Eleições Europeias 2019

João Mineiro, Riccardo Marchi e Thais Dornelles sobre populismos, nacionalismos e fascismos

Nos últimos anos, diferentes eventos políticos em países europeus, nos Estados Unidos e na América Latina foram sendo colocados dentro de um grande chapéu: o populismo. Do “sim” ao Brexit à eleição de Donald Trump e Jair Bolsonaro, ao crescimento da influência de partidos de extrema-direita um pouco por toda a Europa.

Vozes que se dizem antissistema exploram uma clivagem entre uma ideia de povo e uma ideia de elite. Apoiados no medo, canalizando frustrações e revoltas de quem se sente alheado da globalização, o inimigo varia: ora imigrantes, refugiados e minorias que “invadem” um lugar seguro, ora a corrupção que entorpece uma Democracia em que a elite política ou económica governa para si, em prejuízo de uma “maioria silenciosa” – um termo que Nixon cunhou em 1969.

Foi sobre estes discursos que falamos com o sociólogo João Mineiro, o historiador Riccardo Marchi e a ativista Thais Dornelles num debate no Festival Política, em Lisboa, a 27 de Abril.

Foto: Festival Política

O que é claro para Cas Mudde e Cristóbal Rovira Kaltwasser, autores do livro “Populismo: uma brevíssima introdução” (2017), é que o populismo, o autoritarismo e o nativismo (a ideia de que um território deve ser habitado exclusivamente pelos autóctones) gozam de uma “espécie de casamento de conveniência na Europa”. Vários partidos tradicionais têm vindo a aliar-se com extrema-direita para conseguir governar. É caso da Áustria, onde o partido conservador de Sebastian Kurz (ÖVP) se coligou, em 2017, com o Partido da Liberdade (FPÖ), de extrema-direita, fundado por antigos membros do aparelho nazi; da Itália, onde Giuseppe Conte tem como ministros Matteo Salvini, da Liga, e Luigi di Maio, do Movimento 5 Estrelas. E de Espanha, onde, regionalmente, o Vox apoia no Parlamento a coligação entre o Partido Popular e o Ciudadanos que governa a Andaluzia.

“A demagogia populista deixou de ser um exclusivo dos movimento protofascistas de hoje”, diz também Fernando Rosas, num ensaio publicado no livro “O Espectro dos Populismos” (2018). “A xenofobia, o racismo, a defesa subliminar do autoritarismo, o patrioteirismo nacionalista foram, em grande parte, apropriados pelos partidos neoliberais ou social-liberais. Na Holanda, na França, na Grã-Bretanha, na Hungria, na Polónia, em Itália, as fronteiras ideológicas entre o conservadorismo neoliberal e o discurso da extrema-direita é cada vez mais ténue.” Mas já houve um momento em que a União Europeia (UE) considerou que a existência de um partido de extrema-direita num governo de um Estado-membro não devia ser aceite. Em 2000, na Áustria, quando o partido de extrema-direita de Jörg Haider, do FPÖ, se coligou com o Governo conservador do chanceler Wolfgang Schüssel, do Partido Popular Austríaco, a UE impôs sanções diplomáticas a Viena.

Para João Mineiro, há um momento que ilustra a forma como vê a direita tradicional europeia apadrinhar um discurso autoritário extremista: o momento, à chegada de uma cimeira em Riga, capital da Letónia, em 2015, em que o presidente da Comissão Europeia, Jean Claude Juncker, cumprimenta o primeiro-ministro húngaro Viktor Órban com um “Olá, ditador”, rindo e fingindo dar-lhe um estalo na cara.
O que as estatísticas também mostram é que, além de rejeitar o atual sistema, há pessoas a sentir que a democracia já não funciona para elas. Segundo um inquérito do Pew Research Center, de 2017, cerca ou mais de um quarto dos inquiridos do Japão, Itália, Reino Unido, Israel, Hungria, Coreia do Sul e EUA defende a existência de um líder forte, que possa tomar decisões sem interferência do parlamento e dos tribunais. E embora a ideia de um regime militar seja relativamente impopular, 17% apoiam esta ideia em democracias estabelecidas como os EUA, Itália e França.

Subscreve a newsletter

Escrutinamos sistemas de opressão e desigualdades e temos muito que partilhar contigo.