Carlos Rato sobre violações de direitos humanos no sistema prisional

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Há praticamente quatro décadas que Carlos Rato intervém nas prisões portuguesas. Serviu como visitador prisional, falando com e dando companhia a pessoas reclusas. Esteve na fundação de uma casa de abrigo e transição, para apoiar quem sai da prisão no regresso à vida em liberdade. Já cumpriu ele próprio uma pena. E é hoje diretor da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), denunciando abusos perpetrados dentro de estabelecimentos prisionais. Neste excerto de uma entrevista mais longa – parte, igualmente, de uma investigação maior – denuncia o fracasso do projeto reabilitativo do sistema penal português, a violência exercida contra pessoas reclusas, e a falta de condições dignas de habitabilidade nas prisões nacionais.

A Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, questionada sobre as denúncias ouvidas na entrevista de agressões na sala 80 do Estabelecimento Prisional de Lisboa, e nas celas de pessoas reclusas, indica:

“Em resposta às acusações, proferidas em abstrato e como tal insuscetíveis de permitir identificar putativos casos,  autores e vítimas e, por decorrência, insuscetíveis de refutação factual, a DGRSP informa que tem tolerância zero para como qualquer caso de violência, tenha ele o autor que tiver. Ainda assim e no  que se refere às acusações que diz terem sido proferidas, sempre se informa que a chamada “sala / cela 80” é uma sala de espera que tem sistema de vídeo vigilância instalado, assim como também tem sistema de vídeo vigilância o corredor que lhe dá acesso.  Informa-se igualmente que o Estabelecimento Prisional de Lisboa não tem qualquer registo, quer feito por trabalhadores quer feito por reclusos,  relativamente ao relato de agressões  noturnas consumadas por guardas equipados de viseiras e bastões. Atenta a gravidade do que é relatado, esta Direção Geral toma a liberdade de sugerir ao autor das afirmações e/ou ao senhor jornalista que identifique as situações e respetivos autores junto Ministério Público com vista aos procedimento criminais competentes, dos quais também decorrerão os procedimentos disciplinares previstos em Lei.

Esta Direção Geral tem um Serviço de Auditoria e Inspeção (SAI) que é coordenado por magistrado do Ministério Público que desenvolve  atividade inspetiva e disciplinar. Atividade esta que pode ser iniciada tendo por base queixas apresentadas por reclusos e/ou pelas suas famílias, bem como por notícias veiculadas pela comunicação social ou, ainda, por iniciativa própria. Neste domínio, qualquer alegação de maus tratos dá sempre origem à abertura de um processo de averiguações e, se os factos configurarem crime, a participação ao Ministério Público para instauração de processo criminal. Deve, todavia ter-se presente que para a imputação de um ilícito disciplinar ou criminal a determinada pessoa não bastam meras alegações, sendo necessária prova segura e consistente quer dos factos quer da respetiva autoria, sem o que não poderá ser alcançada outra conclusão que não o arquivamento dos autos. Ainda a propósito de queixas, a DGRSP informa que está em vigor a Circular 9/2021 (Regulamento de Queixas e Requerimentos da População Reclusa) que, entre outras disposições, determina a existência, em cada Ala dos estabelecimentos prisionais,  de caixas fechadas dentro das quais os reclusos podem colocar, com toda a privacidade, as suas queixas.

De sublinhar ainda que os reclusos têm consagrado (art.º 68º – 4 do CEPMPL) e usufruem do direito a corresponder-se, sem qualquer controlo, com advogados, notários, solicitadores, entidades diplomáticas e consulares, órgãos de soberania, Provedoria de Justiça, Inspeção Geral de Justiça e Bastonário da Ordem dos Advogados. Os reclusos podem ainda telefonar, livre e gratuitamente, para um conjunto de números de telefone como sejam os da Linha Sida, Abraço, SOS Voz Amiga, Comissão para a Igualdade e para os Direitos da Mulheres, Provedoria da Justiça- Linha criança e Linha geral, SOS Emigrante, Linha Idoso, Linha Vida e Linha Cidadão com Deficiência e a APAR (associação de poio ao recluso).

Finalmente, no domínio da prevenção e do reforço da política de “tolerância zero” relativamente à prática de maus tratos foi ainda transmitida, através do Ofício circular nº 1/2016 de 5 de setembro, uma determinação para que todos os funcionários que se relacionam com reclusos exibam cartão de identificação com foto. Uma nota final para referir que, também para contribuir para a prevenção de maus tratos, se investiu significativamente na instalação de CCTV nos estabelecimentos prisionais e que  nos cursos de formação de guardas prisionais, são sempre incluídas disciplinas relativas à proteção dos direitos humanos, à multiculturalidade e a técnicas de comunicação interpessoal bem como de utilização de meios coercivos (“control and restraint techniques”). Sendo igualmente certo que nestes cursos de formação de guardas prisionais constam matérias respeitantes às Circulares e outras orientações existentes nestes Serviços, as quais incluem, naturalmente, a matéria relativa à formalização de queixas por parte dos reclusos.”

Se queres contar a tua experiência a trabalhar num estabelecimento prisional ou a cumprir uma pena de prisão, podes enviar email para [email protected], e também telefonar ou mandar mensagem ao (351) 913 396 762. Lê mais sobre a nossa investigação ao sistema prisional em https://fumaca.pt/prisoes.

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