A Serpente, o Leão e o Caçador (4/5)

O Caçador (Parte 1)

[Este episódio foi produzido para ser ouvido e não apenas lido. O que se segue abaixo é a transcrição integral de toda a peça áudio.]

I

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
Angariamos todo o dinheiro para virmos cá nós mesmos, para percorrer oito mil quilómetros para vos dizer, adultos, que vocês devem mudar.
Eu sou apenas uma criança e não tenho todas as soluções.
Eu estou a lutar pelo meu futuro. Perder o meu futuro não é como perder uma eleição ou alguns pontos na bolsa. Na minha vida, eu sonhava ver grandes manadas de animais selvagens, selvas e florestas tropicais cheias de pássaros e borboletas, mas agora pergunto-me se eles existirão para os meus filhos os verem.

Junho de 1992. Conferência da Terra, Rio de Janeiro. Uma sala com lugar para delegados de 178 países tem muitas cadeiras vazias.

Durante seis minutos e meio, ouve-se apenas Severn Cullis-Suzuki, ativista canadiana de 12 anos. No ano seguinte ao discurso, Suzuki recebeu o prémio Global 500 Roll of Honour do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Anos mais tarde, um vídeo com o título “The girl who silenced the world for 6 minutes” tornou as suas palavras virais.

Greta Thunberg (som de arquivo):
Está tudo errado. Eu não devia estar aqui em cima. Eu devia estar de volta à escola, do outro lado do oceano. No entanto, todos vocês dependem de nós, jovens, para ter esperança. Como é que se atrevem? Vocês roubaram os meus sonhos e a minha infância com as vossas palavras vazias.

Setembro de 2019, Nova Iorque. A sueca Greta Thunberg, aos 16 anos, fala perante os líderes de 193 países na Cimeira da Ação Climática das Nações Unidas. Uma sala cheia.

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
Se vocês não sabem como repará-lo, por favor, parem de o estragar.

Greta Thunberg (som de arquivo):
A minha mensagem é que nós estaremos a observar-vos.

Com quase três décadas de diferença, Severn Cullis-Suzuki e Greta Thunberg falaram perante os líderes das Nações Unidas com a mesma frustração, com mesmo o sentimento de impotência perante as suas contradições. Exigiram mais do que palavras.

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
Vocês tinham que se preocupar com essas coisas quando tinham a minha idade?

Greta Thunberg (som de arquivo):
Estamos no início de uma extinção em massa e tudo o que vocês conseguem falar é de dinheiro e contos de fadas de eterno crescimento económico.

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
Tudo isto está a acontecer diante dos nossos olhos e, ainda assim, agimos como se tivéssemos todo o tempo que queremos e todas as soluções.

Greta Thunberg (som de arquivo):
Como é que vocês se atrevem a continuar a desviar o olhar? E vir aqui dizer que estão a fazer o suficiente, quando as políticas e soluções necessárias não estão nem sequer à vista? Como é que se atrevem a fingir que isto pode ser resolvido com business as usual e algumas soluções técnicas. 

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
No meu país, nós fazemos tanto lixo. Nós compramos e deitamos fora, compramos e deitamos fora. Ainda assim, os países do Norte não partilham com os necessitados. Mesmo quando temos mais do que suficiente, temos medo de partilhar. Temos medo de deixar ir um pouco da nossa riqueza.

Greta Thunberg (som de arquivo):
Vocês estão a falhar-nos. Mas os jovens começam a perceber a vossa traição.

Severn Cullis-Suzuki (som de arquivo):
Vocês, adultos, dizem que nos amam, mas eu desafio-vos: por favor, façam as vossas ações refletir as vossas palavras.

Durante os 27 anos que separam estes dois discursos, realizaram-se 25 conferências das Nações Unidas dedicadas ao clima. Primeiro, pouco mais de cem países, agora quase o dobro; todos os anos, os seus chefes de Estado e delegados são chamados à mesa das negociações. É-lhes pedido que cheguem a um acordo para estabilizar as concentrações de gases com efeito estufa na atmosfera, de modo a evitar as piores consequências da crise climática. Mas o ritmo a que tomam decisões é lento. Em 27 anos de avanços e recuos, assinaram-se apenas dois grandes acordos: só um deles teve força de lei. Entretanto, as emissões globais não pararam de aumentar.

Neste episódio, mergulhamos no arquivo de negociações do clima.

Seja toda a gente bem-vinda ao Fumaça. Eu sou a Margarida David Cardoso.

II

Reportagem Nações Unidas (som de arquivo):
Estocolmo, Suécia, 12 de junho de 1972. 1200 delegados oficiais de 113 nações estiveram em Estocolmo para a primeira Conferência internacional sobre o Meio Ambiente Humano.

Em Junho de 1972, um acordo internacional das Nações Unidas assumiu uma nova maneira de pensar a relação com o ambiente. Naquela que a ONU considera a primeira Conferência da Terra, Estados-membros reconheceram, pela primeira vez, a existência de alterações climáticas provocadas pelas atividades humanas. Pela primeira vez, escreveram: “Chegamos a um momento da História em que devemos orientar os nossos atos em todo o mundo com particular atenção às consequências que podem ter para o ambiente.”

Reportagem (som de arquivo):
No primeiro dia, os delegados oficiais reuniram-se na cerimónia de abertura na Royal Opera House, onde, na presença do Rei Gustaf Adolf, ouviram o secretário-geral das Nações Unidas Kurt Waldheim: É este mundo que está ameaçado pelo impacto das atividades não planeadas, egoístas e sempre crescentes do Homem. Nenhum sistema político nos torna imunes a essa ameaça. Nenhum nível de desenvolvimento económico nos permite escapar.

Em Estocolmo, com a ausência da União Soviética, Cuba e vários outros países liderados por governos comunistas, falou-se de desenvolvimento industrial e sustentabilidade, da explosão demográfica – numa altura em que a população mundial crescia quase 3% ao ano –, de energia nuclear, poluição e chuvas ácidas. Em 1972, a ecologia tornou-se uma palavra política. O clima era interesse apenas para cientistas. Para cientistas e ativistas.

Reportagem (som de arquivo):
16 de junho de 1972. Um grupo internacional de jovens reuniu-se hoje para divulgar o que chamam a competição mundial para poluir: Os prémios de poluição automóvel, medalha para a General Motors, dos Estados Unidos da América. Especial menção desonrosa para Toyota Motors, do Japão.

Da conferência saiu uma declaração de princípios, adoptada com 103 votos a favor, 10 abstenções, da União Soviética e da África do Sul, e sem qualquer voto contra. Este documento viria a definir grande parte da ética e os equilíbrios de forças nas discussões globais sobre ambiente e clima, até aos dias de hoje. Entre outras premissas, que os Estados devem criar mecanismos legais para compensar as vítimas de poluição e outros danos ambientais que ultrapassam as suas fronteiras. E sintetiza que a maioria dos problemas ambientais nos países em desenvolvimento é provocado pelo seu subdesenvolvimento – a pobreza leva a problemas de saúde, saneamento, poluição. 

No texto que saiu de Estocolmo, lia-se ainda que os países industrializados teriam que ajudar os países em desenvolvimento a reduzir a diferença entre ambos. Isto para que os mais pobres possam cumprir as suas responsabilidades. Mas as propostas para que se escrevesse sobre a origem da poluição, e a quem tinha responsabilidade de a pagar, foram retiradas do documento final.

Em 1972, a velha divisão entre os países ricos e industrializados do Norte e os países pobres e em desenvolvimento do Sul emergiu.

Reportagem Nações Unidas (som de arquivo):
Indira Gandhi, primeira-ministra da Índia, chegou hoje para se dirigir à primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano: Países com uma pequena fração da população mundial consomem a maior parte da produção mundial de minerais, combustíveis fósseis e assim por diante. Assim, vemos que, quando se trata do esgotamento de recursos naturais e da poluição ambiental, o aumento de um habitante num país rico, com o seu padrão de vida, é equivalente a um aumento de muitos asiáticos, africanos ou latino-americanos com os seus atuais níveis de vida.

Este é Robert S. McNamara, antigo Secretário de Defesa dos Estados Unidos da América e então presidente do Banco Mundial.

Robert S. McNamara (som de arquivo):
Estamos reunidos nesta conferência mundial principalmente porque as provas são agora esmagadoras de que aproximadamente um século de avanço económico muito rápido em todo o mundo contribuiu para um ataque monstruoso à qualidade de vida nos países desenvolvidos.

Em 1970, os países em desenvolvimento, com duas vezes mais habitantes do que os países industrializados, usavam pouco mais de um sétimo da energia produzida no mundo. Segundo um estudo das Nações Unidas da época, um habitante médio da Irlanda, da Nova Zelândia ou dos Estados Unidos consumia quase o dobro das calorias do que uma pessoa na Bolívia, na Somália ou no Equador. 

Olof Palme (som de arquivo):
É um facto inescapável que cada indivíduo nos países industrializados utiliza em média 30 vezes mais os recursos limitados da Terra do que o seu semelhante num país em desenvolvimento.

Neste cenário descrito pelo primeiro-ministro sueco, Olof Palme, anfitrião da conferência de Estocolmo, a prioridade dos países mais pobres era o desenvolvimento. Não existe arquivo em vídeo de todas as declarações, mas estas estão resumidas no relatório da conferência. Havendo tão grandes desigualdades no acesso aos recursos, os seus representantes afirmavam que ser mais exigente na proteção ambiental e abandonar as baratas fontes de energia fóssil teria um custo que não poderiam suportar. Havia um consenso geral de que “não crescimento” era inaceitável. Era uma questão de sobrevivência; a única forma de crescer rapidamente e tirar milhões de pessoas da pobreza – como tinham feito, um século antes, os países que se industrializaram primeiro.

Estocolmo, em 1972, foi também o local onde vários líderes do Sul Global, muitas antigas colónias, tiveram palco para exigir aos grandes poluidores que assumissem equitativamente as suas responsabilidades. “Seria intolerável se os países que criaram os problemas ambientais esperassem que outras pessoas suportassem o custo”, disseram

Estas palavras foram ditas há 48 anos – Portugal ainda vivia em ditadura, faltavam 19 anos para o nascimento da Web como um serviço público de Internet, os mesmos anos que demoraria a desmoronar-se a União Soviética.

Os Estados Unidos e a União Europeia eram, desde a revolução industrial, os principais emissores globais de dióxido de carbono. Em 1970, eram responsáveis por 45% do que era emitido à escala global. E desde então, as emissões mundiais duplicaram. A China tornou-se a maior poluidora em 2005, batendo ano após ano o seu próprio recorde. Mas os países mais pobres, tanto no passado como agora, contribuíram muito pouco para a crise climática que os afetaria em primeiro lugar.

Apesar do otimismo com que o secretário-geral da conferência, Maurice Strong, saiu de Estocolmo…

Maurice Strong (som de arquivo):
O Homem chegou a um daqueles pontos seminais na sua História, onde as suas próprias atividades são os principais determinantes do seu próprio futuro…

…este multimilionário que quatro anos depois foi presidente da companhia nacional de petróleo canadiana e fez carreira nas Nações Unidas, nunca veria a diferença entre Norte e Sul desaparecer das discussões mundiais sobre ambiente e clima. Esse nunca deixou de ser o ponto de rutura das negociações. Vinte anos depois de Estocolmo, foi assim na Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, e em cada uma das 25 conferências do clima que se seguiram. Cimeira após de cimeira, ficou clara a sólida divisão do Mundo.

III

Reportagem Nações Unidas (som de arquivo):
Riocentro, um subúrbio do Rio de Janeiro. A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente e Desenvolvimento está prestes a começar. Centenas de diplomatas, ambientalistas e jornalistas chegam ao maior encontro da ONU já realizado.

Entre 3 e 14 de junho de 1992, 20 anos depois da Conferência de Estocolmo, líderes de 172 países reuniram-se na segunda maior cidade do Brasil. A democracia no país voltava a ser criança e a constituição federal pós-ditadura militar, assinada em 1988, quatro anos antes, era uma das mais progressistas em matéria de proteção ambiental. 

Nesse ano de 1992, continuava presente a luta do sindicalista Chico Mendes, líder da resistência dos seringueiros da Amazónia, considerados os agricultores da floresta, contra as grandes empresas agropecuárias. O ativista que denunciara a substituição do Homem pelo boi na floresta ocupada pelos madeireiros tinha sido assassinado quatro anos antes da conferência.

Neste contexto, naquele momento, a preservação ambiental parecia interessar a todos.

Reportagem Nações Unidas (som de arquivo):
Celebridades como a estrela brasileira do futebol Pelé chamam a atenção do mundo.

Maurice Strong:
Posso usar uma camisola como tu, Pelé, mas não posso jogar futebol como tu.

Pelé:
Mas aqui estamos estamos na mesma equipa. Sem problema.

Maurice Strong:
Absolutamente. A equipa da Terra.

Esperava-se que, no Rio de Janeiro, se lançasse as bases para uma parceria entre países em desenvolvimento e industrializados em questões como a conservação da natureza e a proteção da camada de ozono.

Gro Harlem Brundtland, antiga primeira-ministra norueguesa (som de arquivo):
O tempo é curto para corrigirmos os atuais padrões insustentáveis de desenvolvimento humano. Temos de erradicar a pobreza. Temos de atingir maior igualdade dentro de e entre nações. Temos de conciliar atividades humanas e os seus números com as leis da natureza. Todos seremos responsáveis pelo que falharmos em concordar no Rio.

Como pano de fundo das negociações estava um documento marco da ONU, o relatório Brundtland. Nome oficial: “Relatório da Comissão Mundial de Meio Ambiente e  Desenvolvimento, o Nosso Futuro Comum”. Apresentado em 1987, resultou de um pedido do Secretário Geral das Nações Unidas à primeira-ministra norueguesa Gro Harlem Brundtland para presidir a uma comissão independente que estudaria a relação entre desenvolvimento e ambiente. O resultado foi uma ode ao desenvolvimento sustentável. O relatório Brundtland argumenta que os ecossistemas não têm capacidade para suportar os padrões insustentáveis de consumo e produção dos países industrializados, padrões esses depois reproduzidos pelos Estados em desenvolvimento. 

“O que é necessário agora é uma nova era de crescimento económico”, escreveu Brundtland no relatório, “crescimento forte e ao mesmo tempo social e ambientalmente sustentável”.

Nesta Conferência da Terra quase todos os países do mundo assinaram a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas. Um tratado internacional em que se comprometeram a estabilizar as concentrações de gases com efeito estufa na atmosfera. Isto de forma a evitar que as emissões provenientes da produção e consumo humanos continuem a destabilizar o funcionamento do sistema climático. 

Esta Convenção é também o motivo porque todos os anos, desde 1995, os 197 países signatários se reúnem numa Conferência das Partes – aquilo que costumamos ouvir chamar de COP, que não é mais do que o órgão supremo de decisão da Convenção. Nestas reuniões, os Estados assumem compromissos, revêem os anteriores e, em teoria, procuram melhorar as suas condutas e políticas ambientais.

A discussão deste e mais quatro documentos que viriam a ser assinados no Rio de Janeiro  deixou à vista o enorme fosso que se pretendia remediar. Em cima da mesa estava também a Convenção da Biodiversidade, que exige inventários de todas as espécies vivas para a sua preservação. E três documentos sem força de lei: a Declaração de princípios do Rio, uma declaração que enfatiza a proteção do meio ambiente em todos os aspectos do desenvolvimento económico; a Agenda 21, um plano de ação para redirecionar as economias para o desenvolvimento sustentável; e uma declaração sobre os Princípios das Florestas, que procura equilibrar o direito soberano dos países utilizarem as suas florestas com a necessidade de as proteger.

Para assinar isto, os países do Sul Global pediam esforços reais de financiamento aos principais países emissores, como disse Anwar Saifullah Khan, ministro do ambiente e dos assuntos urbanos do Paquistão, e porta-voz dos países em desenvolvimento.

Anwar Saifullah Khan (som de arquivo):
Não podemos salvar o ambiente se os ricos se recusarem a prestar maior ajuda aos pobres e continuarem relutantes em melhorar as condições de comércio.

A mesma ideia foi defendida pelo presidente do México, Carlos Salinas de Gortari, e o ministro dos negócios estrangeiros da Nigéria, Ike Nwachukwu.

Carlos Salinas de Gortari (som de arquivo):
Temos também de estar cientes de que nem todos contribuem de igual forma para a degradação. Portanto, não temos uma participação igual nessa solução.

Ike Nwachukwu (som de arquivo):
A transferência de tecnologia ambientalmente sustentável vai promover o aproveitamento da enorme biodiversidade do Sul para vantagem mútua dos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Nesta Conferência do Rio, em 1992, Hassan Habibi, vice-presidente iraniano, apontou para a pobreza, o colonialismo e os insustentáveis padrões de vida como causas de uma degradação ambiental irreversível.

Hassan Habibi (som de arquivo):
Os países desenvolvidos utilizaram de forma desproporcional os recursos da Terra, proporcionando, assim, ao seu próprio povo uma alta taxa de crescimento e bem-estar às custas da degradação ambiental e da pobreza de outras nações. Uma mudança nos padrões de consumo e produção nos países desenvolvidos é necessária para criar um equilíbrio económico e social entre o Norte e o Sul.

Muito poucas declarações no interior da Conferência fizeram eco das vozes que, aos milhares, se manifestavam e reuniam do lado de fora.

Bianca Jagger, ativista britânica (som de arquivo):
Não há apenas o Primeiro e o Terceiro Mundo. Nós temos o Quarto Mundo. O Quarto Mundo são os povos indígenas, são mulheres e crianças. Nós somos as minorias que não têm voz.

Jewel James, ativista indígena (som de arquivo):
O tempo em que podias simplesmente dominar as mulheres e a Terra passou.

Stephen Gan, ativista malaio (som de arquivo):
Pela primeira vez, tens um grupo de pessoas que são muito, muito críticas da Cimeira da Terra. Pela primeira vez, tens um grupo de pessoas que estão a dizer que a Cimeira da Terra falhou. Que é uma farsa completa e que ficará para a História como uma fraude total.

Pauline Tangora, ativista (som de arquivo):
O lixo nuclear, o lixo químico e a guerra não foram discutidos nesta conferência. O maior poluidor de todos é o que resulta da guerra.

Ativista (som de arquivo):
Eu acho que todos os seres vivos têm os seus direitos, porque eles estão aqui há quase tanto tempo quanto nós. Só porque eles não podem falar não significa que não tenham direitos. Não devíamos ir lá e cortar. Devíamos, pelo menos, guardar espaço para eles. Quero dizer, nós estamos a ocupar todos aqueles grandes espaços e a expulsá-los das suas casas. Não devíamos fazer isso.

Enquanto isto acontecia, no interior da Conferência desenhava-se um impasse. Os Estados Unidos da América resistiam a assinar uma Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas que definisse metas para a redução de gases com efeito de estufa. Um jornalista perguntou a Michael Young, representante do governo norte-americano:

Jornalista (som de arquivo):
Tem havido relatos de que o Governo dos Estados Unidos tem pressionado os governos da Áustria, Suíça e Países Baixos a não assinarem um acordo fora da convenção climática que os comprometeria a eles, e talvez a alguns outros países europeus, a reduzir as emissões de dióxido de carbono até 2000 para os níveis de 1990.

Michael Young:
Não, os Estados Unidos nunca pressionam ninguém [risos].

Os Estados Unidos argumentavam que estabelecer objetivos de redução de emissões colocava a carroça à frente dos bois. Era preciso antes determinar quais as ações específicas que seriam tomadas para atingir esse objetivo. Algo a que outros países industrializados se opunham: Brian Mulroney, primeiro-ministro do Canadá, disse que os países tinham obrigação de decidir ações concretas; Klaus Töpfer, da Alemanha, defendeu a imposição de taxas e impostos na energia e CO2; o presidente francês François Mitterrand afirmou que preferia compromissos mais corajosos em ambas as convenções.

No final do dia, as nações adoptaram uma Convenção-Quadro à medida dos Estados Unidos, comprometendo-se a reduzir as emissões assim que possível, sem metas. Tal como pretendia o presidente George Bush, pai.

George H. W. Bush (som de arquivo):
Nós acreditamos que o ambiente e desenvolvimento – os dois assuntos desta conferência – podem e devem andar de mãos dadas. Uma economia em crescimento cria os recursos necessários para a proteção ambiental e a proteção ambiental torna o crescimento sustentável a longo prazo. Penso que o reconhecimento desse facto pelos líderes de todo o mundo é a conquista central desta importante conferência do Rio.

No texto final, os países também definiram cinco princípios que devem orientar as negociações à mesa das COP:

1. O princípio da equidade, que diz que as responsabilidades são comuns, mas diferenciadas. Os esforços devem ter em conta as capacidades de cada nação. Diz a Convenção – e cito: “Os países desenvolvidos devem assumir a liderança no combate às alterações climáticas”;

2. Ter em conta as necessidades e circunstâncias específicas dos países em desenvolvimento, que podem ser desproporcionalmente afetados pela crise climática.

3. A Convenção defende que devem ser aplicadas medidas para antecipar, prevenir ou minimizar as causas das alterações climáticas e mitigar os seus efeitos em todos setores económicos. Por outro lado, essas medidas – e estou citar – “devem ser rentáveis, a fim de garantir benefícios globais ao menor custo possível”.

. O 4.º princípio diz que os países têm direito a desenvolver-se de forma sustentável. Acrescentando que “o desenvolvimento económico é essencial” para lidar com a crise climática.

. Por último, no 5.º princípio, a Convenção diz que as medidas de combate à crise climática não devem interferir com o comércio internacional. Define que as partes devem apoiar o desenvolvimento económico dos mais pobres, mas que as medidas tomadas – e cito – “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional”.

IV

Depois do Rio, realizou-se uma COP e outra a seguir, sem grandes avanços. Até que, no final de 1997, o mundo se virou para Quioto.

Reportagem Associated Press (som de arquivo):
Explorar, poluir, expulsar pessoas da sua terra: é isso que vamos fazer aqui, nestas negociações do clima.
O facto é que a indústria do petróleo está a gastar milhares de milhões de dólares anualmente para explorar mais petróleo e gás em todo o mundo.

Ativista (som de arquivo):
Estas conversas são tão importantes, precisamos realmente de obter algo útil delas. Neste momento, os políticos estão a falar de objetivos muito limitados. Por favor, precisamos de grandes reduções se queremos realmente enfrentar o problema. Precisamos de mudar o nosso estilo de vida e precisamos que as multinacionais façam campanha ativamente a favor, não contra, este tipo de ação.

Na antiga capital do Japão, foi adoptado o Protocolo de Quioto, o primeiro e único acordo com força de lei que obriga países desenvolvidos a limitar a libertação de gases com efeito de estufa. Reconhece-se que são estes que têm a maior responsabilidade na crise climática e capacidade de a mitigar.

Reportagem Nações Unidas (som de arquivo):
Recomendamos, por unanimidade, a adoção deste protocolo.

Em parte, o que permitiu este acordo foi uma importante mudança de governo.

Albert Al Gore (som de arquivo):
Da nossa parte, os Estados Unidos continuam firmemente comprometidos com uma forte meta vinculativa que irá reduzir as nossas emissões em cerca de 30% em relação ao que de outra forma seriam. Um compromisso tão ou mais forte do que qualquer outro que tenhamos ouvido aqui de qualquer país.

Um compromisso do vice-presidente Albert Al Gore, conhecido pelo seu papel ambientalista e autor daquele que é talvez um dos mais famosos livros sobre a crise climática, Uma Verdade Inconveniente, publicado em 2006. Essa promessa foi reforçada pelo chefe de Estado Bill Clinton.

Reportagem Associated Press (som de arquivo):
Tenho o prazer de anunciar que hoje, em Nova Iorque, os Estados Unidos vão assinar o Protocolo de Quioto.

Bill Clinton (som de arquivo):
Ainda existem desafios difíceis, especialmente com os países em desenvolvimento. É essencial que eles participem de forma significativa se quisermos realmente enfrentar este problema.

O passo seguinte passou convencer um número de governos a ratificar o documento e vertê-lo na lei nacional. Apesar do otimismo criado pelos líderes mundiais no Japão, este processo demorou oito anos. O acordo só entrou em vigor em 2005, ratificado por quase 160 países. Comprometeu 38 nações industrializadas a reduzir entre 2008 e 2012 (o primeiro período de compromisso), pelo menos, 5% das suas emissões em relação aos níveis de 1990. A União Europeia comprometeu-se com uma redução de 8%, repartindo os esforços pelos seus, à época, 15 Estados-membro. 

Reportagem Rede Globo (som de arquivo):
O resultado da Conferência de Quioto é bem modesto e reflete o peso dos países ricos, eles poluem a atmosfera mais do que devem e vão reduzir a emissão de gases venenosos menos do que podem.

O Protocolo de Quioto nunca obrigou os principais emissores a nada. Conseguiu apenas cobrir 18% das emissões globais. A China e a Índia, como países em desenvolvimento, não tinham metas obrigatórias. E os Estados Unidos, então o maior emissor à escala global, depois de uma nova mudança de governo, nunca chegaram a ratificar o acordo. 

O presidente George Bush, filho, afirmou que o resto do mundo, apontando para as economias emergentes, também tinha que fazer a sua parte, e que fazê-lo teria consequências negativas para a economia.

George W. Bush (som de arquivo):
Para a América, cumprir essas metas teria um impacto económico negativo, com a dispensa de trabalhadores e o aumento de preços para os consumidores.

No período em que esteve em vigor, entre 2008 e 2012, o Protocolo de Quioto surtiu efeito na maioria dos países europeus e na Rússia. A soma das emissões dos Estados que tinham metas caiu significativamente. Contudo, globalmente, não pararam de aumentar. 

No meio deste processo, em 2011, o governo conservador do primeiro-ministro Stephen Harper decidiu retirar o Canadá do protocolo, ainda antes de ter feito alguma coisa para o implementar. É preciso um acordo com todas as nações, disse o ministro do Ambiente Peter Kent.

Peter Kent (som de arquivo):
O Protocolo de Quioto não abrange os dois maiores emissores do mundo, os Estados Unidos e a China e, portanto, não pode funcionar.

Depois do Protocolo de Quioto, as metas do clima eram uma página em branco. Não havia mais nenhum acordo que legalmente obrigasse os países a reduzir as suas emissões. Esperava-se que na Conferência das Partes de 2009 se preenchesse esse vazio. 

V

Christiana Figueres, antiga secretária-executiva da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (som de arquivo):
2009. Copenhaga. Quem se lembra de Copenhaga? Bem, depois de anos a trabalhar com vista a um acordo climático, os mesmos governos reuniram-se em Copenhaga e falharam miseravelmente.

Kumi Naidoo, ativista da Greenpeace (som de arquivo):
Se isto é o melhor que podemos obter, então o que os países mais poderosos, e particularmente os Estados Unidos, estão essencialmente a dizer é que estamos a emitir uma sentença de morte para os povos dos pequenos estados insulares.

Na primeira cimeira do clima com Barack Obama na presidência dos Estados Unidos, em que o primeiro ministro chinês Wen Jiabao se recusou a aparecer, as negociações colapsaram.

Lars Loekke Rasmussen (som de arquivo):
Acho que o mundo espera que cheguemos a algum tipo de acordo sobre alterações climáticas, não apenas que continuemos a discutir procedimento, procedimento, procedimento…

Como diz Lars Loekke Rasmussen, primeiro-ministro dinamarquês que então presidiu à conferência, durante duas semanas não se discutiu muito mais do que tecnicalidades. O resultado foi um acordo político de duas páginas e meia, com considerações vagas e nada de vinculativo.

VI

Depois do colapso diplomático que foi a conferência de Copenhaga, a  Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, que coordena os trabalhos nas várias COP, teve que convencer as indústrias e os governos de que a adaptação e mitigação da crise climática era uma boa ideia de negócio. Esta é Christiana Figueres, a diplomata costa-riquenha que dirigiu a Convenção-Quadro entre Copenhaga e Paris. Ela contou o que aconteceu nesses seis anos numa Ted Talk, em 2016.

Christiana Figueres (som de arquivo):
Começamos a ver que as tecnologias limpas, em particular as de energias renováveis, começaram a descer de preço e aumentar em capacidade, até ao ponto de hoje já estarmos a construir sistemas de energia solar concentrada que têm capacidade para abastecer cidades inteiras. E com essa mudança nas tecnologias, fomos capazes de começar a perceber que houve uma mudança na equação económica, porque fomos capazes de reconhecer que sim, existem enormes custos das alterações climáticas e, sim, há riscos agravados. Mas também existem existem vantagens económicas e benefícios intrínsecos, porque a disseminação de tecnologias limpas vai-nos trazer ar mais limpo, melhor saúde, melhores transportes, cidades mais habitáveis, maior segurança energética, maior acesso à energia no mundo em desenvolvimento. Em suma, um mundo melhor do que temos agora. E entendendo isso, vocês deviam ter testemunhado a disseminação de criatividade e entusiasmo que passou, primeiro pelos governos não nacionais, pelo setor privado, pelos líderes das indústrias, pelas companhias de seguros, pelos investidores, pelos líderes de cidades, pelas comunidades religiosas… Porque todos começaram a entender que isto pode ser realmente do seu interesse. E não foram apenas os suspeitos do costume. Tenho que dizer-vos que o diretor executivo de uma grande, grande companhia petrolífera veio ter comigo e disse – em privado, claro – que ele não sabia como ia mudar a sua empresa, mas que ia mudá-la, porque ele está interessado na viabilidade a longo prazo. Com isto, com apoio mais alargado de todos, não demorou muito tempo até vermos os governos nacionais acordar para o facto de que isto era do seu interesse nacional.

É assim que chegamos a Paris, 2015, a vigésima primeira COP.

Reportagem Euronews (som de arquivo):
Onze dias de negociações na cimeira do clima em Paris e um projeto de acordo climática global delineado. 

Edna Molewa, ministra dos Assuntos Ambientais da África do Sul (som de arquivo):
Estamos preocupados que não pareça haver uma visão de longo prazo sobre a prestação de apoio nem um forte compromisso legal dos países desenvolvidos para fornecer financiamento, transferência tecnológica e capacitação.

Laurent Fabius (som de arquivo):
Observo a sala, vejo que a reação é positiva. Não ouço objeções. O acordo de Paris para o clima foi aceite.

A 12 de dezembro de 2015, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Laurent Fabius, anunciava um acordo histórico, aclamado por uma assembleia de 195 países. Pela primeira vez, um tratado internacional envolvia todos os Estados-membros do ONU num esforço colectivo para tentar conter a subida da temperatura do planeta. 

Laurent Fabius (som de arquivo):
Confirma o nosso objetivo central, vital mesmo, de conter o aumento da temperatura média bem abaixo dos 2ºC e de nos esforçarmos para limitar esse aumento a 1,5ºC.

Por causa das atividades humanas, a temperatura média do planeta está hoje entre 1 e 1,2ºC mais quente do que no período pré-industrial – 1850 é o ano que serve de referência para os cientistas. De Paris, saiu um acordo internacional para impedir que aumentasse muito mais. Os Estados comprometeram-se a manter – e estou a citar – “o aumento da temperatura média global bem abaixo dos 2ºC e prosseguir os esforços para limitar o aumento a 1,5°C”. Como? Cada Estado disse até onde queria ir na redução das suas emissões e… prometeu cumpri-lo. Mas o Acordo de Paris não é juridicamente vinculativo. Só cumpre quem quiser.

E mesmo que todos países cumprissem – o que não está a acontecer – a temperatura média na Terra ia, mesmo assim, ficar longe do objetivo de 2ºC. 

À semelhança do que aconteceu nas dezenas de documentos assinados ao longo de três décadas de discussões, o Acordo de Paris reflete as medidas mínimas que os chefes de Estados estão dispostos a tomar, nunca as necessárias. Uma das causas é a persistência de uma divisão, presente em todas as cimeiras do clima, desde 1972. Uma divisão centenária entre o Norte e o Sul. 

Subscreve a newsletter

Escrutinamos sistemas de opressão e desigualdades e temos muito que partilhar contigo.