Médio Oriente

Yazidis: o genocídio esquecido (1/2)

Este episódio foi produzido para ser ouvido e não apenas lido. O áudio original, acima, tem sons em inglês. Disponibilizamos a transcrição integral de toda a peça áudio, traduzida para português. A versão áudio, dobrada para português, pode ser ouvida abaixo.

Se quiseres ouvir a segunda parte desta reportagem clica AQUI.

Hoje recuamos até ao verão de 2014, quando milhares de pessoas foram mortas e escravizadas pelo Daesh, numa tentativa deliberada de genocídio, no norte do Iraque. Grande parte pertencia à minoria étnico-religiosa Yazidi. Depois de cinco anos a lutar para que estes crimes fossem reconhecidos e julgados por um tribunal internacional, há de novo sombras no horizonte.

Quando os yazidis estavam encurralados pelo autoproclamado Estado Islâmico, na montanhas de Sinjar, no norte do Iraque, as Unidades de Proteção Popular curdas atravessaram a fronteira da Síria, entraram no Iraque e conseguiram abrir uma passagem que ajudou milhares de yazidis a fugir do Daesh.

Na sequência da guerra civil síria, que começou em 2011 com as tentativas para derrubar o ditador Bashar al-Assad, vastas zonas da Síria e do Iraque tornaram-se território disputado pelos fundamentalistas. A guerra contra o Daesh e a sua derrota só foi possível graças ao curdos que, com o apoio das forças armadas norte-americanas no terreno, conseguiram controlar uma vasta área no norte da Síria, criando uma região autogovernada, conhecida como Rojava.

Mas tudo mudou no início de outubro deste ano. No dia 9, Recep Tayyip Erdoğan, presidente da Turquia, ordenou o início de uma ofensiva militar contra as forças curdas, depois de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, ter mandado retirar o seu exército da região. Erdoğan pretende expulsar as milícias curdas, as Unidades de Protecção Popular – que alega serem terroristas ligados ao grupo armado curdo PKK (o Partido dos Trabalhadores do Curdistão, em português), que luta por autonomia na Turquia – e criar uma zona tampão com 400 km de largura e 32 km de profundidade na fronteira entre o sul da Turquia e o norte da Síria. A ideia é aí relocalizar cerca de dois milhões de refugiados da guerra civil síria que atualmente estão na Turquia, ganhando território aos curdos e alterando o equilíbrio de forças na região. 

De repente, a geopolítica baralhou tudo. Com a saída dos Estados Unidos – que afinal não saíram totalmente e mantêm forças armadas apenas a proteger campos petrolíferos – a Rússia entrou em campo. Putin sempre apoiou o governo de Damasco e ocupou o vazio de poder no terreno reforçando as forças sírias, já que, oficialmente, a Turquia está a invadir território Sírio. Os curdos sírios voltaram-se para Bashar Al-Assad e negociaram termos para se protegerem dos turcos. No final do mês, Erdogan e Putin anunciaram um acordo em que os exércitos de ambos os países se comprometem a patrulhar uma faixa de dez km de largura na Síria, na zona da fronteira com a Turquia, de modo a expulsar as Unidades de Proteção Popular curdas. O que antes era uma zona auto-governada pelos curdos com o apoio dos EUA em território sírio, passou a ser uma área controlada por turcos e russos, com a permissão de Bashar Al-Assad, que assim reganhou controlo sobre uma vasta área do país que deixara de controlar após o início da Guerra Civil. 

Há mais de 100 mil pessoas em movimento, sobretudo curdos, tentando fugir da Síria e entrar no Curdistão iraquiano. Com toda a região novamente em conflito, teme-se que os curdos e outras minorias sejam vítimas de um massacre. Desde o início da invasão turca, já morreram mais de uma centena de civis. Alguns dos grupos armados apoiados pela Turquia têm sido acusados de serem fundamentalistas e de terem cometido crimes de guerra, incluindo execuções sumárias e o uso de armas químicas contra civis. Várias organizações yazidis publicaram comunicados a mostrar extrema preocupação com a segurança das várias minorias que vivem no Curdistão sírio, que incluem cerca de 80 mil yazidis. 

Para além dos grupos islamitas que estão a combater contra os curdos com apoio da Turquia, havia cerca de 11 mil jihadistas do Daesh à guarda dos curdos, em prisões e campos de detenção para familiares dos combatentes. Quase mil já escaparam e teme-se que o grupo terrorista se volte a agrupar e ganhe força, agora com um novo líder. Apesar da morte de Abu Bakr al-Baghdadi, a 26 de outubro, num raide das forças especiais norte-americanas, em Idlib, na Síria, o seu braço direito Abdullah Qardash assumiu a liderança da organização terrorista. 

Mas quem são os yazidis? Os que lhes aconteceu? Porque continuam perseguidos? Quem os ajudou?

É isso que a jornalista Marta Vidal, que vive e trabalha no Médio Oriente, nos vai contar. Fiquem com a reportagem: “Yazidis: o genocídio esquecido”. 

PARTE 0

Muito antes do mundo conhecer a palavra genocídio, inventada em 1943 pelo advogado judeu polaco Raphael Lemkin, para descrever as tentativas nazis de exterminar os judeus, os yazidis – uma comunidade religiosa com origens no Médio Oriente – já usavam a palavra firman para se referir às perseguições que sofreram durante séculos. 

Em agosto de 2014, o autoproclamado Estado Islâmico, também conhecido como Daesh, invadiu o distrito de Sinjar ou Shengal, em curdo, no norte do Iraque, onde se concentrava a minoria religiosa Yazidi. Considerados “infiéis” e “adoradores do diabo”, cerca de 5.000 pessoas foram mortas. Mais de 6.000 mulheres e crianças foram raptadas. Vendidas como se fossem mercadoria, foram escravizadas e sistematicamente violadas e torturadas.

Antes de 2014, os yazidis já contavam 73 firmans – decretos de extermínio. A última tentativa de eliminar a comunidade Yazidi no Iraque foi reconhecida como genocídio pelas Nações Unidas. Mas ainda não foi reconhecida, formalmente, em Portugal. 

Shengal, de Adir Jan

Ai Sinjar
Ai Sinjar
O meu coração arde
O meu coração sofre, cheio de dor
A arder pelas meninas
A arder pelas minhas irmãs
Agora já não há velhos
Então, onde fica a casa
O meu coração sofre, cheio de dor
Ai Sinjar
Ai Sinjar, o mundo é cego, surdo e mudo

Para marcar os cinco anos do genocídio Yazidi, vamos explorar o que aconteceu nesse agosto de 2014, numa reportagem dividida em duas partes.  

Eu sou a Marta Vidal, vivo e trabalho no Médio Oriente. Em março deste ano, viajei até ao norte do Iraque, conhecido como Curdistão iraquiano, para perceber como os deslocados estão a lidar com o trauma e a memória dos crimes cometidos contra os yazidis. Passei dez dias entre Erbil, a capital da região autónoma curda do Iraque, Suleimania, perto da fronteira do Irão, e Dohuk, perto da fronteira da Síria.

Seja toda a gente bem-vinda ao Dois Pontos, um programa Fumaça, de histórias contadas com tempo. 

Shengal, de Adir Jan

Ardi pelas mães
Ardi pelos que amam
Luto e extermínio outra vez
Varrem as montanhas e vales
O meu coração sofre, cheio de dor
Ai Sinjar
Ai Sinjar
O mundo é cego, surdo e mudo

PARTE I

Nadia Murad
Senhoras e senhores, eu sou uma sobrevivente do genocídio Yazidi. Agora, uma refugiada. 

A 19 de setembro de 2016, na Assembleia Geral das Nações Unidas, deram a Nadia Murad três minutos para falar sobre as atrocidades que sofreu às mãos do Daesh. Três minutos para explicar aos representantes mundiais como, em agosto de 2014, o grupo extremista cercou a sua aldeia no norte do Iraque, matou os seus seis irmãos e a sua mãe e a raptou com centenas de outras mulheres e crianças da sua aldeia. Três minutos para contar o que é indescritível.

Nadia Murad, discursa na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, nos Estados Unidos da América, a 19 de setembro de 2016.
Foto: Cia Pak/ONU

Nadia Murad
Fui arrancada da minha aldeia, de uma vida de liberdade e sonhos e tornei-me numa escrava sem esperança sob o controlo do chamado Estado Islâmico. Quando o Daesh nos atacou, matou homens e escravizou mulheres. Matou a minha mãe com mais de outras oitenta mulheres, porque não queria usá-las para escravatura sexual. 

Pálida, vestida de preto, Nádia tem vinte e três anos. De pé, perante a Assembleia Geral das Nações Unidas, segura as lágrimas e continua:

Nadia Murad
Desejei a morte, para não ter que ver todas as pessoas que amo serem assassinadas ou escravizadas. Ou, na melhor das hipóteses, refugiadas ou deslocadas. Depois de fugir, tornei-me numa deslocada interna na região curda do Iraque, onde um milhão e meio de refugiados vive em condições difíceis. Mudei-me depois para a Alemanha. Tentem imaginar, por um momento, que estão num campo de refugiados. Como é que conseguem arranjar comida para as vossas famílias quando a tenda está inundada? Como é que dão educação e cuidados médicos aos vossos filhos?

Dirigindo-se aos líderes mundiais, Nadia diz:

Nadia Murad
Vocês sabem que, como líderes, o que fazem tem um impacto positivo ou negativo na vida de pessoas comuns. Vocês decidem se há guerra ou paz. Decidem dar esperança ou sofrimento. São vocês que decidem se outra rapariga como eu, numa outra parte do mundo, vai ser capaz de viver a sua vida de forma simples ou se vai sofrer em escravidão. Temos que acabar com a guerra. Temos que trazer à justiça os responsáveis por genocídio e crimes contra a humanidade. (…)

Se decapitações, escravização sexual, violação de crianças e o deslocamento de milhões de pessoas não vos fazem agir, quando é que vão agir? A vida não foi criada só para vocês e para as vossas famílias. Também nós queremos a vida e merecemos vivê-la.

Desde o seu primeiro discurso nas Nações Unidas, em dezembro de 2015, quando foi convidada para falar sobre tráfico humano numa sessão do Conselho de Segurança sobre este tema, a voz de Nadia se tornou conhecida por todo o mundo. Com o apoio da advogada de Direitos Humanos Amal Clooney, Nadia começou uma campanha incansável para parar os crimes do Daesh, lutar por justiça para a sua comunidade e para levar os responsáveis pelas atrocidades contra os yazidis a tribunal. 

Em setembro de 2016, foi nomeada Embaixadora da Boa Vontade para a Dignidade dos Sobreviventes do Tráfico Humano das Nações Unidas. Seguiram-se vários prémios e condecorações: recebeu o prémio do Conselho da Europa Václav Havel, em outubro de 2016, e, em dezembro do mesmo ano, o prémio Sakharov do Parlamento Europeu, em Estrasburgo. 

Comité Norueguês Nobel
O Comité Norueguês Nobel decidiu atribuir o prémio Nobel da Paz 2018 a Denis Mukwege e Nadia Murad pelos seus esforços para acabar com o uso da violência sexual como arma de guerra e conflito armado. 

No dia 5 de outubro de 2018, foi anunciada, em Oslo, como uma das vencedoras do prémio Nobel da Paz. 

Comité Norueguês Nobel
Nadia Murad é vítima de crimes de guerra. Ela recusou-se a aceitar os códigos sociais que exigem que as mulheres permaneçam em silêncio e envergonhadas dos abusos a que foram submetidas. Mostrou uma coragem fora do comum ao relatar o seu próprio sofrimento e ao falar em nome de outras vítimas. 

Nádia nunca imaginou que um dia falaria na Assembleia Geral das Nações Unidas ou que receberia um prémio Nobel. Nunca imaginou que teria que deixar Kocho, no sul de Sinjar. Antes de ser capturada pelo autoproclamado Estado Islâmico, estava a estudar para ser professora e o seu sonho era abrir um salão de cabeleireiros na sua aldeia. Vivia com a mãe e com os irmãos, tinham uma pequena quinta e animais e uma vida simples e tranquila em Sinjar, uma das zonas mais pobres e mais marginalizadas do Iraque. 

Do Parlamento Europeu às Nações Unidas, Nadia repete sempre a mesma história dolorosa.
Conta como os jihadistas cercaram a sua aldeia e separaram os homens das mulheres.
Como os homens e as mulheres mais velhas foram executados e enterrados em valas comuns.
Como mulheres jovens e solteiras, como ela, foram as primeiras a ser levadas e vendidas como escravas.
Como foi sistematicamente violada e torturada pelos homens que a compraram,  como se fosse mercadoria.
Conta a mesma história repetidamente. Centenas de vezes, pelo mundo inteiro. Ouve-se a dor na sua voz, às vezes interrompida por soluços e lágrimas. 

Na sua autobiografia, escreve: 

“Quero ser a última rapariga no mundo com uma história como a minha.” 

Antes de 2014, pouca gente sabia quem eram os yazidis, uma minoria religiosa com menos de um milhão de pessoas no mundo inteiro, a maioria a viver no norte do Iraque, e alguns espalhados por países como a Síria, a Turquia e o Irão, para além de pequenas comunidades de imigrantes na Europa, Canadá e Estados Unidos. Antes desconhecida, a comunidade passou a ser falada por todo o mundo precisamente no momento em que um grupo extremista tentava eliminá-la. 

Começou a perguntar-se: quem são os yazidis, o povo que o Estado Islâmico mais odeia?

Têm sido perseguidos ao longo de milénios, vítimas do ódio tanto de muçulmanos como de cristãos. O yazidismo é uma religião monoteísta antiga, com muitos elementos em comum com outras religiões no Médio Oriente, como o Zoroastrismo, a primeira religião monoteísta com origem na antiga Pérsia, mas também com elementos do Cristianismo e do Islão. Apesar de serem monoteístas, os yazidis veneram sete anjos – o principal é conhecido, em curdo, como Tawusi Melek, o Anjo Pavão, que segundo os yazidis desceu dos céus e veio pintar o mundo com as cores das suas penas. 

A história de Tawusi Melek, a figura mais sagrada no yazidismo, foi mal-interpretada por outros grupos, que viram o Anjo Pavão como um anjo caído que desafia Deus e, por isso, semelhante ao diabo. Por rezarem na direcção do sol e venerarem Tawusi Melek e seis outros anjos, foram considerados “pagãos” e “adoradores do diabo”. Mas os yazidis consideram-se monoteístas e para eles não existe nenhuma figura que encarne o mal, como Satanás, segundo o Cristianismo, ou Shaytan, segundo o Islão.  

Dentro da comunidade yazidi, a história é transmitida de forma oral. Canções, poemas e histórias sobre quem são os yazidis, no que acreditam e de onde vieram são transmitidas de geração em geração. Desde cedo, as mulheres aprendem canções de lamento. Os yazidis cantam pelas aldeias perdidas, pelos familiares que morreram, pelo sofrimento e perseguição que a comunidade sofreu ao longo dos séculos. 

A religião yazidi também é apenas oral, não há nenhum livro sagrado. Por isso, os ensinamentos religiosos são transmitidos pelos padres e, às vezes, variam dependendo de quem fala e da região de onde vem. 

Cerca de 400 mil yazidis viviam no distrito de Sinjar, na província de Ninawa, no norte do Iraque. Sinjar, também conhecida como Shingal na língua curda, era o principal centro da vida yazidi no Iraque e no mundo. 

Reportagem Al Jazeera
Nas primeiras horas de  terça-feira, combatentes do Daesh lançaram um dos ataques mais ousados a Mossul, no norte do Iraque. Cerca de 1300 combatentes cercaram a cidade e, em apenas algumas horas, tomaram o controlo de, pelo menos, 75% do território, de acordo com fontes locais. O exército iraquiano e as forças policiais também abandonaram as suas posições. Em poucas horas, uma fuga da prisão libertou 2400 prisioneiros. Depois apoderaram-se do edifício governamental da província [de Mossul], seguido de duas estações de televisão e alguns bancos. 

Algumas horas depois, o primeiro-ministro Nouri al-Maliki dirigiu-se à nação, pedindo uma sessão de emergência no Parlamento.

Nouri al-Maliki
Pedimos ao Parlamento para declarar estado de emergência no país.

Também colocou o exército em alerta máximo e pediu a milícias tribais para protegerem os cidadãos e lutarem contra o Daesh. Também pediu à comunidade internacional para agir. 

Em junho de 2014, o Daesh lançou ataques no norte do Iraque e capturou Mossul, a capital da província de Ninawa e a segunda maior cidade do país, onde viviam vários grupos como os yazidis, mas também cristãos e outras minorias étnicas e religiosas. 

No dia 29 de Junho, o grupo extremista, conhecido na altura como o “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”, anunciou a formação de um califado, um sistema de governo islâmico que começou após a morte do profeta Maomé. O líder do grupo, Abu Bakr al-Baghdadi, declarou ser descendente do profeta e exigiu ser reconhecido como califa, o governador de um novo estado que passou a chamar-se apenas “Estado Islâmico”. 

Abu Bakr Al-Baghdadi
Deus concedeu aos vossos irmãos, os mujahedin, a vitória e a conquista depois de anos de paciência e de luta sagrada. E permitiu que conseguissem atingir os seus objectivos: declarar um Estado Islâmico e nomear um líder, o que é o dever dos muçulmanos.

Num vídeo filmado dentro da mesquita al-Nuri, a principal mesquita de Mossul, e publicado online um mês mais tarde, Abu Bakr al-Baghdadi dá um sermão sobre o que diz ser a obrigação dos muçulmanos de reconhecer o califado e o seu novo líder.  

Por todo o mundo, líderes muçulmanos recusaram-se a reconhecer a legitimidade do grupo, que foi classificado como uma organização terrorista. Não sendo reconhecido nem como um Estado, nem como representativo do Islão, o nome “Estado Islâmico”, Dawla Islamiya em árabe, foi absolutamente rejeitado pela esmagadora maioria dos muçulmanos. Em árabe, o grupo é conhecido como Daesh, acrónimo do nome “Estado Islâmico do Iraque e do Levante”. A utilização do acrónimo Daesh foi considerada uma forma de recusar a legitimidade do grupo e as pretensões de representar a comunidade muçulmana. 

O grupo fundamentalista foi formado por antigos membros do grupo terrorista al-Qaeda, no Iraque, em 2004. Aproveitando-se da guerra na Síria, desde 2011, e da instabilidade política no Iraque, a organização terrorista foi crescendo. Em 2013, adotou o nome “Estado Islâmico do Iraque e da Síria”, e começou a conquistar territórios sírios. A primeira cidade de que se apoderou foi Raqqa, no norte do país, em janeiro de 2014. Nos meses seguintes, lançou ofensivas para conquistar territórios entre as fronteiras da Síria com o Iraque.

Apoderou-se de pontos estratégicos, de campos petrolíferos e de armas e equipamento militar deixados para trás pelo exército iraquiano. No dia 10 de junho, o Daesh conquistou Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, assassinando durante o ataque 600 prisioneiros muçulmanos xiitas, pertencentes a um ramo do Islão que é considerado “herege”. A rapidez com que o Daesh tomou Mossul deixou o mundo em choque. O antigo embaixador dos EUA no Iraque considerou a situação “extremamente séria”.

Em apenas alguns meses, o grupo extremista conseguiu conquistar vastos territórios entre o Iraque e a Síria. Tomou controlo de uma área do tamanho do Reino Unido e onde morava tanta gente como em Portugal. 

Reportagem CBS
O Daesh está outra vez em movimento, em confrontos com combatentes curdos e a estender as fronteiras do que chamam o seu Estado Islâmico. Ontem, depois de violentos confrontos, militantes do Daesh tomaram controlo de 15 localidades, uma base militar e a maior barragem do Iraque. Soldados do exército iraquiano fugiram da região há dois meses, quando o Daesh surgiu em Mossul. Agora os soldados curdos, de uma região autónoma a leste são o único grupo a combater o Daesh no terreno no norte do Iraque, mas esta semana o Daesh venceu várias batalhas contra os soldados curdos. 

Na madrugada do dia 3 de agosto, o Daesh invadiu o distrito de Sinjar, a cerca de 120 quilómetros de Mossul. Situado perto da fronteira da Síria, era habitado principalmente por yazidis, que o Daesh considerava hereges. O grupo extremista cercou Sinjar com a intenção de eliminar o yazidismo do Iraque. Sem proteção ou ajuda dos exércitos iraquiano ou curdo, grupos de civis tentaram defender Sinjar com as armas que tinham, mas em apenas algumas horas o Daesh conquistou todo o território. 

Destruição de Sinjar.
Foto: Faris Mishko/Yazda

Desesperados, os yazidis saíram a correr das suas casas. Os que não conseguiram fugir antes das estradas serem bloqueadas pelo Daesh procuraram abrigo nas montanhas Sinjar, uma cordilheira com mais de 100 quilómetros no norte do Iraque. Mas milhares de yazidis ficaram presos nas aldeias do sul, cercadas pelo Daesh. 

No dia 5 de agosto, a deputada Vian Dakhil, a única mulher yazidi no Parlamento iraquiano, implorou por ajuda. 

Vian Dakhil
Não estou aqui para fazer um discurso ao povo iraquiano. Estou aqui para transmitir a realidade amarga em que vivem neste momento os yazidis nas montanhas Sinjar.

Com a voz trêmula e os olhos cheios de lágrimas, Vian denuncia o massacre do seu povo.

Vian Dakhil
Senhor presidente, até agora, 500 rapazes e homens yazidis foram massacrados. 

O presidente do Parlamento interrompe: “Senhora deputada, por favor mantenha-se apenas pelo comunicado que ficou combinado.” 

Vian Dakhil
Senhor presidente, as nossas mulheres estão a ser capturadas e vendidas em mercados de escravos! Por favor, irmãos… 

O presidente volta a interromper, ouvem-se vozes exaltadas e a maioria dos deputados está de pé no Parlamento, em solidariedade com Vian. 

Vian Dakhil
Uma campanha genocida está a decorrer agora contra os yazidis. Sim, senhor presidente, estou a cumprir [o comunicado]. O meu povo está a ser massacrado! O meu povo está a ser massacrado como massacraram todos os iraquianos.

Hoje, os yazidis estão a ser massacrados!

Irmãos, apesar de todas as nossas diferenças políticas, queremos solidariedade humana. Falo em nome da humanidade. Salvem-nos! Salvem-nos! Nas últimas 48 horas, trinta mil famílias estão cercadas no Monte Sinjar, sem água e sem comida. Estão a morrer! Setenta crianças já morreram à sede, até agora. Cinquenta idosos morreram por causa das condições que se deterioram.
As mulheres estão a ser capturadas e vendidas no mercado de escravos. Senhor presidente, peço ao Parlamento iraquiano uma intervenção imediata para parar este massacre. Os yazidis já sofreram 72 genocídios e agora repetem-se no século XXI. Estamos a ser massacrados! Aniquilados! Uma religião inteira a ser apagada da face da terra! Irmãos! Eu peço-vos, em nome da humanidade! Em nome da humanidade, salvem-nos! Senhor presidente…

Vian colapsa no meio do Parlamento. Deputados à sua volta tentam segurá-la. O vídeo com o seu apelo doloroso torna-se viral, é visto milhares de vezes, reproduzido por canais televisivos internacionais.

Depois do ataque do Daesh, na madrugada de 3 de agosto, dezenas de milhares de yazidis fugiram para a cordilheira de Sinjar, que o Daesh cercou. As montanhas sempre lhes ofereceram proteção, sobretudo durante os séculos de perseguição religiosa do Império Otomano. Voltaram a fazê-lo. Desta vez, rodeados pelos jihadistas, ficaram presos nos montes, sem água nem comida, no pico do verão, quando as temperaturas no norte do Iraque podem chegar aos 50 graus. 

Hadi Pir.

Do outro lado do mundo, em Lincoln, Nebraska, no interior dos Estados Unidos, Hadi Pir tentava desesperadamente contactar os seus familiares e amigos em Khanasour, uma aldeia Yazidi em Sinjar, a menos de 15 quilómetros da fronteira com a Síria. Nascido em Sinjar, Hadi foi intérprete para o exército americano, durante sete anos. Como recompensa, recebeu um visto para os Estados Unidos e, em 2012, mudou-se para o estado de Nebraska com a sua mulher e a sua filha. 

No dia 3 de agosto de 2014, Hadi reuniu-se com os seus vizinhos para partilharem as informações que tinham sobre familiares e amigos – os que conseguiram fugir, os que estavam presos nas montanhas, os que ficaram cercados pelo Daesh nas aldeias do sul do distrito de Sinjar e os que ninguém tinha ainda conseguido contactar. Com outros yazidis que tinham trabalhado para o exército americano e emigrado para os Estados Unidos, Hadi decidiu que não podia ficar parado. 

A cidade de Lincoln tem uma das maiores comunidades yazidis dos Estados Unidos, são cerca de mil. Primeiro organizou uma concentração pedindo ajuda para quem estava em Sinjar. Com a falta de reações internacionais, decidiu alugar uma carrinha de 15 lugares e ir até Washington com os seus amigos para pressionar as autoridades americanas a agir.
Hadi falou comigo no dia 3 de Junho de Lincoln, Nebraska, onde continua a viver. 

Hadi Pir: Eu tinha muitos amigos lá, familiares da minha mulher, os meus tios… toda a gente estava lá. Para ser honesto, já disse isto aos média antes, eu achava que toda a gente que estava na montanha [de Sinjar] ia morrer. Eu sabia como o governo iraquiano funcionava, como o governo curdo funcionava, sabia que o exército iraquiano estava desarmado, que começavam a abandonar o terreno e a [os soldados] deixar o exército, e que o Estado Islâmico estava a apoderar-se de bases militares [iraquianas], que os peshmerga [forças armadas curdas] tinham abandonado os yazidis e que os Estados Unidos, durante a presidência de Obama, tinham decidido sair do Iraque, trazer as tropas para casa.

As Nações Unidas provaram, mais uma vez, que não conseguem proteger civis, como aconteceu no Ruanda, no Sudão e em muitos outros países.

Eu esperava que toda a gente ia morrer e que ninguém ia intervir. Mas nós tínhamos que fazer alguma coisa. Não podíamos ficar parados.
Marta Vidal: E então, a sua primeira ação foi tentar mobilizar a comunidade? O que é que fez?
Hadi Pir: Sabíamos que não podíamos ficar sentados em casa sem fazer nada, mas as coisas ainda não eram claras. Toda a gente estava chocada. A comunidade inteira estava em choque. Organizámos uma outra concentração em Lincoln, mas não foi bem-sucedida. Por isso, decidimos ir para Washington D.C. 

No dia 4 de Agosto, Hadi escreveu no Facebook: “Estamos a planear ir a Washington.”

Reservou uma carrinha de 15 lugares. Algumas horas depois, mais de 50 yazidis queriam juntar-se a ele. Reservou mais quatro carrinhas e, na manhã do dia 5, agarrou no volante liderando a caravana rumo à capital. Escreveu “Casa Branca” no Google Maps e deixou que o GPS do seu telemóvel o guiasse. 

Na viagem de quase 2000 quilómetros, Hadi e os seus amigos começaram a pensar num plano. Se conseguissem uma reunião com oficiais americanos, o que é que lhes iam dizer? Como é que os podiam convencer a intervir, quando o presidente Obama tinha sido eleito com a promessa de que as tropas americanas iam sair do Iraque? Que propostas podiam fazer para tentar salvar quem estava preso nas montanhas? 

Encontraram-se com mais de cem outros yazidis que viajaram de outros estados americanos e do Canadá. Um grupo com contactos no Congresso americano conseguiu marcar uma reunião com o Gabinete de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho do Departamento de Estado, no dia 7 de agosto. Falaram sobre os familiares que já tinham sido assassinados pelo Daesh, das mulheres e crianças raptadas, da destruição de lugares sagrados e aldeias e das terríveis condições nas montanhas. 

Hadi explicou a situação no terreno e várias hipóteses de como o exército americano podia intervir: com ataques aéreos a alvos do Daesh, com o lançamento de ajuda humanitária, ou através do armamento e apoio militar a grupos no terreno, como os curdos, para que pudessem abrir um corredor humanitário e salvar os cerca de 40 mil yazidis presos nas montanhas. 

Hadi Pir: Lembro-me de que na reunião perguntei se podia usar o quadro e comecei a desenhar um mapa, a desenhar uma montanha: “Isto é Sinjar, isto é a Síria”. E começámos mais ou menos a apresentar o nosso plano, a defender que era preciso fazer alguma coisa e a maneira como achávamos que podia ser feito.
Marta Vidal: E que resposta que tiveram?
Hadi Pir:
Não recebemos uma resposta imediata. Não disseram se era possível ou não, ou se era um bom ou mau plano. Começaram a escrever o que dissemos. Foi uma conversa muito emocional.Uma das raparigas que estava connosco começou a chorar. Foi mesmo muito emocional. Mas acho que nos levaram a sério, sabiam que podiam fazer alguma coisa. E, mais tarde nesse dia, o presidente Obama declarou que [os EUA] iam intervir e salvar aquelas pessoas [presas na montanha de Sinjar].

No dia 7 de Agosto, o presidente Barack Obama anunciou uma intervenção militar para travar o Daesh no norte do Iraque. 

Hadi e o grupo que a ele se juntou ajudou oficiais americanos a decidir onde lançar os ataques aéreos em Sinjar e onde entregar água e comida para aliviar a crise humanitária nas montanhas. Foram as informações que familiares e amigos lhes passaram ao telemóvel, de Sinjar, que permitiram aos militares saber o que fazer. 

Barack Obama
Boa tarde. Hoje autorizo duas operações no Iraque. Ataques aéreos para proteger funcionários americanos e uma operação humanitária para ajudar a salvar milhares de civis iraquianos que estão presos numa montanha sem comida e sem água e a enfrentar uma morte quase certa. 

Mas o que salvou as dezenas de milhares de pessoas encurraladas nas montanhas foi um corredor humanitário aberto pelas forças curdas da Síria, entre os dias 9 e 13 de agosto. Conhecidas como Unidades de Proteção Popular (em inglês YPG), as forças curdas atravessaram a fronteira entre a Síria e o Iraque e conseguiram abrir uma passagem que ajudou os yazidis a fugir do Daesh para território controlado pelos curdos sírios. 

Enquanto atravessavam a fronteira entre o Iraque e a Síria, foram ajudados por populações locais, maioritariamente muçulmanas, que lhes deram água, comida e roupa e abriram as suas casas

Entre as vítimas do autoproclamado Estado Islâmico contam-se milhares de pessoas de várias religiões e etnias, incluindo muçulmanas. Segundo um relatório sobre a proteção de civis em conflito armado no Iraque, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, publicado no final de 2014, a maioria das vítimas do grupo extremista era muçulmana.

Na operação de resgate, as Unidades Femininas de Proteção curdas, unidades armadas compostas apenas por mulheres, tiveram um papel fundamental, ajudando a reter ataques do grupo terrorista. A sua ação inspirou várias mulheres yazidis, civis, a juntarem-se a grupos armados para lutar contra o Daesh e para se vingarem dos abusos que sofreram e da morte dos seus familiares. 

Quando anunciou a intervenção militar para travar o Daesh, no dia 7 de Agosto, Obama disse que os crimes cometidos em Sinjar podiam constituir um genocídio. 

Barack Obama
Estes terroristas foram especialmente bárbaros contra as minorias religiosas, incluindo cristãos e yazidis, uma religião pequena e antiga. Um número incontável de iraquianos foram deslocados e relatos terríveis descrevem como os militantes do Daesh estão a juntar famílias, a realizar execuções em massa e a escravizar as mulheres yazidis. Nos últimos dias, mulheres, homens e crianças yazidis da região de Sinjar fugiram para salvar as próprias vidas e milhares, talvez dezenas de milhares, estão escondidos na montanha com pouco mais do que as roupas que têm vestidas. Sem comida e sem água, as pessoas estão esfomeadas, as crianças estão a morrer de sede. Entretanto, as forças do Daesh querem a destruição sistemática do povo Yazidi inteiro. Isto pode constituir um genocídio.

Segundo a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, aprovada em 1948 pela Assembleia Geral da ONU, depois do Holocausto, considera-se genocídio – cito – “qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

a) Assassinato de membros do grupo;
b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;
c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;
d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo.

Os relatos de sobreviventes como Nadia Murad mostraram que todos os atos mencionados nas alíneas da convenção foram cometidos pelo Daesh contra o povo Yazidi. Em Kocho, a aldeia de Nadia, no sul de Sinjar, os homens foram executados e enterrados em valas comuns. As mulheres foram raptadas, vendidas como escravas e violadas repetidamente. As crianças foram retiradas às famílias e forçadas a converter-se ao Islão extremista imposto pelo Daesh. 

Num artigo publicado online na revista Dabiq, uma publicação criada pelo Daesh – entretanto retirada da internet – o grupo terrorista explica como o plano de atacar Sinjar foi decidido depois de estudos teológicos e debates entre as autoridades religiosas do grupo fundamentalista. Segundo o artigo, por serem considerados – e cito – “infiéis”, “pagãos” e “adoradores do diabo”, os Yazidis não poderiam viver no chamado “Estado Islâmico” e, por isso, deviam ser mortos ou escravizados. A escravatura é vista como uma forma legítima de castigar os “infiéis”, de compensar os seus combatentes e de voltar aos tempos do profeta Maomé. Para além dos artigos publicados, várias declarações do Daesh mostram abertamente uma clara intenção de destruir os Yazidis e apagá-los do mapa do Iraque. 

De Lincoln, Hadi Pir explica porque é que os Yazidis se tornaram um alvo.

Hadi Pir
Há interpretações radicais do Islão e uma delas é a Salafi. E, basicamente, o que eles dizem é que temos que voltar ao quarto califa depois de Maomé e voltar a esse tempo, agir exatamente como se agia nessa altura. (…) A al-Qaeda segue essa ideologia, mas há outros grupos. De acordo com essa interpretação do Islão, os não-muçulmanos são divididos em dois grupos: um grupo com os chamados “povos do livro”, que são os cristãos e os judeus, e os infiéis.
Os “povos do livro” podem ficar em terras islâmicas, mas têm que pagar um imposto, chamado jizya, aos líderes muçulmanos e aceitar ser subjugados. Mas, entre os “infiéis”, que não são nem cristãos nem judeus, os homens simplesmente têm que ser assassinados e as mulheres escravizadas. E foi isso que [os membros do Daesh] fizeram quando chegaram às zonas onde viviam os yazidis. Nós sabíamos exactamente o que ia acontecer. Dissemos a toda a gente o que ia acontecer quando [eles, o Daesh] atacassem os yazidis.
Segundo essa interpretação, nós somos “infiéis”. Com os homens e rapazes com mais de 14 anos, [o Daesh] olhava para as axilas, e se tivessem pêlos debaixo dos braços eram assassinados. As mulheres e crianças foram escravizadas. As crianças foram levadas para escolas islâmicas para se tornarem muçulmanas e as mulheres para se tornarem em escravas sexuais para o resto da vida, a não ser que o seu “proprietário” assinasse um papel a dizer que a libertava.

Foi isso que aconteceu em Kocho, a aldeia da sobrevivente e Nobel, Nadia Murad, que ouvimos no início do episódio. Quando o Daesh atacou Sinjar, cercou duas povoações no sul do distrito: Hatamiya e Kocho; bloqueou as estradas e matou qualquer pessoa que tentasse fugir. A norte, a maioria conseguiu escapar. 

Os ativistas sabiam que sem uma intervenção militar, as aldeias do sul iam ser massacradas. Em Washington,  tentaram pressionar os Estados Unidos para proteger Kocho e salvar os cerca de 1700 habitantes da aldeia cercada pelo Daesh. Mas a dificuldade em distinguir, no terreno, civis de combatentes fez com que os oficiais americanos se recusassem a agir por considerarem a intervenção demasiado arriscada. 

Depois de um cerco de vários dias, frustrados por não terem conseguido atacar os que tinham fugido para as montanhas, os militantes do Daesh juntaram todos os habitantes de Kocho, separaram os homens das mulheres e confiscaram telemóveis, dinheiro e ouro. Assim, nos Estados Unidos, Hadi perdeu contacto com toda a gente que estava em Kocho. Mais tarde, soube-se o que aconteceu: os homens foram executados e enterrados em valas comuns e as mulheres levadas para a vila mais próxima, onde as mais novas foram separadas das mais velhas. O massacre e a escravização foram planeados ao pormenor pelo Daesh, que preparou antecipadamente os lugares onde os homens foram executados em massa e onde as mulheres foram encarceradas e vendidas como mercadoria. 

Surat al-Mai’da, por Mishary Al Afasy
E se alguém matar uma pessoa inocente, é como se matasse toda a humanidade. E se alguém salvar uma vida, é como se salvasse as vidas de toda a humanidade. 

O que acabamos de ouvir são versos do Corão, cantados por Mishary Al Afasy, famoso entre os muçulmanos pela forma como recita o livro sagrado. Dizem que matar um ser humano é como matar a humanidade inteira e que salvar uma vida é como salvar todas as vidas. 
Segundo a norma do Islão, o uso da força só é considerado legítimo em autodefesa e todas as vidas humanas têm o direito de ser protegidas. Mas o Daesh não reconheceu os Yazidis como humanos, as suas vidas não foram vistas como vidas que pudessem ser salvas. Esta interpretação do Islão é vista como uma aberração pela esmagadora maioria dos muçulmanos. 

Hadi defende que o preconceito contra os yazidis não está apenas presente entre os extremistas, mas que se encontra profundamente enraizado no Iraque. 

Hadi Pir
O sociólogo americano Michael Shermer tem uma frase que eu uso muito quando falo sobre isto: Toda a gente acha que as suas crenças são divinas e que as dos outros são culturais. Todas as pessoas que são religiosas acham que as suas crenças têm uma base divina e que todos os outros grupos que são diferentes têm crenças baseadas na cultura, inventaram as suas crenças. Essa mentalidade, infelizmente, ainda está presente. Também entre cristãos, judeus, budistas. Muitas pessoas quando olham para outras religiões, especialmente minorias como os yadizis, perguntam sempre: “De onde é que vêm estas crenças? Explica-me quem é que tas deu, quem as inventou.” Mas quando falam sobre as suas próprias crenças, é “óbvio” que vêm de Deus e que a explicação é divina. E foi isso que aconteceu com os yazidis, sempre. Mesmo quando era estudante na Universidade de Mossul, perguntavam-me sempre a mesma pergunta, mas quando eu perguntava de volta: “De onde é que vêm as vossas [crenças]?”, ficavam zangados. Diziam: “Como é que me perguntas isso? Tenho um livro que veio do céu e um profeta.” Mas eu não podia dizer a mesma coisa, porque pertenço a uma minoria e não falo de uma posição de poder. 

Foi para dar mais poder aos yazidis que Hadi decidiu fundar a Yazda. Com Haider Elias e Murad Ismael – que com ele trabalharam para o exército americano e o acompanharam a Washington –, criaram, no final de Agosto de 2014, uma organização não-governamental que tem como objectivo apoiar e proteger os yazidis a nível mundial. 

Depois dos seus esforços junto do Departamento de Estado, Hadi, Haider e Murad sabiam que não podiam simplesmente voltar para casa e continuar com as suas vidas, quando milhares de yazidis tinham sido raptados, e centenas de milhares estavam em campos de refugiados com péssimas condições. Para além do trabalho de promoção e de defesa dos direitos dos yazidis, a Yazda começou a documentar os crimes cometidos pelo Daesh. Uma das suas principais missões é fazer com que o genocídio seja reconhecido pela comunidade internacional, dar apoio a sobreviventes e a refugiados e lutar para levar os terroristas a tribunal.

Em Junho de 2016, a Comissão Internacional Independente de Inquérito sobre a Síria, da Organização das Nações Unidas, concluiu que os crimes cometidos contra os yazidis constituíam um genocídio que ainda estava em curso. Paulo Pinheiro, brasileiro que presidiu a comissão, disse:

Paulo Pinheiro
O abuso de homens, mulheres e crianças yazidis pelo Daesh equivale a genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. O genocídio ocorreu e está em curso. Desde o dia do ataque a Sinjar até hoje, o Daesh procurou eliminar os yazidis através de assassinatos, escravatura sexual, tortura, tratamento degradante e transferências forçadas, provocando sérios danos físicos e mentais.

No relatório, a comissão exigiu que as provas que tinha reunido –de que um genocídio estava a ser cometido – fossem remetidas para o Tribunal Penal Internacional para abrir um processo contra o Daesh.

No final de 2016, alguns meses depois do relatório ter sido publicado, Teresa Violante, advogada especialista em Direitos Humanos e diretora das Conferências do Estoril, conheceu em Nova York Karen AbuZayd, uma das delegadas da comissão independente que revelou a gravidade dos crimes cometidos contra os yazidis e a urgência de uma resposta internacional. A partir daí, as Conferências do Estoril dedicaram-se a promover a causa yazidi e tornaram-se representantes da organização Yazda, em Portugal. Falámos com Teresa Violante, em Lisboa.

Teresa Violante
Na altura convidámos a Karen [AbuZayd] para vir à nossa edição de 2017. Ela veio, esteve presente num dos painéis. E convidámos também uma representante da comunidade yazidi, a Farida Khalaf, que esteve connosco, em 2017, e que nos deu um relato absolutamente impressionante das atrocidades que ela própria viveu às mãos do Estado Islâmico.

Farida Khalaf visitou Sinjar, no Iraque, em 2018.
Foto: Faris Mishko/Yazda

Farida Khalaf tinha 19 anos quando o Daesh atacou a sua aldeia, Kocho. Foi raptada, vendida como escrava sexual, violada e torturada. Tentou suicidar-se várias vezes. Depois de vários meses sequestrada, conseguiu fugir. Em 2016, escreveu um livro autobiográfico, publicado em Portugal, pelas Edições Asa, com o título “A rapariga que derrotou o Estado Islâmico”.

Farida Khalaf
Quero que imaginem isto: que uma das milhares de raparigas yazidis que ainda estão presas pelo Daesh é a vossa mulher, ou a vossa mãe, ou a vossa filha. E que estão a ser usadas para escravatura sexual.

O que é que fariam nesta situação para as ajudar? 

Muitas vezes disse que sou mais forte do que o Daesh. Mas sem o vosso apoio, não posso continuar a repeti-lo. Muito obrigada.

Teresa Violante
Tivemos nesse momento a garantia por parte de todos os representantes dos grupos parlamentares que estavam presentes, de que, efetivamente, o Parlamento português, à semelhança de outros parlamentos nacionais e internacionais – como o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa – iria aprovar um documento formal, uma resolução reconhecendo o genocídio perpetrado pelo Estado Islâmico contra os yazidi. Até ao momento ainda não aconteceu, temos esperanças que ainda volte a acontecer. 

Farida regressou a Portugal em Abril de 2018. Foi recebida por deputados portugueses no âmbito de duas comissões parlamentares: a de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e a de Negócios Estrangeiros. Falou da necessidade dos Estados-membros das Nações Unidas reconhecerem o genocídio, para que os responsáveis sejam levados a um tribunal internacional e condenados por crimes contra humanidade. Teresa Violante conta como foi. 

No dia 27 de Janeiro de 2016, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adotou uma resolução que reconheceu que o Daesh – cito – “perpetrou atos de genocídio e outros graves crimes puníveis segundo a Lei Internacional”. E que – cito – “Os Estados-membros devem agir na presunção de que o Daesh comete genocídio e devem estar conscientes de que isto implica ação de acordo com a Convenção para a Prevenção e Repressão de Crimes de Genocídio das Nações Unidas, de 1948”. 

Em 20 de janeiro, o Parlamento Europeu debateu diferentes propostas de resolução dos grupos políticos em Bruxelas, sobre o “Assassínio em massa sistemático das minorias religiosas pelo Daesh”. A eurodeputada Ana Gomes assina, com outros parlamentares da sua bancada, o texto apresentado em nome dos Socialistas e Democratas Europeus e fez um discurso sobre a perseguição dos yazidis. Foi a única portuguesa a falar na discussão. 

Ana Gomes
Nada me custou mais do que ouvir no Curdistão iraquiano jovens yazidis que haviam conseguido escapar ao Daesh e que precisavam de ajuda para se recuperar e para libertar os mais de 4000 ainda escravizados por esta banda assassina. É incompreensível que a União Europeia ainda não tenha tomado a iniciativa de pedir ao Conselho de Segurança da ONU que refira o genocídio dos yazidi e outros crimes contra a humanidade do Daesh ao Tribunal Penal Internacional como pede o governo do Curdistão iraquiano. 

A resolução conjunta foi aprovada a 4 de fevereiro a reconhecer a existência do genocídio yazidi e a pedir que os responsáveis sejam – cito – “julgados e acusados por violações do direito internacional, nomeadamente crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio”. 

Ainda assim, Teresa Violante lamenta que, apesar das resoluções das instituições europeias e da audição com Farida no Parlamento nacional, o genocídio yazidi ainda não tenha sido reconhecido em Portugal.

Teresa Violante
Tínhamos grandes esperanças que isso pudesse acontecer e num curto espaço de tempo, logo a seguir à audição conjunta no Parlamento, até porque foi esse o compromisso que foi expressamente assumido por todos os deputados de um modo muito claro, muito expresso, muito explícito, muito veemente perante a Farida. E nós ficamos descansados quanto ao sucesso da iniciativa. Os meses foram decorrendo, nós fomos tentando obter informações, formalmente tivemos indicação de que o assunto estava a decorrer os seus trâmites normais e nada aconteceu. 

Mas porque é que, apesar do apoio dos grupos parlamentares presentes nesta audição, o genocídio yazidi ainda não foi formalmente reconhecido pelo Estado português? Falei com Maria Manuel Rola, do Bloco de Esquerda, a única deputada presente na audição que respondeu, em tempo útil, aos pedidos de entrevista que foram feitos este verão. 

Maria Manuel Rola
Nós, de facto, não encetamos conversações com os outros grupos parlamentares e tal não foi feito também da parte dos restantes grupos parlamentares para a possibilidade de construção de um texto comum que levasse a esse reconhecimento por parte da Assembleia da República. Temos receio que o próprio texto da iniciativa possa não ser consensual pelo entendimento de como é que deve ser feito esse reconhecimento. 

Teresa Violante pensa que há outras razões para esta demora.

Teresa Violante, diretora das Conferências do Estoril.
Foto: Conferências do Estoril

Teresa Violante
A primeira explicação é a inércia.O tema ficou perdido na burocracia do Parlamento.Não era uma questão politicamente prioritária e, portanto, ficou na gaveta sem que possamos fazer qualquer juízo valorativo sobre esse veto de gaveta. Essa é a primeira explicação.
A segunda explicação é que os deputados tenham entendido que naquela condenação genérica que fizeram do genocídio de cristãos e outras minorias religiosas, em 2016, que aí já tivessem dado cumprimento ao dever de reconhecerem formalmente o genocídio dos yazidi. Não acho que esta justificação seja plausível, primeiro porque os próprios deputados na audição conjunta reconheceram que tinham esse dever de fazer aprovar a resolução e que lhe iriam dar cumprimento; e em segundo lugar porque esse dever resulta da tal resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que é do final de 2016. E, portanto, é anterior a essa resolução da Assembleia da República que fala do genocídio dos cristãos e de outras minorias religiosas e que até faz referência também ao genocídio dessas minorias religiosas em África, para além do Médio Oriente.

A terceira explicação é que pode não haver interesse político em dar visibilidade à questão dos yazidi, porque o tema dos yazidi em Portugal está conotado a esta situação de que os refugiados yazidi que Portugal acolheu na sequência do programa de recolocação saíram todos ou quase todos do território nacional. 

A resolução aprovada em 2016 pela Assembleia da República, reconhece o assassínio em massa de cristãos e outras minorias religiosas no Médio Oriente e em África, mas ignora as particularidades da perseguição sistemática da comunidade yazidi e do genocídio cometido pelo Daesh.

Teresa Violante
Mesmo que [o reconhecimento de Portugal] tivesse apenas importância simbólica já isso seria razão suficiente para que Portugal o fizesse. Porque aquilo que tem acontecido com os yazidi no pós-genocídio é um processo de desumanização. Todo este esquecimento e toda esta irrelevância a que tem sido votados do ponto de vista internacional contribui para a sua desumanização, que é algo que não está de acordo com aquelas que são as obrigações do Estado português, e de um Estado de Direito do ponto de vista internacional, um Estado que se assume como empenhado na luta da defesa dos direitos humanos. 

Como nem a Síria, nem o Iraque fazem parte dos países que aderiram ao Tribunal Penal Internacional (TPI), uma investigação de crimes cometidos contra os yazidis depende da aprovação dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como a Rússia e a China têm vetado qualquer tentativa de remeter crimes cometidos na Síria para o TPI, esta é uma solução cada vez mais improvável. Uma outra opção defendida por ativistas yazidis é a possibilidade de vários estados formarem um tribunal internacional, que poderia ser misto, através de uma colaboração entre o Iraque e outros países das Nações Unidas para julgar os crimes do Daesh.  

Numa sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, a 24 de Junho deste ano, a Alta Comissária, Michelle Bachelet, falou sobre o problema de julgar e punir os combatentes do Daesh detidos no Iraque e na Síria. 

Michelle Bachelet
Depois do colapso do Daesh, mais de 55.000 suspeitos de serem combatentes do Daesh e as suas famílias foram detidos na Síria e no Iraque. A maioria destes indivíduos são sírios ou iraquianos, mas também há alegados combatentes de cerca de 50 países. E mais de 11.000 familiares de membros de Daesh estrangeiros estão detidos no campo al Hol, no nordeste da Síria, em condições profundamente abaixo do normal.

A UNICEF estima que haja 29.000 crianças de combatentes estrangeiros na Síria, 20.000 delas iraquianas, a maioria com menos de 12 anos.

Quanto aos combatentes, mais de 150 homens e mulheres foram condenados à morte no Iraque, segundo a lei antiterrorismo, depois de julgamentos nos quais não foram concedidos os processos adequados. 

No Iraque, os combatentes do Daesh têm sido julgados por acusações de terrorismo e não por crimes de genocídio, crimes contra a humanidade ou outros crimes cometidos contra os yazidis. Estimam-se em 19.000 os membros da organização terrorista em prisões iraquianas. Os seus julgamentos são rápidos, quase sumários, durando, às vezes, apenas alguns minutos e resultam em condenações à pena de morte, sem dar hipótese às vítimas yazidis de confrontarem os arguidos e sentirem que foi feita justiça. 

Até hoje, o único processo em que um membro do Daesh foi levado a um tribunal por crimes cometidos contra os yazidis está a acontecer na Alemanha, um caso a ser julgado como crime de guerra. Uma mulher, alemã, que se juntou ao Daesh, foi acusada de ser cúmplice na morte de uma criança Yazidi, com cinco anos, deixada acorrentada, fora de casa quando estavam 45 graus, a morrer à sede. 

Teresa Violante
É um julgamento que está a fazer história na Alemanha mas estas são vias insuficientes, porque falamos de processos e julgamentos esporádicos e não de um reconhecimento da escala e da dimensão do que sucedeu e da necessidade de dar reparação e permitir aos sobreviventes um processo de pacificação e de recuperação para que possam seguir em frente. 

Teresa diz que parte da resolução e da reparação que é devida à comunidade yazidi passa pela administração de justiça. 

Teresa Violante
Esta identificação,  este reconhecimento do que se passou, quando se passou, como se passou, o que aconteceu, este processo de individualização é absolutamente essencial para que as vítimas possam sentir-se reconhecidas e possam sentir-se parte no processo, sujeitos destes processos e não apenas espectadores, ou, até menos do que isso. Têm sido totalmente ignoradas ao longo destes tempos. Tudo isto é absolutamente essencial para que se possa lidar convenientemente com a situação. 

Na Sala Oval da Casa Branca, no dia 17 de Julho deste ano, numa sessão com vários sobreviventes de perseguição religiosa, Nadia Murad, a sobrevivente yazidi e prémio Nobel, pede ao presidente Donald Trump para fazer alguma coisa em relação às centenas de milhares de yazidis que ainda vivem como refugiados, sem poder voltar para Sinjar e sem ainda ter visto nenhum combatente do Daesh em tribunal.  

Donald Trump: Então fugiste? 
Nadia Murad: Fugi, mas ainda não estou livre, porque ainda não vi nenhum [membro do] Daesh em tribunal.

Não sabemos se mataram toda a gente, se estão na prisão.

Mas sabemos que há 3000 mulheres e crianças, incluindo a minha sobrinha, o meu sobrinho, a minha cunhada [ainda desaparecidos]. Há três anos, ela ligou-nos e disse: “Estou na Síria.” Mas desde então não soubemos mais nada. 

Cinco anos depois do começo do genocídio, 3000 mulheres e crianças raptadas em 2014 ainda estão desaparecidas. Milhares de corpos foram enterrados em dezenas de valas comuns em Sinjar. Este ano, os restos mortais de vítimas do Daesh começaram a ser exumados por equipas da Organização das Nações Unidas. O processo de análise dos corpos permitirá identificar as vítimas, mas os especialistas forenses dizem que tem sido mais difícil porque os yazidis ainda estão deslocados e dispersos pelo Iraque e vários outros países e, por isso, não é fácil reunir as amostras de ADN necessárias. 

Destruição de Sinjar.
Foto: Faris Mishko/Yazda

A maioria da comunidade Yazidi continua deslocada, com centenas de milhares a viverem em campos de refugiados. À espera dos familiares que desapareceram, à espera de poder viver num lugar seguro, à espera da justiça pelos crimes de que foram vítimas. 

A derrota do Daesh pode ter sido anunciada, mas para a comunidade yazidi o sofrimento continua. 

FIM DA PRIMEIRA PARTE

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Esta reportagem foi escrita pela Marta Vidal, a partir do Curdistão Iraquiano e da Jordânia.

Na equipa de Lisboa, o Pedro Miguel Santos e Bernardo Afonso fizeram a edição. A Margarida David Cardoso fez a revisão.

A banda sonora que ouviste foi reorganizada e remisturada pelo Bernardo Afonso, usando as seguintes músicas:

– ‘Ay Shengal’, ‘Ecel Elinden’, ‘Sêva Sor’ e ‘Keskesor’ de Adir Jan;

– ‘Merjeme/Rasale’ de Bave Azad;

– ‘Galâvij’ de The Kamkars;

– ‘6 Beats’ e ‘Pontic Dance’ de Hossein Zahawy;

– ‘The Meeting’ de Matthaios Tsachouridis & Hossein Zahawy;

– ‘Studio Solo (Habibi’s Special Daf)’ de Masou Habibi;

– ‘Roboski’, ‘Mihemedo’, ‘Çiyayê Şengalê’, ‘Êş’ e ‘Gozel’ de Nîzamettîn Arîç.

Também ouvimos excertos de trabalhos jornalísticos da Al Jazeera, Euronews, CBS, Al-Iraqiya TV, New York Times.

Fazem ainda parte da equipa Fumaça: Ana Freitas, Frederico Raposo, Joana Batista, Maria Almeida, Ricardo Esteves Ribeiro, Mo Tafech, Sofia Rocha e Tomás Pinho.

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