Ambiente

Carla Amado Gomes sobre impacte ambiental e grandes obras

Entre 5 de março e 16 de abril de 2018, esteve aberta uma consulta pública relativa à necessidade de realizar uma Avaliação de Impacte Ambiental de uma sondagem de pesquisa de petróleo, ao largo de Aljezur. No parecer final, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) desconsiderou as cerca de 1600 participações contra o projecto, a maioria de pessoas a título individual.

A entidade pública alegou que as considerações diziam, na generalidade, respeito à exploração de hidrocarbonetos, matéria que, segundo a APA, não era “objeto da presente pronúncia, que, recorda-se, se cinge exclusivamente à sondagem de pesquisa.” 

Sobre esta questão, Ana Delicado, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e vice-coordenadora do Observa, Observatório de Ambiente, Território e Sociedade, escreveu:

“Da publicitação quase secreta nas sedes de concelho e num obscuro site da APA avançou-se para um portal próprio, o “Participa!”, onde estão disponíveis todos os processos de consulta pública não só de Avaliação de Impacte Ambiental mas também de planos, programas, estratégias, licenciamentos, avaliação de incidências ambientais e outros. O portal disponibiliza toda a informação necessária e um formulário muito simples para os cidadãos fazerem chegar os seus comentários. (…) Mas para que serve tanta acessibilidade (que mesmo assim é restrita aos utilizadores da internet, deixando de fora as camadas da população com menos recursos de literacia digital) quando depois os comentários dos não especialistas são ignorados? Para que serve disponibilizar tanto documento e relatório quando os cidadãos não têm oportunidade de fazer perguntas e ver as suas dúvidas esclarecidas em linguagem que entendam?” 

Participação a fingir?

Se ouvir as pessoas se resumir a um procedimento burocrático, na prática, está-se só a fazer de conta de que a opinião delas importa? Carla Amado Gomes, especialista em Direito Ambiental e professora na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, acredita que, em Portugal, a participação pública em projetos com grandes impactes ambientais tem sido muitas vezes descartada. É um formalismo que se segue à tomada de decisão política, diz. 

É o que vê acontecer com a criação do sistema aeroportuário de Lisboa, que implica a ampliação do Aeroporto Humberto Delgado, na Portela, e a transformação da Base Aérea n.º 6 do Montijo num aeroporto civil. Afinal, o segundo Estudo de Impacte Ambiental sobre a construção desta infraestrutura, localizada seis quilómetros a sul da Reserva Natural do Estuário do Tejo, esteve em consulta pública até dia 19 de setembro, mas há um acordo para que a obra avance, assinado entre o Governo e a promotora, a ANA – Aeroportos, desde o início do ano. 

Esta postura constituiu uma “pressão política inaceitável, colocando em causa todo o processo de avaliação ambiental, incluindo a participação pública justa e informada”, entendem cinco organizações não-governamentais de ambiente, que deram parecer negativo ao estudo elaborado pela empresa Profico Ambiente. GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente, LPN – Liga para a Protecção da Natureza, Fapas – Fundo para a Protecção dos Animais a Selvagens, SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves e A Rocha apontaram ainda “falhas em todas as vertentes relacionadas com a avaliação de impactes, a mitigação e as medidas compensatórias”. Dizem também que “não avalia os impactos na qualidade de vida e na saúde pública das populações que vivem nas áreas que passarão a ser sobrevoadas por aeronaves”.

CORREÇÃO [02.10.2019]

Ao contrário que se ouve na entrevista, na pergunta feita aos 24 minutos, o número de estudos de Impacte Ambiental chumbados em Portugal, nos últimos 25 anos, é de 144, como adianta esta notícia do Público, e não 444, como por lapso se refere. As nossas desculpas.

Até ao dia 6 de outubro, vamos estar focados no escrutínio de alguns dos assuntos que consideramos mais importantes à medida que se aproxima a votação que definirá a composição da próxima Assembleia da República e do próximo Governo. Vê toda a nossa cobertura das Eleições Legislativas 2019 aqui.

Citação “Há atropelos à legislação ambiental no novo aeroporto” substituída a 6 de outubro de 2023 pela indicação do tema da entrevista, no título.

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