Imigrantes em protesto dormem à porta do SEF

Quando os funcionários da delegação regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiros (SEF) de Lisboa passarem a porta do número 20 da Avenida António Augusto de Aguiar verão um cenário pouco habitual. Cerca de 20 imigrantes do Paquistão, Índia, Bangladesh, Nepal e Sri Lanka pernoitaram nas escadas toda a noite. Desde esta quarta-feira, 25, que se concentram em protesto contra a demora destes serviços em atribuir os títulos de autorização de residência. Trouxeram mantas, sacos-camas, alguma comida. Prometem não arredar pé.

“Paguei 800 e tal euros pela autorização de residência e já passaram dois anos e ainda não recebi o cartão.”
Atif, 25 anos, Paquistão.

Trabalham na agricultura, em hotéis, lojas de conveniência e pequenos negócios e vieram do Algarve, Alentejo, Porto. Apesar de já terem efetuado todos os procedimentos burocráticos previstos, os mesmos terem sido aceites e deferidos, e pelo caminho terem pago centenas de euros, a entidade que regula e fiscaliza a imigração tem demorado no mínimo dois anos a despachar as situações, nomeadamente a entrega do título de residência.

Contudo, a Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional é clara, no artigo 82.ª e seus quatro pontos:

1 — O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 60 dias.
2 — O pedido de renovação de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 30 dias.
3 — Na falta de decisão no prazo previsto no número anterior, por causa não imputável ao requerente, o pedido entende-se como deferido, sendo a emissão do título de residência imediata.
4 — A decisão de indeferimento é notificada ao interessado, com indicação dos fundamentos, bem como do direito de impugnação judicial e do respectivo prazo, sendo enviada cópia ao Conselho Consultivo.

Mas a nenhum é entregue título de residência de forma imediata, se cumprir os requisitos. Sem esse cartão é impossível saírem do país para visitar a família, por exemplo. Se o fizerem não poderão voltar a entrar em Portugal. Alguns contam não ver filhos e esposas há anos. Outros falam dos parentes doentes ou que morreram e dos quais não puderam cuidar ou sequer despedir-se.

“A um amigo meu morreu-lhe o pai e um filho e veio chorar para a porta do SEF. Mas eles disseram que não tinham solução.”

“Os portugueses vão todos os dias comer ao restaurante, mas não pensam em quem lá trabalha, quem lava os pratos, quem limpa o chão”.

Estas pessoas continuam a trabalhar e a pagar os seus impostos. Há quem trabalhe à noite, 12 horas e outras até 16 horas, mas o salário é o mesmo. Nós pagamos os impostos mas se por acaso falhamos o SEF diz-nos logo. Quanto pagamos tudo certinho, eles não cumprem”.
Sandeep Phagtana, 28 anos, Índia

Enquanto esperam, têm de continuar a pagar impostos, garantir um contrato de trabalho, descontar para a Segurança Social e cumprir todos os requisitos que a Lei impõe, sob pena de poderem perder o direito à autorização de residência, mesmo depois de tanto tempo à espera. Situações iguais a tantas outras que Jéssica Lopes, ativista na Solidariedade Imigrante e investigadora no CIES – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia de Lisboa, nos relatou neste episódio.

“Cheguei a Lisboa [para esta esta manifestação] às 04:45 da manhã, esperei que o metro abrisse, às 06h00 e vim para aqui”.

“Ninguém nos disse nada no SEF, nem o segurança. Nem olham para nós, é como se não estivéssemos aqui.”
Awais Mumtaz, 30 anos, Paquistão

Há quase um ano, a 13 de Novembro de 2016, reuniam-se no Martim Moniz, em Lisboa, cerca de 5000 imigrantes numa manifestação por direitos iguais e documentos para todos. Foi a maior manifestação de imigrantes de sempre em terras lusas. Meses mais tarde, em abril, “A Revolta dos Apanhadores de Laranjas” tinha lugar no Algarve e era à frente das instalações do SEF, em Portimão, que se dava a concentração.

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