América Latina

Fabio Luis Barbosa dos Santos sobre a América Latina

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Há pouco mais de uma década, a América Latina era uma espécie de bastião progressista do Ocidente. Enquanto os Estados Unidos da América eram arrasados pela crise do subprime de 2008 e se viam divididos entre um Partido Democrata burocratizado e um Partido Republicano tomado por radicais de direita e uma série de países europeus (Portugal, Espanha, Grécia e Itália) era submetida a medidas de austeridade, os países latino-americanos pareciam ter encontrado a receita para o futuro. 

A adoção de políticas redistributivas e a ação do Estado como promotor do crescimento pareciam trazer um novo horizonte para um mundo em recessão, onde aumentava a desigualdade. Durou enquanto o boom de produtos agrários, que sustentava essa política, permitiu. Um a um, esses governos caíram, foram substituídos por novos governos de direita que, diante de uma nova crise social e econômica, voltaram. 

Mas quais as circunstâncias desses governos hoje? Em que limite atuam? É possível falarmos numa nova ‘onda rosa’, como foi apelidada à época? “É uma comparação injusta, mas que ajuda a ilustrar. [O ex-presidente chileno] Salvador Allende, que era um socialista, que se reivindicava marxista, que foi eleito e que era reformista, sempre disse que queria construir a via chilena do socialismo. Então, estava ali numa tensão entre reforma e revolução, porque ele queria fazer o socialismo, que é outra sociedade. Ele foi indo por dentro da ordem. Ele testou, digamos assim, as possibilidades de mudança. Ele levou até o limite. E quando isso chegou no limite, ele levou o golpe [em 1973]”, afirma o professor da Universidade Federal de São Paulo, Fabio Luis Barbosa dos Santos, doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo, especialista na América Latina.

Hoje, segundo Santos, autor de livros como Uma história da onda progressista sul-americana e Origens do Pensamento e da Política Radical na América Latina, os novos governos ‘socialistas da América do Sul não contam com o mesmo raio de ação. “Se a gente observa a história da América Latina no começo do século XXI, a maior parte dos países teve uma inflexão para a esquerda, aquilo que pode se chamar de governos progressistas.” 

Alguns tentaram, de facto, mudar a realidade social, alterando também os limites formais do poder instituído. “A Venezuela, a Bolívia e o Equador fizeram exatamente isso. Novos governos que chamaram processos constituintes, novas constituições que estabeleceram outras referências institucionais. A gente vê que isso, enfim, foi uma mudança.” Contudo, o espaço de ação não é o mesmo que existia no dealbar do século, é menor. “No Chile, o limite chegou ainda antes, sequer, da nova Constituição [ter sido aprovada].”

A pergunta sobre os constrangimentos da ação da esquerda ecoa no Brasil, que vai a votos dia 30 de outubro de 2022, para o segundo turno das eleições presidenciais, entre os candidatos Lula da Silva, pelo Partido dos Trabalhadores, e Jair Bolsonaro, pelo Partido Liberal. Caso saia vitorioso, confirmando o que dizem as pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva regressará em que condições para um terceiro mandato? 

“O progressismo é uma política de contenção dessa crise social. Contenção porquê? Porque ele não vai endereçar as raízes estruturais dessa crise. Na hipótese do Lula vencer essa eleição, o Brasil que ele encontrará em 2023 é muito diferente do Brasil que ele encontrou em 2003 e vai ser para pior”, lembra o historiador. E deixa um conselho: “O Lula costumava dizer que se Judas tivesse voto no Congresso, ele negociaria com Judas. Então é bom ele se preparar, porque se vencer, os Judas vão ser muitos, estarão todos armados!”

Título alterado a 22 de fevereiro de 2023, substituindo a citação “Na América Latina, há um fenômeno social importante, de raiz popular, de desejo de políticas de ordem” pela indicação dos temas tratados.

FOTOGRAFIA: Acervo pessoal de Fabio Luis Barbosa dos Santos.

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