistema eleitoral brasileiro: pessoas que planeavam votar em candidaturas mais pequenas apercebem-se de que estas não terão qualquer hipótese de ganhar e, no dia da eleição, transferem os seus votos para os candidatos com mais hipóteses de ganhar. Assim, chegámos ao final da apuração de votos com os seguintes resultados:

  • Jair Bolsonaro (PSL): 46,03% – 49.276.990 votos
  • Fernando Haddad (PT): 29,28% – 31.342.005 votos
  • Ciro Gomes (PDT): 12,47% – 13.344.366 votos
  • Geraldo Alckmin (PSDB): 4,76% – 5.096.349 votos
  • João Amoêdo (NOVO): 2,5% – 2.679.744 votos
  • Cabo Daciolo (Patriota): 1,26% – 1.348.323 votos
  • Henrique Meirelles (MDB): 1,20% – 1.288.948 votos
  • Marina Silva (Rede): 1,00% – 1.069.577 votos
  • Álvaro Dias (Podemos): 0,80% – 859.601 votos
  • Guilherme Boulos (PSOL): 0,58% – 617.122 votos
  • Vera Lúcia (PSTU): 0,05% – 55.762 votos
  • Eymael (DC): 0,04% – 41.710 votos
  • João Goulart Filho (PPL): 0,03% – 30.176 mil votos

Disputar o segundo turno das eleições, que acontece a 28 de outubro, vão Haddad e Bolsonaro, os dois candidatos com maior taxa de rejeição. No final da noite eleitoral, Fernando Haddad disse: “eu já conversei com seis dos nossos concorrentes, que receberam telefonemas meus ou me ligaram, mas Marina, Ciro e Boulos, já mantiveram contacto connosco…”, dando a entender que a estratégia irá passar por formar alianças com outras candidaturas.

Durante esta semana, Guilherme Boulos, do PSOL e Ciro Gomes, do PDT, anunciaram o apoio ao PT. Fazendo um simples exercício, a verdade é que mesmo a soma dos votos no primeiro turno de Haddad (29,28%) com os de Boulos (0,58%) e os de Ciro (12,47%), não chega para suplantar os 46% de Bolsonaro. Para além disso, o Datafolha revelou quarta-feira, 10 de outubro, a primeira sondagem após os resultados da primeira volta, que, em votos válidos (excluindo nulos, brancos e indecisos) dá 58% a Jair Bolsonaro, 42% a Haddad. O fosso aumenta.

No dia seguinte ao primeiro turno das eleições brasileiras, segunda-feira, 8 de outubro, analisámos a vitória de Bolsonaro, o desempenho do Partido dos Trabalhadores, e o que poderá acontecer até dia 28, data da segunda volta. Convidámos Débora Dias, de Fortaleza, no Ceará, doutorada em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra; Marcos Lacerda, de São Paulo, ex-diretor do Centro da Música da Funarte/Ministério da Cultura do Brasil e Maíra Zenun, do Rio de Janeiro, doutoranda em Sociologia, pela Universidade Federal de Goiás e coordenadora da Mostra Internacional de Cinema na Cova, na Amadora.

 

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