Eleições Brasil 2018

Eric Nepomuceno: “Roubaram o país e agora não sabem o que fazer com ele”

O clima em que se viveu o último mandato presidencial e do Congresso adivinhava umas eleições brasileiras diferentes do habitual. A condenação e prisão de Lula da Silva, ex-presidente brasileiro, e de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara de Deputados, o impeachment (destituição) que levou ao afastamento de Dilma Rousseff do cargo de presidenta brasileira e toda a mediatização do caso Lava Jato, polarizaram a sociedade brasileira como não se via há muitos anos. O Índice de Perceção de Corrupção é dos mais elevados em todo o mundo e dos maiores nos últimos anos. Seria expectável, portanto, que a escolha para a mais alta figura política do país recaísse em gente fresca, diferente. Mas não. Os principais candidatos presidenciais às eleições gerais de dia 7 de outubro têm todos um longo passado na política.

Se Jair Bolsonaro, pela posição ultra-conservadora e autoritária, se distancia do establishment, o seu passado conta uma história diferente. Conhecido como “Trump brasileiro”, é deputado federal no Congresso brasileiro, eleito pelo Rio de Janeiro, desde 1991, há quase três décadas. Apesar de ter já sido membro de oito partidos diferentes é, neste momento, candidato pelo Partido Social Livre. Foi também militar durante a ditadura (e é hoje militar da reserva.) que ainda hoje defende (e recusa que tenha sido uma ditadura).

O deputado, que é homofóbico, defensor da tortura, nacionalista e xenófobo, racista, sofreu um atentado, no dia 6 de setembro, enquanto fazia campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais. Uma facada deixou-o internado desde esse dia e a previsão é de que não abandone o hospital a tempo da primeira volta. Desde essa altura, o crescimento nas sondagens tem sido significativo: subiu seis pontos percentuais em pouco menos de três semanas. Nas últimas pesquisas eleitorais, divulgadas ontem, dia 24, pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), tem 28% das intenções de voto.

Bolsonaro não pode falar à comunicação social, por estar a recuperar, mas o seu candidato a vice-presidente, General Hamilton Mourão, parece não conseguir ficar calado. Logo após o atentado disse: “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós”. No passado dia 13, defendeu que se aplicasse uma nova constituição, mas que ela deveria ser redigida por um grupo de notáveis: “Essa é a minha visão, a minha opinião (…) Uma constituição não precisa de ser feita pelos eleitos do povo”.

Ainda assim, quem mais tem crescido na opinião pública nas últimas semanas é Fernando Haddad que, a 12 dias das eleições, está isolado no segundo lugar das intenções de voto, com 22% das intenções de voto. O candidato pelo Partido dos Trabalhadores (PT) – partido que ganhou as últimas quatro eleições presidenciais, desde 2002, com Lula da Silva e com Dilma Rousseff – tinha menos de 5% no final de Agosto. Parece provar-se eficaz a estratégia do PT, que esperou até ao último dia do prazo de apresentação de candidaturas (11 de setembro) para anunciar o que parecia óbvio: Lula da Silva, ex-presidente brasileiro, preso há cerca de cinco meses e, até ter sido afastado, líder em todas as sondagens, não seria candidato. Desde essa altura, o PT adotou uma nova estratégia: dizer que #HaddadéLula.

Haddad não é novo na política. Foi Prefeito em São Paulo durante quatro anos, fez parte do Ministério do Planejamento de Lula da Silva, entre 2003 e 2004, e foi ainda Ministro da Educação, entre 2005 e 2012, no governo de Lula e no de Dilma. A sua candidatura é de “centro esquerda”, diz o próprio e, para muitos, é apenas uma continuação da política do PT. Ciro Gomes, candidato pelo Partido Democrático Trabalhista, acusou-o de, caso ganhasse, ser “presidente por procuração”.

Ciro está na política brasileira há mais de três décadas. Foi Prefeito de Fortaleza, Governador do Ceará, Ministro da Fazenda no governo de Itamar Franco, na década de noventa, Ministro da Integração Nacional, no governo de Lula, deputado Federal pelo Ceará e foi já candidato presidencial duas outras vezes, em 1998 e em 2002.

Tem no seu programa eleitoral o programa “Nome Limpo”, que pretende limpar o nome de mais de 60 milhões de brasileiros e brasileiras que têm o seu nome “sujo” no Serviço de Proteção ao Crédito, por não terem cumprido o pagamento de algum crédito. Promete reverter a Reforma Trabalhista, aprovada pelo atual governo, de Michel Temer, e apresentar uma outra que defenda os direitos dos trabalhadores, e promete aumentar impostos aos mais ricos e baixar às classes mais baixas, enquanto resolve o problema do défice do Brasil em 24 meses.

Por outro lado, a candidata a vice de Ciro Gomes, Kátia Abreu, foi membro do PMDB, partido de Michel Temer e um dos mais corruptos do Brasil, até ao ano passado. É contra o aborto, defende a facilitação do porte de armas e ganhou o prémio “Motosserra de ouro” da Greenpeace, em 2010. Kátia foi Senadora Federal por Tocantins, por duas vezes, incluindo no mandato que agora termina; Ministra da Agricultura no governo de Dilma, e presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil. Ciro Gomes está, neste momento, em terceiro lugar das intenções de voto, com 11% – menos 17 pontos que Bolsonaro e menos 11 que Haddad.

Em quarto lugar nas pesquisas do IBOPE está Geraldo Alckmin, candidato pelo PSDB e governador do estado de São Paulo. Alckmin é o típico político do sistema: foi Prefeito de Pindamonhangaba, deputado estadual em São Paulo, deputado Federal por São Paulo, vice-governador de São Paulo, presidente nacional do PSDB, e governador de São Paulo por duas vezes – primeiro, entre 2001 e 2006 e, depois, nos últimos oito anos. Ainda assim, Alckmin afirma, com convicção, que se candidata para fazer diferente: “o presidente Kennedy dizia que a mudança é a lei da vida. Nós temos que mudar. Mudar rápido. Sair desse marasmo”.

A ligação de Alckmin ao status quo político brasileiro não fica por aqui – são vários os casos de corrupção em que tem estado envolvido. Ainda no início deste mês, o Ministério Público do Estado de São Paulo pediu a cassação dos seus direitos políticos por ter sido acusado de ter recebido até 10 milhões de reais da empresa de construção Odebrecht na campanha eleitoral de 2014, com o objetivo de ocultar fraudes na construção de uma linha de metro na cidade. Mas pôde continuar a fazer campanha e ir a eleições, pois o processo judicial não está concluído.  Apesar dos meios de comunicação social brasileiros lhe chamarem “candidato do centrão”, por ser quem tem apoio de mais partidos com representação no Congresso – o DEM, PP, PR, PRB e SDD -, o governador de São Paulo é um liberal. No primeiro debate para as eleições presidenciais, na TV Bandeirantes, prometeu deixar caminho aberto para o mercado livre: “Sem aumentar impostos, reduzir a despesa para zerar o défice em menos de dois anos. Simplificação tributária. Simplificar, desburocratizar, destravar a economia (…) A minha proposta é abrir, desregulamentar (…) Numa economia de mercado, o Estado tem de garantir a competição”.

Em quinto lugar de todas as mais recentes pesquisas está Marina Silva, candidata pela Rede Sustentabilidade, com 5% das intenções de voto. Em Junho, tinha cerca de 15%. Desde essa data, foi sempre a descer. Na altura, disse que venceria se fosse “da vontade de Deus e do povo brasileiro”. É evangélica e faz várias pregações. É a favor da escola para toda a gente, incluindo creches, defende investimentos na economia verde e nas energias renováveis, a renovação do Sistema Único de Saúde, e é contra a legalização do aborto. Marina foi candidata à presidência em 2010 e em 2014, depois de, enquanto era candidata a vice-presidente, o candidato a Presidente, Eduardo Campos, ter morrido num trágico acidente de avião em plena campanha.

Esta semana, conversámos com Eric Nepomuceno, desde o Rio de Janeiro. O jornalista, escritor e tradutor de escritores como Gabriel García Márquez ou Eduardo Galeano, analisou as principais candidaturas à presidência nestas eleições gerais. Aos 70 anos, depois de ter vivido a ditadura brasileira, diz que “a situação (no Brasil) é muito próxima a um Estado de exceção”. Ouve aqui esta entrevista.

Fotografias: Paula Johas (site) e JPN/Lara Lopes (redes sociais)

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