A revolta dos apanhadores de laranjas

Faz hoje uma semana que se iniciou no Algarve uma greve de trabalhadores agrícolas imigrantes, sobretudo homens, que se recusam, entre outras atividades, a apanhar dos pomares a famosa “Laranja do Algarve”.

Os protestos têm como alvo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portimão, que os imigrantes acusam de desrespeitar os seus direitos legais. Em causa está o facto de o SEF rejeitar pedidos de autorização de residência aos imigrantes que já reúnem as condições para tal, alegando que as empresas para as quais trabalham têm dívidas à Segurança Social.

Singh, líder improvisado da rebelião, é só mais um caso. No passado 29 de Março deslocou-se ao SEF de Portimão para uma reunião previamente agendada. Levava consigo 26 meses de descontos para a Segurança Social. Juntava ainda o comprovativo de entrada legal em Portugal e um contrato com a empresa para quem trabalha, cujo nome não revelou. Tudo tinha, achava ele, para poder dar mais um passo em frente na longa viagem até conseguir a autorização de residência, ao abrigo do artigo 88º, 2 da Lei 23/2007, conhecida como “Lei de Estrangeiros”.

“Apanhar laranjas é um trabalho muito difícil. Quando estou a almoçar, o meu patrão diz que só me posso sentar 10 ou 20 minutos”, contou-nos Singh, por telefone, enquanto arranhava a língua inglesa. “A empresa não paga a comida nem paga o salário certo que está no contrato”.

Custosa é também a relação do seu patrão com o Estado. E essa situação afeta-o diretamente. Chegado ao SEF, foi-lhe dito que o processo de aquisição de autorização de residência seria rejeitado por trabalhar para uma empresa não aceite por eles, explica Timóteo Macedo, presidente da Associação Solidariedade Imigrante, com sede em Lisboa.

“Muitas vezes, quando as pessoas vêm aqui [à nossa sede], dizem: ‘no SEF disseram-me que não me legalizam porque esta empresa onde eu estou a trabalhar é uma empresa que tem dívidas para a segurança social’.”

Timóteo Macedo denuncia a existência de uma “lista negra” de empresas, não oficial, no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a cujos trabalhadores é recusada a concessão de autorização de residência, mesmo tendo estes toda a documentação necessária para a conseguir, invocando o artigo 88º nº2 da lei 23/2007.

O SEF, contactado pelo É Apenas Fumaça, disse ter “conhecimento de empresas que não cumprem a obrigação legal de regularização perante a Segurança Social, circunstância suscetível de colidir com um dos requisitos para a concessão de Autorização de Residência, tendo-se verificado a ocorrência dessas circunstâncias com empresas de prestação de serviços.” não existindo uma lista, sendo os casos “sempre verificados individualmente e não apenas por empresa.”

[Podem ler AQUI a resposta completa dada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras].

Contudo, o dirigente da Solidariedade Imigrante revela o nome de alguns negócios na suposta “lista negra” das dívidas ao Estado, todos empresas unipessoais: Páginas D’Outono – Unipessoal Lda., a Atalho Mágico – Unipessoal Lda., a Grinaldoásis – Unipessoal Lda., a Ideias de Outuno – Unipessoal Lda., a Regular Formula – Unipessoal Lda., e a Servifruta – Unipessoal Lda.

Timóteo tem acompanhado a situação dos trabalhadores e acusa a multinacional Randstad Recursos Humanos S.A. por servir de “Intermediária com outras empresas que trabalham na agricultura e com alguns patrões e latifundiários”. “São empresas que essencialmente fomentam um trabalho precário a todos os níveis. Não só a nível de contratação, [mas também de] condições de trabalho, salários baixos, e trabalhar horas sem fim, de sol a sol”.

“Se a culpa é das empresas, apanhem o patrão. Porque é que apanham os trabalhadores? Os trabalhadores pagam segurança social, tudo. A culpa não é dos trabalhadores, é das empresas.”, disse-nos o Singh.

O É Apenas Fumaça contactou todas as empresas mencionadas, bem como o Ministério da Administração Interna e a Câmara Municipal de Portimão, pedindo um comentário, mas não obteve resposta até à data da publicação.
Daremos conta dos comentários e reações dos visados, mal no façam chegar os seus esclarecimentos.

Nota: Foi alterada, no texto, a denominação do estatuto jurídico das empresas listadas, “empresários em nome individual” para “empresas unipessoais”. No dia 6 de Abril pelas 14h18. Foi alterado, no texto, o nome de uma das empresas de “Ideias de Outuno – Unipessoal Lda.” para “Ideias de Outono – Unipessoal Lda.”. No dia 6 de Abril pelas 16h20.

Fotografia: http://bolsadovoluntariado.pt/

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