Crise Climática

Manifestação “Enterrar de vez o Furo, Tirar as petrolíferas do Mar”

Pode uma pessoa estudar na Faculdade Preparatória do Instituto de Engenharia de Petróleos, em Baku, no Azerbaijão e, hoje, ser uma das caras que mais se opõe a este tipo de energia? Pode.

Vitor Manuel Gonçalves Aleixo, louletano de gema, é essa pessoa. Dá-se o caso de estar também Presidente de Câmara da sua terra e ser o rosto da oposição que a maioria das autarquias algarvias, do barlavento ao sotavento, faz à exploração de petróleo e gás no Algarve. Este sábado, 14, veio de Loulé até à Praça de Luís de Camões, em Lisboa, para participar na manifestação “Enterrar de vez o Furo, Tirar as petrolíferas do Mar”, que desembocou em frente à Assembleia da República e foi convocada por 28 coletivos e cinco partidos políticos.

Marchou-se contra as pretensões da italiana ENI e da GALP que detêm, respetivamente 70% e 30%, do contrato de concessão dos direitos de prospeção, pesquisa, desenvolvimento e produção de hidrocarbonetos da bacia em mar alto do Alentejo, numa área total de 4.546 km. Esta zona é composta por três blocos cujos nomes são, no mínimo, irónicos: Lavagante, Santola e Gamba. Celebrado com o Estado Português, em 2007, assinou o contrato Manuel Pinho, ministro da Economia do governo socialista de José Sócrates.

A 8 de janeiro passado, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, também socialista, prolongou por mais um ano o prazo que as empresas tinham para fazer um furo de prospecção no mar de Aljezur.

Pela terceira vez, o governo permitiu que os prazos esticassem para lá do contratualizado inicialmente no cronograma de trabalhos, por entender que os atrasos não eram responsabilidade das empresas, mas antes de várias alterações legais e procedimentos administrativos ou judiciais.

Grande parte da demora tem também que ver com o trabalho de oposição das associações de defesa de ambiente, populações locais e autarquias, sejam câmaras ou juntas de freguesia.

Depois de conseguirem o cancelamento das explorações na bacia do Algarve: atribuídas à Repsol e à Partex, em mar alto, e à Portfuel, em terra, têm lutado para impedir que se fure no bloco Santola, 46,5 km a oeste da costa de Aljezur.

Embora grande parte dos autarcas do Algarve e do Sudoeste Alentejano digam ser contra o furo de Aljezur, Vítor Aleixo, de Loulé, foi o único presidente de Câmara presente na manifestação. Eleito pelo Partido Socialista, não alinha nas meias-tintas do Governo em relação à exploração de hidrocarbonetos em Portugal.

Neste dia a capa do caderno de economia do Expresso abria com o espetacular título: “Petróleo na Costa Vicentina pode chegar aos 1500 barris”. Detalhava ainda: “Valor equivale a 17 anos de importações de petróleo. Eni e Galp admitem que projeto pode ajudar a reduzir o défice comercial. Receita supera 57€ mil milhões. Nos 30 anos da concessão o Estado pode receber 4 mil milhões em royalties”.

A fonte desta informação? O consórcio Eni/Galp.

Muitas das mais de mil pessoas que entoavam, entre outras, palavras de ordem como “Não ao furo, sim ao futuro”, viram no exclusivo jornalístico um exemplo de lobby das petrolífera, sinal de estão com receio da contestação. Do Alentejo, veio Eugénia Santa Bárbara. Faz parte do ALA – Alentejo Litoral pelo Ambiente, um coletivo informal nascido para impedir que as supostas vantagens do ouro negro alterem ainda mais a realidade de Sines, onde mora. Não admite a hipótese de que a perfuração avance.

Ainda não é claro que haja furo. Em maio de 2017 a Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) interpôs uma providência cautelar contra o Ministério do Mar para o impedir o início da prospecção de petróleo ao largo de Aljezur, no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Em fevereiro deste ano, a Plataforma chegou a acordo com o Ministério do Mar e suspendeu por três meses os efeitos da providência cautelar, uma vez que Agência Portuguesa do Ambiente (APA) decidiu abrir uma consulta pública à realização da sondagem de pesquisa Santola 1X, nome de código do furo. Até esta segunda – feira, 16 de abril – a APA, aceitou ouvir as populações e perguntar-lhes se queriam ou não que fosse feita uma Avaliação de Impacte Ambiental ao furo de pesquisa em alto mar, procedimento a que a lei não obriga. Segundo o portal online Participa – página do Estado onde estão disponíveis todas as consultas públicas feitas em Portugal – participaram 578 pessoas. Mas o número poderá ser maior, juntando as participações enviadas à APA por outros meios.

Agora a Agência Portuguesa do Ambiente tem 20 dias para se pronunciar sobre a “susceptibilidade” do projecto “provocar impactes significativos no ambiente”, conforme dita a lei. Havendo furo, será em Sines a base logística da empreitada em alto mar, aproximadamente a 88 km do local da sondagem. A data de início da perfuração está estimada entre o fim do terceiro trimestre e o início do quarto trimestre de 2018 e a ENI prevê que dure 46 dias.
Será feita a uma profundidade inicial de 1070, pelo navio de sondagens Saipem 12 000. Esta embarcação é detida indiretamente pela ENI, que é accionista da empresa Saipem Spa, a dona do barco.

Esta segunda-feira, 16 de abril, a atribuição da licença para pesquisa de petróleo ao largo de Aljezur, no Algarve, foi considerada o pior subsídio aos combustíveis fósseis na Europa. A segunda edição deste prémio, de votação online, em que qualquer pessoa podia participar, foi uma iniciativa da Rede Europeia para a Acção Climática (CAN Europa), que junta 140 organizações de mais de 30 países.

Mas o apoio do Estado Português ao setor petrolífero é também monetário, através de borlas fiscais. Desde 2010, que a Saipem Portugal, subsidiária da empresa que detém o barco que fará em sondagem em Aljezur, recebeu mais €200 milhões de isenções em impostos, por ter sede na Zona Franca da Madeira, o off-shore oficioso do Estado Português.

Em terra também se quer furar. E, no continente, a procissão ainda vai no adro. Se a Sul não há dúvida de que autarcas, populações ou empresários não querem nada com petróleo ou gás, no Centro do país a situação é dúbia. Pouco se fala sobre assunto.

Ricardo Vicente, do Colectivo Peniche Livre de Petróleo, discursou para garantir que os políticos na Assembleia da República percebem a mensagem.

A 30 de setembro de 2015, o Estado Português assinou com a empresa australiana Australis Oil & Gas Portugal contratos de concessão, com validade de 8 anos, para os blocos “Batalha” e “Pombal“, numa área designada Bacia Lusitânica que abrange localidades tão icónicas como Nazaré, Fátima e Batalha.

Era Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia do governo de Passos Coelho, o vice-presidente do PSD, Jorge Moreira da Silva, atualmente diretor-geral de Desenvolvimento e Cooperação na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

A Australis já está no terreno. Na freguesia de Aljubarrota, em Alcobaça, fazem-se obras de escavação e aterro para preparar um furo de 3200 metros na vertical e um outro, na horizontal, entre os 300 a 700 metro, que a empresa prevê para 2019.

Segundo a lei, é a Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC) que dá licença para se fazer o furo, mas tem de pedir um parecer prévio à autoridade de Avaliação de Impacte Ambiental, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para que esta se pronuncie sobre o eventuais impactes do projeto a nível ambiental.

A técnica da APA é chutar a bola para os cidadãos. Assim como fez com o furo de Aljezur, abriu uma consulta pública designada – “apreciação prévia de sujeição a procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental da Sondagem de Prospeção e Pesquisa na Área de Concessão Batalha” – em que pergunta às pessoas se acham que este furo de teste em Aljubarrota deve ou não ser sujeito a avaliação de impacte ambiental.

Até 11 de maio qualquer pessoa pode ir ao site www.participa.pt e dar a sua opinião.

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