Legislativas 2019

Mário Guedes sobre minas e energia

Mário Guedes é um homem das minas e foi neste setor que fez grande parte da sua vida profissional. Licenciou-se em Engenharia de Minas e Geoambiente e tem um mestrado em Gestão Ambiental. Já trabalhou no setor privado mas, por duas vezes, – entre 2010 e 2013 e, depois, entre 2016 e 2017 – integrou o conselho de administração da empresa estatal de desenvolvimento mineiro, a EDM

Foi recrutado para apoio na secretaria de Estado da Energia por Jorge Seguro Sanches, ex-secretário de Estado da Energia (SEE), que ocupou o cargo entre 2015 e 2018. Em abril de 2017, chegou a diretor-geral de Energia e Geologia. Esteve vários meses em regime de substituição até ser formalmente designado, em agosto de 2018, para um mandato de cinco anos. No entanto, três meses depois, em novembro passado, João Galamba, atual SEE, demitiu-o. Justificou que “sendo um especialista em pedreiras e minas, entendeu-se que não tinha o perfil indicado.”

Mário Guedes não quer falar muito sobre isto. Deixa as ações com quem as tomou. A sua fugaz passagem com plenos poderes por uma das mais poderosas e complexas entidades do Estado ficou marcada por um quadro de conflitos permanentes entre os decisores políticos e reguladores da área da energia, e a EDP. 

Em disputa, por exemplo, estão os CMEC ou Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual. Esta é uma das maiores fontes de receita da elétrica que já foi portuguesa mas que, hoje, é controlada pelo estado Chinês, que detém 28,25% dos direitos de voto, após a conclusão da privatização feita pelo governo da coligação PSD/CDS, liderado por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas, quando vendeu os 21,35% da Parpública, a empresa que geria as participações do Estado. 

No final de 2004, para compensar a EDP pela extinção antecipada de contratos de venda de energia em 32 centrais de produção, na sequência da criação do mercado ibérico de electricidade, surgem os CMEC. Foram regulamentados no governo liderado por Pedro Santana Lopes, que concorre como cabeça de lista do Aliança (o partido que fundou), pelo círculo de Lisboa, às eleições de 6 de outubro. A decisão aprovou-se vai fazer 15 anos: aconteceu no conselho de ministros de 11 de novembro de 2004, em Bragança. À mesa sentaram-se, entre outros, Álvaro Barreto, o ministro das Actividades Económicas e do Trabalho à época, que tutelava a pasta da energia, e António Mexia, atual presidente executivo da EDP e que era, na altura, ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Mas passaram-se três anos até entrar efetivamente em vigor, em julho de 2007, José Sócrates era chefe de governo e a pasta da energia estava nas mãos do ministro da Economia, Manuel Pinho. 

Cortar ou não cortar?

Caso os CMEC vigorassem durante o período previsto pela lei (entre 2007 e 2027), os consumidores de electricidade pagariam 510 milhões de euros a mais à EDP, concluiu a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) num relatório entregue ao Governo, em setembro de 2017. Até esse mesmo ano, o governo e a ERSE estimam que a elétrica tenha recebido, pelo menos, 285 milhões de euros em rendas excessivas do regime de CMEC. Mário Guedes considera-os “um contrato ruinoso para o consumidor” porque “foram aplicados de uma forma que distorceu todo o mercado”. 

A EDP sempre negou qualquer tipo de vantagem. António Mexia, foi, em fevereiro deste ano, à comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de electricidade defender que a criação do regime CMEC não foi um “capricho” do Governo ou da EDP. Sem estes contratos, disse o presidente executivo da elétrica, “o Estado teria que ter pago mais de 10 mil milhões de euros à EDP” pela abertura dos contratos ao risco de mercado. 

Um ano antes, em fevereiro de 2018, o Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República publicou um parecer em que considera que nos últimos dez anos a elétrica tinha recebido benefícios aos quais não tinha direito e que estes deveriam ser devolvidos. Disse também que “aspetos inovatórios” que existissem nos atuais contratos eram nulos. 

Na sequência de dois despachos do anterior secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, apoiados por informação prestada pela DGEG, o Governo exigiu à EDP que devolvesse ao sistema elétrico 285 milhões de euros, pagos a mais pelos contribuintes, através da alegada sobrecompensação no regime dos CMEC. No final do ano passado, a ERSE revelou que nos próximos três anos, e pela primeira vez desde que os CMEC foram criados, a EDP não receberá qualquer valor desta renda anual. Em 2016, uma auditoria realizada pela consultora norte-americana Brattle Group veio confirmar aquilo que a ERSE e a Autoridade da Concorrência já tinham apontado: que “as centrais com CMEC auferiram receitas em mercado inferiores àquelas que teriam auferido com uma operação eficiente, dando assim origem a uma sobrecompensação no auxílio de Estado recebido [os CMEC]”. A auditoria estimou que a EDP teria sido sobrecompensada entre 46,6 e 72,9 milhões de euros, de 2009 a 2014. 

Estava também em cima da mesa a possibilidade de serem exigidos à EDP os 72,9 milhões de euros identificados na auditoria da Brattle como sobrecompensações resultantes  dos CMEC. Em outubro de 2018, Eduardo Catroga, membro do Conselho Geral e de Supervisão da EDP, indicado pela China Three Gorges, a maior acionista da elétrica, admitiu numa entrevista ao jornal online ECO: “Há alguma indignação dentro da empresa, dos acionistas, em relação ao Governo. Há a esperança que seja passageiro, porque a confiança é um elemento determinante.” 

A semana passada, a 24 de setembro, soube-se que o Ministério do Ambiente e da Transição Energética, que abriga a secretaria de Estado da Energia, chefiada por João Galamba, ia, para já, deixar de reclamar o valor à EDP, adiando a tomada de decisão final para a próxima legislatura e só depois de receber um parecer do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, para ter certeza das bases legais da posição. 

Além deste, quando Mário Guedes saiu da DGEG tinha outros cortes em gaveta. A 14 fevereiro, afirmou na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas do setor da energia que havia ainda um processo de sanção à EDP por abuso de posição dominante no mercado e que este estava praticamente concluído quando foi exonerado pelo novo secretário de Estado, João Galamba. Em causa estava uma dupla compensação da EDP Produção, que, segundo a presidenta da Autoridade da Concorrência (AdC), Margarida Matos Rosa, “poderá ter gerado um dano para o sistema elétrico nacional e para os consumidores de cerca de 140 milhões de euros”.

No preciso momento em que esta entrevista era gravada soube-se que AdC condenou a EDP a uma coima de 48 milhões de euros. Mais uma vez, a elétrica anunciou que vai recorrer da decisão. 

Até ao dia 6 de outubro, vamos estar focados no escrutínio de alguns dos assuntos que consideramos mais importantes à medida que se aproxima a votação que definirá a composição da próxima Assembleia da República e do próximo Governo. Vê toda a nossa cobertura das Eleições Legislativas 2019 aqui.

Título atualizado a 6 de outubro de 2023, para substituir a citação “Os CMEC foram ruinosos para o consumidor” pela indicação do tema da entrevista.

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