“A bicicleta tombou”, por Rafaela Cortez

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Não tenho qualquer tipo de experiência nas complexidades da diplomacia internacional ou nos mecanismos de processos burocráticos estatais. Nunca participei em simulações da Organização das Nações Unidas (ONU), nem escrevi relatórios trimestrais de atividade ou pertenci a qualquer organização que tivesse uma estrutura minimamente formal. Diria, no entanto, que é um péssimo sinal para o sucesso de um acordo multilateral que os envolvidos no processo o descrevam “como uma bicicleta”, como disse um oficial americano, em anónimo, a Anne Le More, citado no livro International Assistance To The Palestinians After Oslo: Political Guilt, Wasted Money. “Mesmo que pedalasses devagar, tinhas de avançar. Caso contrário, tombavas.” Ou como um membro da Comissão Europeia, também anónimo, que alertou para o perigo de se criticar o processo, “correndo o risco de o perturbar”. Mas a bicicleta tombou de qualquer das formas.

Na próxima quarta-feira assinalam-se 30 anos desde que o Jardim Sul da Casa Branca dos Estados Unidos da América foi palco da cerimónia histórica onde Bill Clinton, o então presidente, Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Mahmoud Abbas, também da OLP, Yitzhak Rabin, primeiro-ministro do Estado de Israel, e Shimon Peres, ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado de Israel, se juntaram para assinar a “Declaração de Princípios sobre os acordos de Auto-governação Interina”, o primeiro documento de um processo que seria conhecido como os Acordos de Oslo.

Cerimónia da assinatura da Declaração de Princípios sobre os acordos de Auto-governação Interina, 13 de setembro de 1993 (fonte)

O momento, selado com um aperto de mão que provocou uma ovação em pé e encheu manchetes um pouco por todo o mundo, marcava o início de um período provisório de cinco anos onde se criariam as estruturas para um acordo final que trouxesse paz na região. Foram estes acordos em 1993 que, entre outras medidas, propuseram a criação de uma entidade governativa interina para a Palestina — a Autoridade Palestiniana —, a retirada do Estado de Israel da Faixa de Gaza e de Jericó, e a divisão da Cisjordânia em três áreas distintas.

Mas, na verdade, não estou aqui para te contar a história dos Acordos — como foram negociados, em segredo, na capital norueguesa, como foram recebidos dos vários lados, ou porque é que falharam. Primeiro, porque muitos já o fizeram antes — incluindo aqui, na redação, na série Palestina, histórias de um país ocupado. E, segundo, porque quero falar-te menos das negociações diplomáticas e mais, pondo as coisas nestes termos, no dinheiro que isso fez circular. Atenção: ninguém pensou que a paz surgiria sozinha. Como se de uma startup se tratasse, era preciso financiar o processo. 

Duas semanas após ser assinada a declaração de princípios, realizou-se em Washington D.C. a primeira conferência de doadores: 46 países e agências comprometeram-se a doar mais de 2 mil milhões de dólares no período de cinco anos para “apoiar o histórico avanço político no Médio Oriente”, “promover a reconstrução e desenvolvimento na Cisjordânia e em Gaza” e “fortalecer a capacidade da população palestiniana para organizar e gerir os seus próprios assuntos políticos, económicos e sociais”. 

Escusado será dizer que o plano saiu furado. No fim desses provisórios cinco anos, por vários motivos, os Acordos — que muitos, entre os quais o autor e académico palestiniano Edward Said, diziam estar já condenados à partida —, para todos os efeitos, expiraram. Já o dinheiro, esse, não pára de fluir. Ninguém está disposto a largar a ideia, seja pelo otimismo que se gerou no início, porque é discutivelmente a ocupação mais mediática da nossa geração, ou porque já se investiu demasiado tempo, energia e dinheiro para agora se admitir que não resultou. Tornou-se demasiado grande para falhar. O modelo de ajuda internacional à Palestina foi construído em cima de um processo de paz quebrado onde, descreve o investigador palestiniano Alaa Tartir, “os EUA decidem, o Banco Mundial lidera, a União Europeia paga, a ONU alimenta, Israel destrói e os palestinianos esperam”. 

Nas últimas três décadas, criaram-se milhares de organizações não-governamentais, e governos e instituições internacionais despejaram mais de 45 mil milhões de dólares em programas de ajuda ao desenvolvimento da região (os últimos dados são de 2021). No entanto, não se criou qualquer tipo de paz, nem tão pouco se chegou mais perto da autodeterminação. Para onde foi o dinheiro? O que é que realmente se alcançou? E estaremos, aqui no Ocidente, a subsidiar a ocupação?

É com estas perguntas que me tenho ocupado no último ano e meio, desde que, enquanto jornalista freelancer, comecei a trabalhar com o Fumaça sobre a Palestina. Espalhados em várias — demasiadas, talvez — abas no meu computador, estão as várias transcrições, documentos e dados que vão construir o primeiro episódio do que será uma minissérie do sobre a ajuda ao desenvolvimento na Palestina. Até agora, fizemos:

  • 3 viagens: uma ao Líbano, duas à Palestina 
  • +40 entrevistas;
  • +38 horas de gravação.

Em breve, teremos mais novidades sobre esta investigação. Até lá, podes consultar esta página para acompanhar o nosso progresso.

Até já,
Rafaela Cortez

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