DESASSOSSEGO: SÉRIE SOBRE SAÚDE E DOENÇA MENTAL

Debate sobre liberdade e saúde mental: como se protege uma pessoa incapaz de se proteger?

00:00

Quando um profissional de saúde se compromete a agir em benefício de quem cuida, isso inclui o respeito pela sua autonomia e vontade, começa o psicólogo Elias Barreto. O consentimento informado é o princípio base. A pessoa doente deve ser o árbitro final de qualquer decisão sobre o seu tratamento. Não pode haver paternalismo que lhe retire o direito de receber explicações, de ver as suas perguntas respondidas e de lhe ser dado espaço para cooperar. “Mas há situações excecionais que requerem medidas excecionais.” É o mote para o debate gravado este sábado no Teatro Ibérico, em Lisboa, sobre liberdade, tratamento involuntário e o ténue balanço entre eles. Convidámos Elias Barreto, psicólogo clínico e psicoterapeuta no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, que há quase 30 anos trabalha junto de pessoas em situação de sem-abrigo e pessoas particularmente vulneráveis, e Susana Pinto Almeida, psiquiatra prisional no Hospital de São João de Deus, em Caxias, e perita forense no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses. Quem protege uma pessoa incapaz de se proteger? De que forma deve alguém ser tratado contra a sua vontade? Onde se traça a linha que suspende a autodeterminação?

“A capacidade de autonomia pressupõe um mínimo de integridade psíquica”, continua Elias Barreto. É aqui que pode entrar o tratamento involuntário ou compulsivo, que a lei exige que seja determinado por dois médicos e sindicado por um tribunal. É uma opção quando alucinações graves e persistentes, pensamentos delirantes e desorganizados ceifam a capacidade de tomar decisões livres. Aí, no confronto dos direitos fundamentais à autodeterminação e à saúde, a psiquiatria tem critérios bem definidos para avaliar se a integridade da vontade está comprometida e a percepção está doente, diz Susana Pinto Almeida. A decisão é médica. 

“Mas também há situações de abuso”, refere Elias Barreto. “Às vezes, há uma pressão grande da comunidade para internar pessoas com maus comportamentos, que podem estar associados ao uso de substâncias ou características da personalidade. Isso já é uma situação abusiva desta medida.” E às vezes também se peca por defeito, retratam ambos. Há situações graves de pessoas com avançada deterioração psíquica que não são internadas por falta de quem lhes cuide. “Porque, por exemplo, já não causam suficiente incómodo, passam despercebidas – já não deliram, já não alucinam, mas estão muito, muito doentes. E estas pessoas podiam beneficiar de um internamento para inverter aquela marcha trágica.”

Este debate foi preparado em conjunto com o grupo que integra a Rádio Aurora – A Outra Voz, uma rádio gravada a partir do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, vulgo Hospital Júlio de Matos, e feita por pessoas com historial psiquiátrico.

Subscreve a newsletter

Escrutinamos sistemas de opressão e desigualdades e temos muito que partilhar contigo.