Segurança Privada: Exército de Precários (5/8)

Peixinhos

Este é o quinto episódio da série “Exército de Precários”. As pessoas da Comunidade Fumaça já podem ouvir o sexto episódio e, ainda, um conjunto de entrevistas extra, exclusivas, com algumas das personagens centrais da história. Se também queres ter acesso, faz uma contribuição recorrente aqui.

Esta reportagem foi escrita, produzida e editada para ser ouvida com auscultadores ou auriculares. O que se segue abaixo é a transcrição integral de toda a peça áudio.

Introdução

Vídeo promocional ASSP: Somos colaboradores de um sindicato que nunca se dá por vencido, com objetivos definidos e metas traçadas para beneficiar todos os profissionais da segurança privada. 

Até 2019, quando pensava juntar-se a um sindicato um segurança privado tinha cinco opções principais: a FETESE, a FECTRANS, o CESP, o SITAVA e o maior de todos o STAD. Mas nenhum representava em exclusivo os vigilantes. A 15 de março de 2019, isso mudou.

Vídeo promocional ASSP: Somos profissionais dedicados em representação de um setor que ajuda todo o país. 

Com Rui Brito da Silva à cabeça, um grupo de seguranças criou o primeiro sindicato exclusivo do setor, em Portugal.

Vídeo promocional ASSP: Somos do diálogo como primeira linha de resolução dos problemas. Somos a linha da diferença entre o barulho de megafones e a resolução passiva de todos os problemas. 

A estrutura abanou o setor. O que fariam no seu primeiro ano de existência mudaria a vida de centenas de pessoas. Nos fóruns de Facebook, nos formulários do sindicato, os dirigentes faziam contas a milhares de possíveis sócios.

Vídeo promocional ASSP: Em um ano e meio atingimos mais de meio milhão de visitas no nosso site, mais de 27 mil e 500 visitas por mês, 920 visitas por dia. Muito obrigado pela confiança. Viemos para ficar, por si, por todos nós. Somos ASSP!

A Associação Sindical da Segurança Privada – ASSP, como uns lhe chamam, A.S.S.P., como dizem outros – lançou este vídeo de apresentação, a 21 de junho de 2019. Umas semanas depois tornou-se num dos primeiros grupos a falar com o Fumaça para esta investigação. Os sindicalistas disponibilizaram horas para nos introduzir ao setor, lançar palavras de ordem, estabelecer ao que vinham e moldar a história que íamos contar.

Foi Débora Ferro, vogal, coordenadora deste vídeo promocional e faz tudo da ASSP, que veio falar connosco, em julho de 2019.

Débora Ferro: Todas as pessoas que trabalham na ASSP são todos vigilantes. Nenhum deles é proprietário de empresas. Nenhum deles é diretor de seja o que for. Neste momento…

Perdemos o ficheiro original da entrevista. Estamos a ouvir um backup. Mas é este o espírito da ASSP pela boca dos próprios. São outsiders, contrapoder. Mexem com o status quo. Entram no sindicalismo para se focar nos vigilantes.

André Inácio, um dos primeiros delegados sindicais da ASSP e autor do texto do vídeo promocional.

André Inácio: O desafio era fazer parte da voz ativa para defender os vigilantes e não ser mais uma voz para distorcer tudo o que é feito. Eu poderia ser a solução, ou parte da solução, para os problemas da vigilância em Portugal.

Num setor sem sindicatos dedicados e com problemas estruturais únicos em Portugal, a ASSP diz querer fazer os patrões respeitar de novo os seguranças.

Guilherme Nunes, um dos primeiros membros do Departamento de Parceiras da ASSP.

Guilherme Nunes: Eu acredito no projeto. E, como eu vos disse, eu acredito num sindicato que tenha a base da luta laboral e a parte do social.

A ASSP tem tudo para dar certo. Era isto que nos garantiam, em 2019.

Débora Ferro: O STAD está agregado à CGTP. Não percebemos por que é que em 30 anos nunca foi feito nada.

Guilherme Nunes: Na parte da segurança privada, havia apenas um sindicato – tinha o monopólio.

Rui Brito da Silva: O STAD, ao longo destes anos, parecia não ter a atividade que está a ter agora.

Débora Ferro: E é daí que vem a nossa revolta. 

Guilherme Nunes: Tem de haver outro sindicato com ideias diferentes ou, pelo menos, que tente avançar com coisas que o outro sindicato não avançou. 

Rui Brito da Silva: O que nós queríamos era fazer aquilo que nunca houve na história da segurança privada:  um sindicato único da segurança.

André Inácio: Este sindicato tem tudo para ir para a frente, a ASSP.

Quando falou connosco, a ASSP já tinha deixado a sua marca no setor: tinha um contrato coletivo de trabalho com a AESIRF publicado há um mês, uma das duas associações empresariais da segurança. O primeiro, em décadas, a contrariar a visão do STAD para o setor, que há anos dominava o sindicalismo na vigilância.

O projeto de Rui Brito da Silva anunciou ao mundo que tinha dois mil associados, em quatro meses. A este ritmo, seria o maior sindicato do setor num piscar de olhos. O Contrato que assinaram mudaria a vida de milhares de pessoas.

E seis meses depois desta entrevista, isto: 

Débora Ferro: Eu, Débora Ferro, que vocês conhecem muito bem, não admito que venham questionar a equipa que tem feito tudo para que isto ande para a frente. Porque não adianta pôr umas assinaturas num papel e dizer que no organograma se é alguma coisa quando depois na prática não se faz ponta de corno. Não admito. E se algum dos delegados sindicais sair, garanto-vos que a equipa sai. E se a equipa sair, o departamento jurídico cai. Sabem porquê? Porque é constituído por mim e por um delegado sindical, André Inácio. E quem mais é que se está a mexer? Ninguém. Se os delegados sindicais saírem, o departamento de protocolos cai. Sabem porquê? Porque é constituído por mim e pelo Guilherme Nunes. Quem mais é que está a mexer-se? Ninguém. Se os delegados sindicais saírem, o departamento de respostas da ASSP cai. Sabem porquê? Porque é constituído por delegados sindicais. E não há nenhum elemento da direção a dar respostas. Portanto, não vos dou autoridade para questionarem nada. Querem falar, falem comigo. Batam de frente comigo. Não vos atrevam a questionar o trabalho de quem tem feito tudo para que vocês possam ter um poleiro. E se não estão satisfeitos digam. A minha carta de demissão será acompanhada por muitas outras. Até breve.

Este é o quinto episódio da série Exército de Precários. Peixinhos.

Seja toda a gente bem vinda ao Fumaça. Eu sou o Nuno Viegas.

Parte I – Se

Muito antes de fundar a ASSP Rui Brito da Silva criou, em 2007, a ANV ou Associação Nacional de Vigilantes. Era um grupo socioprofissional para ter eventos e partilhar informações. O projeto morreu e outra pessoa, Fábio Miranda, criou, em 2010, a AVP ou Associação de Vigilantes de Portugal, que também morreu. Projetos voluntários tendem a acabar.

Anos depois, em 2017, Rui Brito da Silva e Fábio Miranda juntaram-se para tentar outra vez. Em dezembro desse ano, formaram a primeira encarnação da Associação Sócio Profissional da Segurança Privada que, sim, tem exatamente a mesma sigla que a ASSP. Mas ainda não era um sindicato, de todo. Tinha o mesmo poder que a ANV e a AVP: podia organizar colóquios, fazer reuniões, ser consultada em estudos… Em resumo, era apenas um grupo de vigilantes. Se quisesse ter poder a sério – para convocar greves, negociar instrumentos de contratação, intervir em despedimentos coletivos – tinha de se tornar num sindicato. E foi isso que fez.

Rui Brito da Silva: Desde ontem, a segurança privada fez história. Fizemos ontem, então, o ato oficial de escritura de associação sindical.

A ideia surgiu no verão de 2018. Os estatutos foram aprovados em fevereiro de 2019. E, em março, a ASSP-associação transformou-se, formalmente, na ASSP-sindicato com Rui Brito da Silva como presidente e Fábio Miranda como vice. 

Débora Ferro: O Rui Brito da Silva é um profissional da segurança privada que tem alguma experiência. Muito bem falante, muito educado, uma pessoa com uma capacidade de dizer aquilo que tu queres ouvir e aquilo que tu precisas ouvir naquele momento. É um apaziguador.

Esta é Débora Ferro, em maio de 2020, quatro meses depois de se demitir como vogal da direção (com a mensagem de voz que ouvimos há pouco) e menos de um ano depois da primeira entrevista que nos deu, a que ouvimos no início.

Débora Ferro: Ele é um apaziguador. Ele quer que toda a gente se dê bem. Ele quer agradar a toda a gente. Por isso é que depois cria problemas sem querer. Ele não faz as coisas no sentido da maldade, ok? O que ele faz é:  quando vê que a coisa está a tornar-se complicada, faz pior [do] que as avestruzes. As avestruzes enfiam a cabeça na areia, ele enfia-se todo. E foge, desaparece completamente do mapa e torna-se completamente incontactável. E alguém há-de resolver. ‘Quando isto tudo passar eu apareço’. Mas foi ele que criou os problemas.

Débora Ferro conheceu Rui Brito da Silva online, em grupos onde seguranças privados pediam ajuda e partilhavam conselhos. É uma mulher ríspida, de palavrões frequentes e opiniões extremadas. Está desempregada há algum tempo. E esteve na ASSP desde o início. Entrou como vogal, diz que para fazer número, mas começou a acumular funções, a atender telefones, a coordenar equipas.

Até a ASSP se meter no meio, parecia dar-se realmente bem com Rui Brito da Silva. Ajudavam-se mutuamente, falavam muito, confiavam um no outro. Isso desapareceu tudo no espaço de um ano.

Antes de explicarmos a implosão da ASSP devemos deixar uma coisa clara: há muitas pessoas a acusar Rui Brito da Silva de uma série de coisas. Vamos deixar essas pessoas falar e analisar as provas documentais. Depois, vamos ouvir as respostas de Rui Brito da Silva. Não há suspense sobre isto. O presidente da ASSP aceitou dar-nos uma entrevista assim que lhe telefonámos e respondeu a todas as nossas perguntas. Isto não é uma busca de meses, como a do último episódio.

Com isto dito, vamos dar um passo atrás. Havia problemas de organização interna na ASSP quando, em março de 2019, começaram a negociar um Contrato Coletivo de Trabalho com a AESIRF. O documento, publicado em julho desse ano, era em quase tudo idêntico ao que o STAD, o maior sindicato do setor, e a AES, a outra associação empresarial da vigilância, tinham negociado, no início do ano. Havia uma diferença relevante: a ASSP e a AESIRF concordavam que quando um contrato muda de mãos na segurança privada, não há transmissão de estabelecimento, os seguranças não têm direito a permanecer nos postos, a manter os direitos adquiridos.

É este documento que as empresas usam como justificação para deixar centenas de seguranças num limbo legal sempre que há um concurso público. E é a existência deste acordo que gera a acusação de que falámos no último episódio: de que Rui Brito da Silva, que trabalha como segurança para o Grupo 8, fundou a ASSP por ordem do dono do Grupo 8, José Morgado Ribeiro, o presidente da AESIRF. Que a AESIRF criou a ASSP. Voltaremos a isto mais à frente.

Até o contrato ser assinado, havia microfraturas na ASSP. Depois, enquanto se acumulavam as transmissões falhadas nas estações de comboios de Paulo Guimarães; nos Tribunais de Isilda Santos; e no Ministério do Trabalho, de Sofia Figueiredo, a rotura tornou-se substancial. Débora Ferro, Rui Brito da Silva e o resto da direção estavam a tentar perceber como dirigir um sindicato criado de raiz, sem terem passado pela direção de qualquer outra estrutura sindical. A ASSP é uma operação pequena. À direção, juntam-se uns poucos delegados sindicais, os representantes da ASSP espalhados pelo país. Vigilantes rasos, inscritos no sindicato e responsáveis pelo contacto direto com os seguranças privados, pelo recrutamento de outros membros e, na ASSP, por muitas das funções de secretariado, estabelecimento de parcerias, resposta a processos judiciais e gestão de redes sociais. A direção da ASSP estava a estrear-se no sindicalismo.

E isso, foi o primeiro problema: eram completamente amadores. Durante duas horas, após se demitir, Débora Ferro debitou caso, após caso, após caso, em que algo pequeno falhava e tinha consequências descomunais.

Desconheciam as leis, preenchiam mal documentos, mentiam sobre o estado do sindicato, deixavam bocas mútuas nas redes sociais. A ASSP, já de si pequena, sofreu o mesmo destino que as associações que lhe deram origem: os voluntários foram-se afastando. O vice-presidente, Fábio Miranda deixou quase por completo a segurança privada para gerir uma empresa de transporte de passageiros, a Fantastic Winners. É uma empresa de Ubers.

Para o grosso da atividade do sindicato, ficaram os delegados, Rui Brito da Silva e Débora Ferro.

Débora Ferro: É uma gestão muito forte que tu tens que fazer, a nível emocional. E é muito desgastante. E eu cheguei a um ponto em que eu disse ao Rui: “Rui, eu sozinha não aguento. Tu tens que fazer alguma coisa. Epá, o sindicato não és só tu e eu. Ou isto é um projeto para todos levarmos para a frente e cada um faz aquilo que pode ou então as coisas não vão correr bem”. E eu disse ao Rui Brito da Silva, numa famosa gravação, que todos os delegados sindicais adoraram: “Ó Rui, quando muito, eu sou um daqueles polvos pequeninos, australianos, o polvo anelado, que são pequeninos mas são extremamente venenosos. Porque eu recuso-me a ser um peixe num tanque de tubarões”. E foi nessa gravação que eu disse ao Rui: “Aduba-me esses tomates e faz-te um presidente de um sindicato. O que é que tu fizeste até agora? Quantos processos é que demos de entrada? Zero”.

As referências marítimas têm um contexto. Débora Ferro garante que um representante da AESIRF disse, durante as negociações do Contrato Coletivo de Trabalho, que a ASSP era só um peixinho num tanque de tubarões. É uma imagem forte, que se foi usando na ASSP mas carece de algum rasto documental.

Já a gravação, de que acabou de falar Débora Ferro, numa linguagem colorida, é uma faceta particularmente estranha da ASSP e de que temos abundantes provas. Toda a gente gravava todas as chamadas telefónicas entre membros do sindicato. Dos dois lados, sem autorização.

Estas conversas que chegavam a ter quase uma hora eram partilhadas em vários grupos de WhatsApp, uns mais restritos do que outros, dentro do sindicato. Os delegados e os dirigentes guardam as mensagens, os emails e até as entrevistas que dão.

A ASSP é dominada por um espírito de paranóia, em parte, justificada. Porque as fintas verbais e os enganos se estendem por toda a vida do sindicato. Mas quanto mais tempo passamos a ouvir as queixas mútuas dos membros, mais isto soa tudo a um drama de escola.

A ASSP foi destruída em igual parte por falhas graves na sua atividade sindical e por uma acumulação, sinceramente infantil, de desavenças minúsculas. Pelo menos nesta segunda parte, é o tipo de desastre que parecia fácil de evitar com um telefonema. Um que ninguém estivesse a gravar para juntar provas.

Vamos a um caso que mostra tudo isto: as mentiras, graves, o amadorismo, claro, e o virar de costas. Um caso em que enganaram, por uns meses, também o Fumaça: o número de associados.

Em junho de 2019, na primeira entrevista, Débora Ferro disse-nos que eram suficientes para o sindicato continuar a trabalhar. Evitou falar em números específicos, porque disse-nos um ano depois, não os tinha.

Débora Ferro: Nunca soube o número total de associados. Sempre foi omitida essa informação, tanto a mim, como aos delegados sindicais, como aos restantes órgãos sociais. Essa informação foi sempre do único e exclusivo conhecimento do Rui e, talvez, de mais uma ou duas pessoas da confiança dele. Dos gráficos que o Rui nos mandou – a mim e à equipa de delegados sindicais quando nós lhe fizemos um ultimato, porque nós queríamos saber o exponencial de crescimento do trabalho dos delegados sindicais – epá, mas, na altura, tínhamos à volta de uns cento e tal, cento e tal, 200 associados.
Nuno Viegas: Mas isso é…
Débora Ferro: Pouquíssimo.

Outros dirigentes do sindicato dão o mesmo valor: 100 a 200 associados, em março de 2019. Há 45 mil seguranças em Portugal. A ASSP assinou um Contrato Coletivo de Trabalho sem representar sequer perto de 1% dos seguranças portugueses. Teve uma influência absolutamente desproporcional. Mas não era isso que o sindicato dizia publicamente.

Guilherme Nunes era delegado sindical e estava no departamento de parcerias com Débora Ferro. Isto quer dizer que tinha com falar com marcas e empresas fora da segurança privada para negociar benefícios e descontos para os membros do sindicato. É uma prática comum. Mas quando ia falar com estes parceiros não lhes conseguia dizer quão grande era o sindicato com que estavam a fechar acordos.

Guilherme Nunes: Eu nunca soube quantos associados a ASSP tinha.
Nuno Viegas: Nunca lhe disseram quantos é que tinha?
Guilherme Nunes: Não.
Ricardo Esteves Ribeiro: Então, mas nunca perguntou?
Pedro Miguel Santos: Mas como é que conseguia – sei lá – negociar com eles?
Guilherme Nunes: É assim, nós perguntar, perguntávamos. Mas havia sempre a resposta: “Ai, há os pagantes. Queres saber os pagantes ou não pagantes? Ai, nós ainda não conseguimos porque há sempre um problema informático ou porque desta vez não podemos dizer, porque houve empresas que não descontaram, portanto não pode, contabilisticamente, ser considerado associado”. Ou seja, havia sempre desculpas. Eu, sinceramente, não sei quantos associados tem a ASSP. 

Guilherme Nunes garante que nunca disse a ninguém quantos associados tinha a ASSP. Já Débora Ferro, admite que chegou a mentir.

Débora Ferro: O responsável pelo departamento de protocolos tinha reuniões com entidades que pudessem ser nossas parceiras. E o Rui…
Ricardo Esteves Ribeiro: Tipo o quê? 
Débora Ferro: Tipo quê? Tipo a MEO. Cheguei a reunir com representantes da MEO, cheguei a reunir com representantes da Vodafone. Reuni com representantes do Hospital da Cruz Vermelha. Com uma data de gente. Nessas reuniões, como eu nunca sabia o número de associados concreto, porque nunca soube – ainda hoje não sei – o Rui dizia-me sempre: “Opá, dizes que temos aí à volta de dois mil”. “Hã? Tantos?”. “Pá, eles não precisam de saber”. “Ó Rui, nem eu sei.” “Está bem. Eu depois mando-te isso”. Nunca me mandou. Nunca me mandou.
Ricardo Esteves Ribeiro: Portanto, tu acabaste por dizer a várias pessoas um número que não era verdade. 
Débora Ferro: Um número fictício. Fictício
Ricardo Esteves Ribeiro: Antes de saberes desse tal gráfico. 
Débora Ferro: Exatamente. Depois de saber isto eu disse ao Rui: “Nunca mais me peças para mentir a alguém em nome seja do que for”. 

Em público, a ASSP tinha dois mil associados. Na realidade, seriam cerca de 10 vezes menos. O STAD, o maior sindicato do setor, tem seis mil seguranças privados inscritos. Números do próprio sindicato.

E, de acordo com o que nos admitem agora os dirigentes, em maio de 2020, a ASSP tinha o mesmo número de associados a pagar quotas do que no mês em que foi criada, um ano antes, 150  a 200 pessoas.

E o crescimento inexistente pode explicar-se por vários fatores. Mas olhemos para um bastante claro: o funcionamento dos Serviços de Ação Jurídica.

Eis como deviam agir: Quando um trabalhador sindicalizado tem problemas laborais porque lhe pagam mal as horas extraordinárias, por exemplo, regra geral, vira-se para o sindicato. Em qualquer setor, os sindicatos ajudam os trabalhadores a reclamar o cumprimento de contratos e o respeito pelos direitos adquiridos junto dos patrões.

Quando é caso disso, há provas de incumprimento e as empresas não cedem, os sindicatos arcam com os custos de instaurar um processo judicial. Têm advogados e equipas especializadas que guiam os associados em cada passo do processo.

Mas a ASSP tinha pouco dinheiro, poucos conhecimentos e pouca experiência. Portanto, até a encontrar advogados teve dificuldades. A ASSP foi contratando advogados pelo país, pontualmente, através de avenças. Mas nunca foram suficientes. E os processos foram-se acumulando, ficando na gaveta, seguindo um critério que ninguém nos consegue explicar.

Guilherme Nunes, antigo delegado sindical da ASSP.

Nuno Viegas: Então, os processos não avançavam porque não havia advogados?
Guilherme Nunes: Não. Foram, foram… Conseguiu-se… O André Inácio e a Débora conseguiram, pelo menos, que eu conheça, dois: um que está a defender a mim. Mas muitos dos processos não avançavam porque, na minha opinião, eram inquinados por quem de direito. 
Ricardo Esteves Ribeiro: Como assim?
Guilherme Nunes: Nesse caso, quem decide, e quem era o último a decidir.
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas inquinados, como assim?
Guilherme Nunes: Inquinados. Eram esquecidos, eram postos na gaveta, ficavam…
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas deliberadamente?
Guilherme Nunes: Eu não sei se é deliberadamente, se é por esquecimento, se é por incúria, se é por incompetência. Não sei.
Pedro Miguel Santos: Mas como é que era feita a divisão do trabalho entre vocês dentro do sindicato? Porque dá a sensação [de] que ficava tudo nas mãos do presidente ou ele é tinha a última palavra sobre tudo. Vocês não dividiam trabalho?
Guilherme Nunes: Ele tinha sempre a última palavra para se o processo ia para tribunal ou não. O presidente tinha sempre a última palavra.
Nuno Viegas: Mas conhece casos de associados que queriam ir ao advogado e o presidente não autorizou?
Guilherme Nunes: Eu conheço um caso, em p
articular, de um caso que envolveu falsificação de assinaturas, em que o associado queria ir para a frente com o processo e o senhor Rui Brito da Silva simplesmente ligou para a empresa e aceitou a explicação da empresa. 

Nunca conseguimos verificar esta história com o associado em específico. Cancelou a entrevista que tínhamos marcado. Mas várias pessoas ligadas à ASSP contam o caso da mesma forma.

Uma empresa de segurança privada falsificou a assinatura de um vigilante que já não trabalhava para eles. Usaram o nome do segurança para preencher uma escala ilegal, fingir que tinham mais pessoas num posto do que estavam lá na realidade.

A empresa foi apanhada, e o segurança privado levou o caso à ASSP, para levar o antigo patrão a tribunal. Mas o processo ficou na gaveta, nunca foi entregue a um advogado e, eventualmente, passou o prazo para apresentar uma queixa na polícia. Pelo que todos dizem, o caso prescreveu em dezembro de 2019 antes de o sindicato fazer fosse o que fosse e enquanto diziam ao associado que se estava tudo a resolver.

E, claramente, o problema não foi só neste caso. A ASSP não anda com azar.

Num ano de transmissões de estabelecimento falhadas e num setor repleto de abusos, a ASSP, ao longo do primeiro ano de existência, até maio de 2020, levou quatro processos a tribunal.

Pelas contas dos próprios, no mesmo período, fizeram em nomes dos seus sócios, 10 queixas à Autoridade para as Condições do Trabalho e nas instituições regionais equivalentes.

Parte II – Fantasmas

Em janeiro de 2020, era este o estado da ASSP: os delegados sindicais estavam cansados, fartos de dar a cara por uma organização pouco transparente. A direção estava alheada, com pouco interesse em mudar alguma coisa. As queixas dos associados contra os patrões acumulavam-se sem intervenção clara do sindicato. E o próprio número de associados com quotas pagas era minúsculo.

Tocamos em casos concretos, aparentemente pequenos, mas as queixas que ouvimos sobre o dia-a-dia da ASSP são sempre as mesmas: o sindicato não existe, não se mexe, não está lá. Não há estrutura, experiência, nem conhecimento para responder a dúvidas, resolver problemas, negociar com empresas ou influenciar políticas.

No centro de tudo há duas pessoas. Rui Brito da Silva, o presidente, que gosta de agradar, que tenta, há anos, estabelecer-se no associativismo do setor; que está, por todas as métricas, fora de pé. E Débora Ferro, dividida entre milhentas tarefas, crescentemente desconfiada da direção da ASSP, ferozmente fiel aos delegados sindicais, e orgulhosa, incapaz de não responder a um ataque.

E quando as coisas apertam, os processos prescrevem, os associados telefonam a meio da noite: uma atende, e a outra, resguarda-se.

Débora Ferro: Portanto, o que é que o Rui fez? Aquilo que sabe fazer melhor: escondeu-se, tornou-se invisível, incontactável. Foi para Plutão e deixou-me com a batata quente nas mãos, mais uma vez. 

Não é só uma acusação vazia. Nós ouvimos as chamadas. As horas que Débora Ferro passou a pedir a Rui Brito da Silva para telefonar a associados, para avançar com processos, para responder a pessoas.

Para Débora Ferro, o presidente da ASSP estava a tentar esconder-se. Visto de fora, parece só que era demasiado. Por mais que ele tentasse, era impossível fazer tudo, trabalhar a tempo inteiro, estar com a família e manter um mínimo de sanidade mental. Um sindicato, mesmo um com 200 associados, não sobrevive às costas de dois dirigentes, por mais que os delegados sindicais ajudem.

Débora Ferro, fotografada a 29 de julho de 2019, na sala que a ASSP aluga num edifício de escritórios, em Paio Pires, Seixal.
Fotografia: Joana Batista/Fumaça

O que aconteceu nas semanas finais de janeiro, até à saída de Débora Ferro e dos delegados sindicais, é uma história confusa e cheia de insultos cruzados.

Tanto quanto conseguimos perceber – e é uma história impossível de confirmar – baseada nos relatos das pessoas que deixaram a direção, um delegado sindical, responsável pelo departamento de parcerias, fez uma publicação na página de Facebook da ASSP. Supostamente, tinha a devida autorização da direção do sindicato. Mas, parece que o presidente do Conselho Fiscal não estava a par, e estranhou a intervenção de delgados nas redes sociais.

Débora Ferro: E, houve um belo dia, em que o senhor presidente do Conselho Fiscal se lembra de mandar para lá a dizer: “Quem é tu pensas que é para estares a falar em nome da ASSP?”. Em público, assim do nada. Só porque sim. E o Guilherme respondeu-lhe muito bem: “Eu sou responsável pelo departamento de protocolos e estou a fazê-lo com a autorização do senhor presidente. Se tiver alguma dúvida dirija-se a ele”. E quando estalou aí o verniz e o Guilherme me disse: “Débora, desculpa-me, mas eu vou sair”. Eu disse: “Não. A minha equipa fica. Vocês são meu braço direito. Se um de vocês sair, eu saio”. Eu nunca imaginei que o Rui ia permitir que a equipa que levou isto tudo isso para frente saísse sem dizer assim: “Epá, vamos analisar o que se passou”.  E o Guilherme disse: “Olha, já fiz minha carta de demissão, eu vou sair”. Eu disse: “Não, espera”. Agarrei no meu telefone e fiz um audiozinho para os órgãos sociais que eles não gostaram nada e ficaram todos muito ofendidos.

E Débora Ferro enviou o áudio que ouvimos no início.

Débora Ferro: Não vejo nenhum elemento da direção, nem nenhum elemento dos órgãos administrativos da ASSP, ser delegado sindical. E sabem por que é que eu sei disso? Porque eu sou coordenadora dos delegados sindicais e nenhum de vocês está sob a minha alçada. Questionarem quem é que ele é? É mais homem do que aquilo que quem o questionou é. E faz mais pela ASSP do que aquilo que quem o questionou faz. Não admito.

As cartas de demissão de Débora Ferro e de grande parte dos delegados sindicais tinham efeito em fevereiro. O vice-presidente, Fábio Miranda, exigiu que fosse imediato. O presidente, absteve-se na votação. Débora Ferro recebeu ordem de saída em poucos dias.

Na ruína sindical da ASSP ficou um homem sozinho, com a cabeça à tona, prestes a afundar – Rui Brito da Silva. Rodeado de inimigos. Isolado no sindicato que criou.

Débora Ferro: Foi isso que eu disse ao Rui, a semana passada, quando finalmente consegui que ele me atendesse o telefone: “Não mereces o ar que respiras. Porque tu não só foste um cobarde para mim, tu foste um cobarde para todas as pessoas que acreditaram em ti. E isso é aquilo que dói mais. Tu preferiste ficar com teus amiguinhos, que não fazem nada para que isto ande para a frente, do que apoiar a equipa que te fez crescer, que deu a cara por ti. Os delegados sindicais ouvem todo o tipo de desaforos quando passam em algum lado e tentam falar de um sindicato. Agora já percebo o porquê, agora já percebo o porquê.  Porque, realmente, eu fui muito cega. Eu acreditei naquilo que tu disseste, eu acreditei que estavas a fazer isto para que este setor mudasse e fosse para frente. E tu és um aldrabão, um cobarde, uma marioneta na mão dos outros. Sim, tu és um peixinho num tanque de tubarões. Tu és a minhoca que fica presa no anzol, não és mais nada. Tu és um fantoche que se limitou a criar um sindicato e a assinar a papelada só para não parecer… És como – mal comparado – como a rainha Isabel.

Um fantoche. Ouvimos isto mais do que uma vez sobre Rui Brito da Silva. Ouvimo-lo sobre a ASSP como um todo. Às vezes vem de fora, noutras, de antigos dirigentes ou delegados sindicais.

Há várias formas de ler a tragédia da ASSP, mas os seguranças tendem para esta dualidade: ou é incompetente ou é corrupta. Ser incompetente, falhar apesar de se ter boas intenções, é a versão mais bondosa. A outra, aponta para algo mais perverso. Os seguranças dizem, com toda a naturalidade, que a ASSP foi criada a mando de uma das associações patronais do setor, a AESIRF. Dizem que José Morgado Ribeiro, dono do Grupo 8 e presidente da AESIRF, deu ordem a Rui Brito da Silva, que é vigilante do Grupo 8, portanto, empregado de José Morgado Ribeiro, para fundar a ASSP.

E Débora Ferro, que esteve na fundação, concorda.

Débora Ferro: Vamos pôr as coisas deste prisma: a AESIRF, que eu tenha conhecimento, que eu tenha conhecimento, não ajudou na criação do sindicato. Incentivou. O Rui, em conversas que nós tivemos anteriormente, chegou-me a dizer que o Morgado Ribeiro já lhe tinha sugerido criar um sindicato e que a associação devia passar a sindicato.
Ricardo Esteves Ribeiro: Isso quando?
Débora Ferro: E, portanto… ele não me especificou datas, portanto antes de a associação passar a sindicato.
Ricardo Esteves Ribeiro: Sim, mas antes de 2019.
Débora Ferro: Portanto antes de 2019.
Ricardo Esteves Ribeiro: Eles eram amigos?
Débora Ferro: Amigos, não sei. Mas pelo menos conhecidos, sim.

André Inácio, que se demitiu com Débora Ferro, era delegado sindical e diz algo parecido. Esta conversa foi ao telefone e, por curiosidade, noto que estamos a usar a gravação que ele fez, do seu lado, sem nos avisar, como é hábito na ASSP.

Nuno Viegas: A AESIRF tem influência no funcionamento da ASSP?
André Inácio: Boa pergunta. Alegadamente, não. No entanto, tudo indica que sim.
Nuno Viegas: Havia fugas de informação na ASSP para as empresas da AESIRF?
André Inácio: Alegadamente, sim. 
Nuno Viegas: Mas viu isto a acontecer?
André Inácio: Eu não vi, textualmente. Ou seja…
Nuno Viegas: Ouviu dizer.
André Inácio: Exatamente.

Estas acusações vêm tingidas por uma rixa interna. Débora Ferro era próxima de Rui Brito da Silva e está implicada, por inerência, em todas as decisões do presidente da ASSP. Também tem às costas o passado do sindicato.

Ainda assim, na origem da acusação está um problema real, o Contrato Coletivo de Trabalho assinado com a AESIRF, a 23 de maio de 2019. Dois meses depois da criação do sindicato.

Um Contrato Coletivo de Trabalho que cedia em todos os pontos à oposição da AESIRF à transmissão de estabelecimento. É depois de publicado este Contrato, que se acumulam os casos sobre a transmissão de estabelecimento, os casos em que as empresas discordam e deixam centenas de vigilantes sem posto, nem emprego. No último ano e meio, milhares de seguranças privados foram afetados por isto, ficaram num limbo legal, presos entre empresas, sem ordenado nem subsídio de desemprego. 

É depois de assinar este contrato, cuja negociação dividiu dirigentes e delegados sindicais, que a ASSP se começa a autodestruir.

E, agora sim, vamos ouvir Rui Brito da Silva.

Parte III – Presidente

Rui Brito da Silva: Podemos ir…. é assim: a minha mulher está a dar aula e oO meu filho está em aula. Não tenho aqui…. Podemos ir até ali, à beira do jardim?
Ricardo Esteves Ribeiro: Pronto. Nós queríamos era um sítio onde não estivesse muito barulho, como estamos a gravar áudio.
Rui Brito da Silva: Pode ser à beira rio.


Rui Brito da Silva é natural do Porto, mas hoje trabalha como vigilante numa quinta vitivinícola em Mangualde. Fomos ter com ele a Viseu onde mora com a família. Ficámos a falar à margem do Rio Pavia, que atravessa a cidade.

Ricardo Esteves Ribeiro: Ah, fazemos aqui no jardim, é isso?
Rui Brito da Silva: Sim, sim, sim.
Ricardo Esteves Ribeiro: Eu acho que está bem.
Pedro Miguel Santos: Se calhar numa daqueles bancos, ali à sombra.

Rui Brito da Silva: Ou aquele banco, ali à sombra. 
Pedro Miguel Santos: Também há aqueles. Mas pode ser aquele, que se calhar vai menos gente para ali do que para ali, não?
Rui Brito da Silva: Como queiram.


Rui Brito da Silva é simpático. Fala-nos do COVID, naturalmente. E das colocações de professores por que tem passado a sua esposa. Pesquisou-nos antes da entrevista, um a um, por nome. E faz por mostrar que se preparou, que nos leu os currículos, que sabe com quem vai falar. Assim que nos sentamos, começa a elogiar a minha redação anterior.

Rui Brito da Silva: Olhe, comecei a ganhar curiosidade pelo Observador com os podcasts do David Cristina. 
Nuno Viegas: Certo.
Rui Brito da Silva: E, depois, passei para a App da Vizinha. 
Nuno Viegas: Da Ana Pimentel.
Rui Brito da Silva: Da Ana Pimentel, exatamente. E então depois fui, fui, fui, vou ouvindo alguns podcasts.
Ricardo Esteves Ribeiro: Ah, então ouve podcasts.
Rui Brito da Silva: Sim. Tornei-me num ‘podcastiofolo’ [Riso]
Ricardo Esteves Ribeiro: E já tinha ouvido o Fumaça, ou não?
Rui Brito da Silva: Pod-casti-ófilo. [Riso]
Ricardo Esteves Ribeiro: E ouviu o Fumaça, alguma vez?
Rui Brito da Silva: Não. Mas é assim. Agora permitam-me, aqui isto: Vocês não têm conotação política, o jornal em si?
Ricardo Esteves Ribeiro: Não, como assim?
Nuno Viegas: Não.
Rui Brito da Silva: O jornal não está agregado, por exemplo, ao Partido Comunista?
Ricardo Esteves Ribeiro: Não, não.
Nuno Viegas: Não.
Rui Brito da Silva: Mas aí é que está. É que toda a gente me diz: “Então, tu vais dar uma reportagem a um jornal comunista?”
Nuno Viegas e Ricardo Esteves Ribeiro: [Riso]
Rui Brito da Silva: “Comunista? Eu andei a ver o jornal, o jornal não tem nada de CGTP, não tem nada de…
Nuno Viegas: Não, não temos. Não tem nada a ver com nada…


Rui Brito da Silva, por outro lado, tem filiações políticas. O presidente da ASSP foi candidato pelo Bloco de Esquerda nas eleições autárquicas de 2017, para a junta de freguesia de Viseu. Era o número dois. Não foi eleito.

O presidente da ASSP está na segurança privada há 17 anos. Antes, Rui Brito da Silva foi voluntário na Marinha até aos 20 anos. Trabalhou na restauração. Fez um curso de eletricista, mas não seguiu a carreira. E foi dar à vigilância por sugestão da mãe.

Começou a carreira na Protesegurança. Passou pela Fénix Intersegur e pela Alsegur. Desde 2007, está no Grupo 8. Nunca foi supervisor, nem chefe de grupo. Trabalha, como sempre trabalhou, como vigilante. É este o último ponto, o seu empregador, que gera mais controvérsia.

Ligações entre a ASSP, AESIRF e o Grupo 8
Diagrama: Joana Baptista/Fumaça

Débora Ferro e André Inácio dizem, com bastante abertura, que Rui Brito da Silva fundou a ASSP por sugestão do dono do Grupo 8 e presidente da AESIRF, José Morgado Ribeiro, depois de a transmissão de estabelecimento fazer cair as negociações do Contrato Coletivo de Trabalho com a AES e o STAD, em maio de 2018.

Ora, Rui Brito da Silva diz que sugeriu pela primeira vez transformar a ASSP num sindicato no verão de 2018. Mas garante que o patrão não teve qualquer envolvimento.

Nuno Viegas: Nunca tinha visto José Morgado Ribeiro?
Rui Brito da Silva: Nunca.
Nuno Viegas: Nunca tinha conversado com ele?
Rui Brito da Silva: Nunca.
Nuno Viegas: José Morgado Ribeiro não incentivou a criação da ASSP?
Rui Brito da Silva: Não.
Nuno Viegas: Não incentivou a conversão para o sindicato?
Rui Brito da Silva: Nunca.
Ricardo Esteves Ribeiro: Nós temos testemunhos de ex-membros da ASSP, sindicalistas, vigilantes que confirmam que teve
conversas com o José Morgado Ribeiro antes da criação do sindicato.
Rui Brito da Silva: Não.
Ricardo Esteves Ribeiro:
É mentira?
Rui Brito da Silva: É mentira, totalmente mentira.
Nuno Viegas: Por que é que alguém havia de mentir sobre isto?
Rui Brito da Silva: Não sei, não faço ideia. Ex-membros da ASSP? Está boa. Isso para mim é uma novidade. Não. Está totalmente mal. 
Nuno Viegas: Mas porque é que alguém havia de…
Rui Brito da Silva: Não faço ideia
.

Rui Brito da Silva garante que não houve mão de José Morgado Ribeiro. Diz que depois da ASSP se tornar um sindicato, foi o secretário-geral da AESIRF, António Malheiro, que o convidou a negociar um Contrato Coletivo de Trabalho. Só depois disso, é que se reuniu com o dono do Grupo 8, o seu patrão, José Morgado Ribeiro.

Rui Brito da Silva: A primeira reunião, quando lá fomos, ele cumprimentou-nos e queria saber quem era o homem do Grupo 8. Oonto final. E, digo eu – eu não sei se foi ou não – mas ele, salvo erro, manda uma mensagem escrita, talvez para os serviços do Grupo 8 para ter informação de quem eu era, ok? Porque ele estava a falar comigo, recebeu a mensagem e parou e faz assim “Hum, ok” e encosta o telemóvel e continua a conversar connosco. Ok? Primeiro dia. 
Pedro Miguel Santos: Ele tinha a sua ficha?
Rui Brito da Silva: Eu digo que foi isso. Não tenho certeza se foi, mas deu-me a sensação.  Porque ele escreveu: “Onde é que trabalha? Qual é o seu número?”, no sentido de perceber quem eu era. Tudo bem. Eu? Nada contra. Que era para ver se realmente o meu percurso no Grupo 8 era bom ou não. E, portanto, essa foi a primeira reunião presencial. Ele, digamos, sai de cena, vamos dizer assim. Ficamos só com o Augusto Moura Paes, Rui Cravina, da 2045, e António Malheiro, que era o secretário da AESIRF. Certo? E fomos fazendo as reuniões todas, uma a uma. Como íamos começar a discutir… começámos a fazer a revisão global do Contrato Coletivo de Trabalho.

Há uma divergência entre a história do presidente da ASSP e a do presidente da AESIRF. José Morgado Ribeiro nunca referiu esta primeira reunião. Falou-nos só da segunda, e aí as versões também não batem certo. Na entrevista que ouvimos no último episódio, o dono do Grupo 8 despacha o tema em poucas frases: chatearam-se a negociar e desde esse dia que não se dão.

José Morgado Ribeiro, fotografado no pátio à entrada de sua casa, a 18 de maio de 2020, em Birre, Cascais.
Fotografia: Pedro Miguel Santos/Fumaça

José Morgado Ribeiro: Tínhamos tido uma percentagem de uma cláusula qualquer que era, por exemplo, 10%. e ele acorda comigo 10% e que ia falar com a direção. E depois diz que não é dez, que é 12, que é 14, e que não sei… E eu disse: “Olha, você não fala mais comigo.” E nunca mais falei com ele.

O presidente da AESIRF está a referir-se a uma discussão sobre o valor que iam pagar de horas extraordinárias. O debate foi real. Temos membros da ASSP que o confirmam. Mas José Morgado Ribeiro diz que aconteceu tudo numa única reunião. Na altura, não o pressionamos, porque não tínhamos indicação de que fosse mentira. Mas dias depois falámos com Rui Brito da Silva e o presidente da ASSP garante que José Morgado Ribeiro não se deu por vencido no fim dessa reunião.

Rui Brito da Silva: Até um dia em que o José Morgado Ribeiro telefona para o pessoal e diz: “Esperem por mim. Não arranquem sem eu chegar”. E o António Malheiro disse: “Temos de esperar pelo senhor Morgado Ribeiro”. E eu “Pronto, isto vem aí qualquer coisa que não está…” E o José Morgado Ribeiro vem, senta-se e diz: “Meus amigos, vamos acabar já com isto, por aqui. Vamos já fazer isto num instante, resolvemos já isto”. E, é verdade, eu dei mais ou menos um “Sim”, mas que ia falar com o meu pessoal. E saio de Lisboa com a cabeça pesada, porque eu não queria assinar cortes. Eu não queria assinar um contrato coletivo de trabalho com cortes, ponto. E eu vinha com o meu colega, que também se chama Rui, o Rui Monteiro, que é o presidente do Conselho Fiscal, e eu disse “Epá, ó Rui, e agora?”. “Ó Rui, tens que ter bom senso”; “Ó Rui não vou ter bom senso nenhum, caramba. Nós andamos aqui a dizer aos associados que não íamos assinar cortes e não íamos assinar cortes”, daí a minha contradição. No dia seguinte, telefono ao Morgado Ribeiro – encho o peito de ar – telefono ao Morgado Ribeiro e digo: “Olhe, nós não vamos assinar”. “Então você está-se contradizer”, “’Estou. Nós não vamos assinar cortes”, “Não vão assinar cortes?”, “Não”, “Epá, você, você não presta. Você não sei o quê, você não sei que mais. Você tem que dar um murro na mesa. Você tem que ser intransigente”, “Epá, mas eu não posso, ó senhor Morgado Ribeiro, tenha paciência, mas eu não posso. Eu não posso ir contra os princípios que tínhamos dito, que não íamos assinar cortes e que não iamos não sei quê”.
Desligo a chamada. E aquele dia já foi um desastre para mim, já foi… já não estava bem da cabeça. Salvo erro, foi uma quarta-feira ou uma quinta. Depois, de quinta para sexta, de quinta para sexta, também dormi mal a noite, volta-me ele a ligar e eu não lhe atendo. Depois o Malheiro liga-me: “Olhe, fale com o senhor Morgado Ribeiro, veja lá”, “Ó Malheiro, tenha paciência, mas não vamos assinar cortes. O pessoal não me deixa assinar isto com cortes, e não sei quê, não sei que mais”. E depois o Morgado Ribeiro, à segunda ou à terceira chamada, diz-me: “Olhe, você não é de bom trato. Eu até pensei que você era boa gente e tal. E, portanto, olhe, você está-se a contradizer. Eu não falo mais consigo”. E desligou-me o telefone na cara. Até hoje, não fala mais comigo.

E depois da pressão, Rui Brito da Silva assinou.

Rui Brito da Silva: Posso dizer que éramos muito verdinhos na altura. E que, se calhar, com a pressão e com aquelas situações de “Vamos lá, assinem lá isso”, e o meu patrão ter-se zangado comigo, e essas coisas todas, que a gente tenha assinado, pronto, e que não tenhamos lido profundamente a situação? Na altura, sim. Porque, pronto, lá está, de sindicato ou de contrato coletivo de trabalho tínhamos zero de experiência.
Pedro Miguel Santos: Claro. Mas, então, entende que tudo o que acabou de dize, sobretudo a questão da pressão, de terem sido pressionados, de não terem muita experiência, não é?  De alguma forma, até parece que houve aí uma coação, é fácil achar que foi o seu patrão, que era o presidente da AESIRF, a mandar em si, que era o chefe do sindicato.
Rui Brito da Silva: Não…
Nuno Viegas: Mas, na prática, foi. O seu patrão ligou, pressionou-o, meteu-lhe medo e você assinou um contrato sem perceber o que estava a fazer.
Rui Brito da Silva: Meter-me medo era dizer-me que me mandava para o desemprego. Isso é que me metia medo.
Nuno Viegas: O Rui disse que mal dormiu.
Pedro Miguel Santos: Coagiu-o, coagiu-o, de alguma forma.
Rui Brito da Silva: Mal dormiu, porque eu estava a discutir com o meu patrão, coisa que eu não queria. Percebe?
Nuno Viegas: O Rui assinou um contrato sem perceber o que estava lá?
Rui Brito da Silva: Não. Eu assinei, li e tenho noção do que assinei. Não interpretei na profunda, na verdadeira aceção da palavra, não interpretei na totalidade a cláusula 14.

Parte IV – Oposição

Vamos ao resto. Os antigos delegados sindicais da ASSP garantem que a direção mentiu sobre o número de associados do sindicato. Durante meses, disseram que havia dois mil vigilantes inscritos. Esse número foi divulgado publicamente em entrevistas e usado para negociar parcerias. E Rui Brito da Silva admite tudo isto mas desculpa-se com ignorância.

Ricardo Esteves Ribeiro: Alguma vez mentiu ou deu ordens para que pessoas da ASSP mentissem em relação ao número de associados que a ASSP tinha, quando estavam a fazer parcerias com outras empresas?
Rui Brito da Silva: Não. O que houve foi a indicação de um número avolumado de associados, porque havia falsas inscrições.
Ricardo Esteves Ribeiro: E o que é que isso quer dizer?
Rui Brito da Silva: Porque as pessoas iam se inscrevendo no site e a gente assumia como uma inscrição.
Ricardo Esteves Ribeiro: E esse valor era quanto maior do que o real?
Rui Brito da Silva: Dois mil.
Ricardo Esteves Ribeiro: Duas mil vezes maior?
Rui Brito da Silva: Não, não, não. À volta de dois mil. Tínhamos duas mil inscrições e só depois fomos pegando e apagando, apagando, apagando, apagando, apagando, apagando.
Ricardo Esteves Ribeiro: Em que mês é que isso era?

Pedro Miguel Santos: Isso era onde?
Rui Brito da Silva: No sindicato, online.
Nuno Viegas: Mas pagavam quotas?
Rui Brito da Silva: Não, nem mandavam fotografias.

Nuno Viegas: Então não contam como associados.
Rui Brito da Silva: Pois. Fomos apagando, depois.
Ricardo Esteves Ribeiro: Isso é fraude, não é?
Rui Brito da Silva: É fraude como?
Ricardo Esteves Ribeiro: Mentir a um parceiro.
Rui Brito da Silva: Não é mentir a um parceiro, na altura era a base de dados que tínhamos.
Ricardo Esteves Ribeiro: Sim, mas as pessoas não mandaram fotografia, não fizeram a sua inscrição legalmente aceite, não pagaram qualquer quota e está a assumir que tem um valor? 
Rui Brito da Silva: Nós assumíamos assim como inscrição. Só depois é que viemos a verificar que não podíamos assumir isso como inscrição. 
Nuno Viegas: Falharam por ignorância ou por mentira?
Rui Brito da Silva: Por ignorância. Ou seja, nós estávamos a acreditar que as pessoas se estavam a inscrever. E, então, fomos assumindo, assumindo, assumindo e aquilo começou a avolumar, a avolumar, a avolumar.
Nuno Viegas: Foi ingerência.
Rui Brito da Silva: Não lhe chamemos ingerência, chamemos-lhe a inocência.

Não foi só no passado que a ASSP exagerou o número de membros. Na entrevista que deu ao Fumaça – esta mesma entrevista –, em maio de 2020, Rui Brito da Silva voltou a dar um número falso de associados, com toda a naturalidade, como se só se apercebesse de que o que estava a dizer não fazia sentido quando nós o explicamos.

Primeiro, falou em 500 associados. Depois, quando perguntámos pelas contas do sindicato, o número caiu por terra.

Retrato, já com alguns anos, de Rui Brito da Silva.
Foto: Rui Brito da Silva/Facebook

Ricardo Esteves Ribeiro: Quem é que paga as contas do sindicato e que contas é que existem? Quanto dinheiro é que usualmente é movimentado mensalmente, anualmente pela ASSP?
Rui Brito da Silva: Quem é que paga as contas? Os associados. As quotas dos associados. 
Nuno Viegas: Tem 500 associados?
Rui Brito da Silva: Sim, à volta disso.
Nuno Viegas: Qual é a quota do sindicato?
Rui Brito da Silva: É 1% do valor base do salário.
Nuno Viegas: Cerca de sete euros e 90?
Rui Brito da Silva: Sete euros e…. Agora, 7,29€ ou 7,69€. 
Ricardo Esteves Ribeiro: Ou seja, sete…Vamos dizer oito euros.
Nuno Viegas: Recebem cerca de três mil e 600 euros, por mês.
Rui Brito da Silva: Não chega a isso, porque há aqueles que não pagam, há aqueles que não têm a inscrição completa.
Nuno Viegas: Na prática, quanto dinheiro é que entra por mês na ASSP?
Rui Brito da Silva: À volta de 1200.
Ricardo Esteves Ribeiro: Euros?
Rui Brito da Silva: Sim.
Nuno Viegas: Só um terço dos associados é que pagam as quotas?
Rui Brito da Silva: Porque uns cancelam os débitos. Outros… Era como eu estava a explicar há bocado. 
Nuno Viegas: Então, na verdade, tem 150 associados.
Rui Brito da Silva: Não. Tenho lá os 500 porque a qualquer momento o associado pode reativar a sua inscrição e continuar a ser sócio. Paga a sua quota.
Ricardo Esteves Ribeiro: Sócios pagantes são quantos, então?
Rui Brito da Silva: À volta de 200 e qualquer coisa. 

Esclarecendo as contas: a ASSP tinha aqui 200 membros em pleno direito. Não 500. É difícil perceber se este tipo de enganos surge por ignorância sincera, ou com uma planificação cínica. Há duas formas de olhar para a ASSP, como um grupo amador onde tudo correu mal, ou como uma entidade nefasta que está a funcionar tal como queria.

Seja como for, segundo grande tema: o departamento jurídico. Os antigos delegados sindicais dizem que a ASSP era ineficaz na sua intervenção judicial. Ao ponto de deixar prescrever o processo de um associado enquanto garantiam ao vigilante que estava tudo a correr bem, o tal caso das assinaturas falsificadas de que falámos antes.

Rui Brito da Silva dá algumas voltas, mas admite isto tudo. Desculpa-se, novamente, com ignorância.

Ricardo Esteves Ribeiro: Alguma vez mentiu ou deu ordem também para que se mentisse a um associado da ASSP sobre o decorrer de um processo judicial contra uma queixa qualquer à ACT, ou contra uma empresa qualquer para que trabalhava?
Rui Brito da Silva: Como assim? Clarifique.
Ricardo Esteves Ribeiro: Se alguma vez…
Nuno Viegas: Dizer que já estava no Tribunal e não estava; dizer já estava com o advogado e não estava; dizer que estava com o departamento jurídico e não estava.
Rui Brito da Silva: Isso é matéria do foro interno do sindicato.
Nuno Viegas: Exato. E estou a perguntar ao presidente do sindicato sobre isso.
Rui Brito da Silva: Pronto, mas isso são assuntos internos que cabe à gestão da direção...
Ricardo Esteves Ribeiro: Portanto, não vai confirmar se mentiu a um associado?
Rui Brito da Silva: Posso, eventualmente, ter dito alguma coisa mas não.
Ricardo Esteves Ribeiro: Pode eventualmente ter mentido a um associado?
Rui Brito da Silva: Posso ter falado alguma coisa ao telefone que possa ter dito alguma coisa dessa maneira. Mas não estou a ver…
Nuno Viegas:  Que fosse uma mentira?
Rui Brito da Silva: Não é que fosse uma mentira, às vezes é só mais para acalmar a pessoa. 
Ricardo Esteves Ribeiro: E portanto, mentindo.
Nuno Viegas: Mente para acalmar as pessoas?
Rui Brito da Silva: Não, não é mentir.
Nuno Viegas: É.
Rui Brito da Silva: Pronto, está bem. Se vocês dizem…
Ricardo Esteves Ribeiro: Dizer uma coisa que não é verdade, sabendo que não é verdade, acho que é exatamente a definição de mentir.
Rui Brito da Silva: Pronto, ok. Certo, tudo bem. Querem ir por aí, tudo bem.
Ricardo Esteves Ribeiro: Nunca deixaram um caso prescrever? Volta a confirmar isso?
Rui Brito da Silva: [Hesitação] Pois, por aquilo que me está a dizer, eu provavelmente sei o que… Não, nós não deixamos prescrever o caso.
Ricardo Esteves Ribeiro: De que caso é que está a falar?
Rui Brito da Silva: O associado deveria ter ido à PSP apresentar uma queixa-crime.
Nuno Viegas: De que caso é que está a falar?
Rui Brito da Silva: De um associado, obviamente eu não lhe vou revelar o nome. Mas o associado deveria ter ido à PSP apresentar queixa-crime. Que nós possamos, o sindicato, não ter avisado o associado de que tinha que ir apresentar a queixa-crime? Aí eu admito que nós não avisamos o associado.
Ricardo Esteves Ribeiro: Ai, não avisou?
Rui Brito da Silva: Ou seja, nós não avisamos. Mas nós não tínhamos…
Ricardo Esteves Ribeiro: O que é bastante grave, não é?
Rui Brito da Silva: Não, não é grave. O associado tinha o conhecimento de que tinha que apresentar a queixa-crime.
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas, ó Rui, vocês são um sindicato exatamente para ajudar as pessoas a navegar estes processos, que são bastante complicados, não é?
Rui Brito da Silva: Certo, e na altura nós estávamos a fazer a remodelação do apoio jurídico. 
Nuno Viegas: Mas falharam?
Rui Brito da Silva: Falhamos. Aí, falhámos. Admito, não tenho problema nenhum.
Nuno Viegas: Quando é que foi constituído o departamento jurídico da ASSP?
Rui Brito da Silva: Dezembro do ano passado. Com fundamentos, direito mesmo…
Nuno Viegas: É tarde.
Rui Brito da Silva: Lá está, foi nossa inocência toda. Porque, primeiro, não tínhamos conhecimento de como funcionaria uma máquina jurídica no sindicato.

E tudo isto nos traz de volta às demissões do início de 2019. Débora Ferro e os delegados sindicais deixaram a ASSP por sentirem que o seu trabalho estava a ser questionado. Disseram que saiam em fevereiro. O vice-presidente, Fábio Miranda, exigiu que fosse imediato. E foi.

Nuno Viegas: Porque é que estas pessoas saíram?
Rui Brito da Silva: Porque não concordavam com a inércia de algumas pessoas, com a ausência de trabalho.
Nuno Viegas: Quem é que estava inerte?
Rui Brito da Silva: Pessoas de dentro dos órgãos sociais que pouco ou nada faziam.
Nuno Viegas: Quem?
Rui Brito da Silva: Elementos, vários.
Nuno Viegas: Quem?
Ricardo Esteves Ribeiro: O Rui, por exemplo?
Rui Brito da Silva: Não, eu não. Eu trabalho quase de sol a sol.
Nuno Viegas: O seu vice-presidente?
Rui Brito da Silva: Por exemplo, sim. Por estar na Uber, sim. 
Nuno Viegas: Fábio Miranda estava inerte. E continua inerte, agora?
Rui Brito da Silva: Quem é que estava inerte?
Nuno Viegas: O vice-presidente.
Rui Brito da Silva: Ah, sim. 
Nuno Viegas: Continua?
Rui Brito da Silva: Sim, vai estando.
Nuno Viegas: E continua como vice-presidente?
Rui Brito da Silva: Sim. Até haver eleições, sim. 
Pedro Miguel Santos: São quando, as eleições?
Rui Brito da Silva: As eleições serão daqui a três anos. 

Ricardo Esteves Ribeiro: Mas por que é que não se…
Nuno Viegas: Vai passar três anos com um vice-presidente inerte e não lhe pede a demissão?
Rui Brito da Silva: Não sei, não sei. Isso agora vamos chegar à Assembleia Geral e decidiremos.
Nuno Viegas: Quando é que é a assembleia geral?
Rui Brito da Silva: Quando o Ministério da Administração Interna nos deixar, porque não temos margem, não temos espaço de segurança para todos. Portanto, na Assembleia Geral vamos…
Pedro Miguel Santos: Por causa do coronavírus?
Rui Brito da Silva: Sim.
Nuno Viegas:  Mas será assim que possível?
Rui Brito da Silva: Logo que seja possível, a gente faz a Assembleia Geral.
Nuno Viegas: E vai pedir a demissão do vice-presidente?
Rui Brito da Silva: Sim. Ou até a rotação total dos lugares, não sei. 
Nuno Viegas: Vai dissolver os órgãos sociais?
Rui Brito da Silva: Eu não posso dissolver os órgãos sociais.
Nuno Viegas: Mas vai pedir à  mesa da assembleia?
Rui Brito da Silva: Posso é pedir à assembleia que faça isso.
Nuno Viegas: Quer que haja eleições?
Rui Brito da Silva: Se calhar, não sei, não sabemos. Ainda tenho que reunir com as pessoas, perguntar o que querem fazer da vida.
Nuno Viegas: Mas eu estou a perguntar o que é que o Rui quer? O Rui quer que haja eleições?
Rui Brito da Silva: Eu não sei. Ainda tenho que falar com o resto do pessoal e ver qual é a motivação que eles têm para continuar no sindicato. 
Nuno Viegas: Se houver eleições, conta que haja uma lista concorrente?
Rui Brito da Silva: Se calhar uma ou mais, não sei.
Nuno Viegas: Apresentada por quem?
Rui Brito da Silva: Não faço ideia.
Nuno Viegas: E acha que ganha?
Rui Brito da Silva: Não tenho a certeza, não tenho certeza de nada.
Nuno Viegas: Porquê?
Rui Brito da Silva: Amanhã posso acordar e o mundo estar virado de pernas para o ar. Não faço ideia.
Nuno Viegas: É presidente do sindicato, conhece o sindicato, conhece os seus associados. Os associados estão contentes consigo?
Rui Brito da Silva: Até ver… Posso e ter um ou outro que possa estar descontente, mas não tenho esse sinal tão, tão negativo.
Pedro Miguel Santos: Mas no caso do Fábio Miranda e dos problemas que houve ou  parece ter havido aí umas zangas saíram umas pessoas ou outras… Tendo em conta todo o trabalho que o Rui tem que fazer, há tanta coisa para fazer, sente que consegue fazer e cumprir aquilo que o Rui queria fazer, com uma equipa que está mais ou menos ausente? Quer dizer, daqui a um bocado está sozinho a fazer tudo, não é? E uma pessoa sozinha não faz nada. 
Nuno Viegas: É outra vez como a associação, em 2011. E da última vez a associação acabou. O sindicato vai pelo mesmo caminho?
Rui Brito da Silva: Não. Pode não ir pelo mesmo caminho. Pode é sofrer uma rotação de pessoal e dar uma lavagem a todos os órgãos sociais e…
Nuno Viegas: O Rui quer dar uma lavagem ao sindicato?
Rui Brito da Silva: Eu? Não. Eu, provavelmente, ponho é à disposição dos associados o que é que pretendem fazer. E o que os associados decidirem em Assembleia Geral eu sou totalmente de acordo.
Pedro Miguel Santos: Mas está cansado ou não?
Rui Brito da Silva: Tenho algum cansaço, tenho. Não vou dizer que…
Nuno Viegas: Quer sair?
Rui Brito da Silva: O sair, o sair, vamos ver. Quer desligar aí o microfone? Desligue lá, desligue… 
Nuno Viegas: Se quiser estamos em off.
Rui Brito da Silva: Desligue o microfone, se faz favor. Pode ser?
Ricardo Esteves Ribeiro: Espere aí, espere aí, espere aí…

Rui Brito da Silva demitiu-se dois meses depois desta entrevista e apresentou uma lista para as eleições seguintes. Fábio Miranda o que se dedicou a gerir uma empresa de Ubers. sai da vice-presidência para ficar à cabeça da Assembleia Geral.

Débora Ferro completou a pirueta de peça central da ASSP para a coluna vertebral da oposição. Entrou para a lista B como assessora da direção. André Inácio, um dos delegados sindicais que saiu em janeiro – o tal que escreveu o anúncio com que abrimos o episódio –  propôs-se a presidente.

As eleições foram a 9 de novembro de 2020 depois de terem sido adiadas por uma vez. Sessenta e oito pessoas votaram. Havia 202 eleitores inscritos. Rui Brito da Silva foi reeleito, com 56% da votação: 38 votos.

É isto que sabemos sobre a forma como se assinou o Contrato Coletivo de Trabalho entre a AESIRF e a ASSP, em 2019. É isto que sabemos sobre a forma como foi criada a ASSP. E é isto que sabemos sobre a forma como a ASSP funciona. E isso faz-nos regressar à grande questão: a ASSP é incompetente, ou corrupta? E, por inerência, foi a AESIRF a criar a ASSP, ou não?

Rui Brito da Silva diz que falhou por ignorância. Não soube interpretar o Contrato Coletivo de Trabalho. Não lê jornais, por admissão própria. Nunca se apercebeu da escala que as coisas iam tomar.

Nuno Viegas: O que me causa estranheza é que, nesse momento, depois de ter assinado e admitindo e admitiu aqui que não compreendeu totalmente aquela cláusula…
Rui Brito da Silva: Exatamente.
Nuno Viegas: Que não sabia o impacto que aquilo ia ter…
Pedro Miguel Santos: Hoje, não assinaria?
Rui Brito da Silva: Hoje, não assinaria.
Nuno Viegas: Hoje, já não assinaria?
Rui Brito da Silva: Não.
Nuno Viegas: O que eu lhe estou a perguntar é se reconhece que aquele contrato foi danoso para os vigilantes.
Rui Brito da Silva: Não assumo essa, essa. [Hesitação] Deixe ver se eu consigo dizer-lhe isso sem, sem… Percebo a consequência que está a existir, certo? Mas não fazia ideia que chegaria a este ponto.
Nuno Viegas: Por que decidem aceitar uma cláusula que foi sempre recusada pelo STAD?
Rui Brito da Silva: Porque nós lemos a cláusula e entendemos que não havia ali nada de… E, aliás, fizemos com que eles alterassem a cláusula para que os trabalhadores não tivessem que fundamentar a sua permanência na empresa. 
Nuno Viegas: Mas perceberam o impacto que aquela cláusula ia ter.
Rui Brito da Silva: E já perceberam o contrário disso? Não, na altura, não percebi o impacto que ela ia ter, em termos de… Só agora é que estamos a ter os efeitos. Os danos colaterais só estão a existir agora.

Débora Ferro diz que Rui Brito da Silva falhou porque estava vendido à AESIRF. Rui Tomé, vice-coordenador nacional do STAD, sugeriu, no último episódio, com muitos cuidados, a mesma ideia. Muitos vigilantes nos disseram isto.

Nunca havemos de saber a verdade.

Tenho a certeza disto: com maior ou menor grau de conhecimento, a posição de Rui Brito da Silva acabou por servir os interesses do seu patrão, José Morgado Ribeiro, o presidente da AESIRF. Nas negociações, o patrão dos patrões esteve sempre no controlo.

A pergunta que nos surge, depois de saber a forma como se negociou o futuro da segurança privada, é: como? Como é que os sindicatos do sistema, com décadas de experiência, relações estabelecidas e plataformas estáveis, deixaram que as negociações com a AESIRF ruíssem, em 2018? Como é que deixaram que um sindicato fantasma destruísse a estrutura legal de um setor? A pergunta é abrangente, mas na verdade tem um único interlocutor. Há seis mil vigilantes inscritos no STAD. É, de longe, o maior sindicato da segurança privada.

E à cabeça de todas as decisões do STAD, desde que há democracia, está o mesmo homem: Carlos Trindade, um dos mais antigos sindicalistas portugueses. Há mais de 40 anos que se senta à mesa com os patrões. Mas quando se preside a um sindicato por quatro décadas, é porque se sabe lidar com o patronato ou com a oposição interna?

Há muitas acusações a minar, lentamente, a hegemonia do STAD. Afinal, houve tantas pessoas a dizer-nos que a ASSP é controlada pela AESIRF, como a dizer-nos que o STAD anda ao serviço da AES. 

No próximo episódio, vamos ao sindicato do status quo, e fazemos a pergunta diretamente: andam ao serviço de quem?

FIM


“Peixinhos” é o episódio cinco da série “Exército de Precários”. 

As pessoas que fazem parte da comunidade Fumaça já têm acesso aos primeiros quatro episódios desta série e ainda a um conjunto de entrevistas “extra”: conversas aprofundadas com algumas das personagens centrais da história. Com este episódio, podem escutar a entrevista que fizemos a Rui Brito da Silva, fundador da ASSP, o sindicato que, em 2019, assinou um contrato coletivo com a AESIRF – liderada por José Morgado Ribeiro, seu patrão – e, por causa disso, criou o espaço para que centenas de trabalhadores fossem empurrados para um limbo legal em relação à transmissão de estabelecimento.

Se queres ouvir esta e outras entrevistas e ainda os primeiros quatro episódios da série, faz uma contribuição recorrente em fumaca.pt/contribuir, ajudando o Fumaça a ser o primeiro projeto de jornalismo totalmente financiado pelas pessoas.

Este episódio foi escrito pelo Nuno Viegas, que fez também a investigação e reportagem desta série com o Ricardo Esteves Ribeiro e comigo, Pedro Miguel Santos. Eu e o Ricardo fizemos a edição e o factchecking.

O Bernardo Afonso também participou nas discussões de verificação de factos e fez, ainda, a edição de som, o sound design, e compôs, interpretou e misturou a banda sonora original.

A Joana Batista criou a imagem, a Maria Almeida fez a estratégia de marketing e a Sofia Rocha e o Tomás Pinho implementaram a página online. Passem por lá para ver as ilustrações, a transcrição de todos os episódios e documentação que ajuda a aprofundar o que ouviram hoje.

A Margarida David Cardoso participou nas sessões de edição coletiva de todos os episódios desta série.

Fazem ainda parte da equipa Fumaça: Danilo Thomaz e Mo Tafech.

Com o apoio:

A série “Exército de Precários” foi realizada com o apoio de bolsas de investigação jornalística atribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian (2018) e Fundação Rosa Luxemburgo (2020). Os contratos podem ser consultados em www.fumaca.pt/sobre.

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