Eleições em Angola: Afinal, quem venceu as eleições?

A 23 de Agosto, a única certeza, para uns, era a de que José Eduardo dos Santos abandonaria depois das eleições gerais em Angola o poder que ocupava desde há 38 anos atrás. O país viu apenas dois presidentes após a descolonização e apenas um partido no poder. “42 anos já pesa”, diriam alguns dos dissidentes Angolanos, ativistas pela democracia. Para outros, a certeza era clara: nada mudaria. Dizia-nos Domingos da Cruz, há uns meses atrás, que não é possível existir alternância de poder em regimes autoritários. E por isso não vota. Não votou ele nem votou o Sedrick de Carvalho, nem votaram muitos outros. Nenhum deles quis fazer parte do que chamam de “simulacro eleitoral.”.

Passou uma semana desde o dia 23. Muito aconteceu, entretanto: desde comissários da Comissão Nacional Eleitoral que se demarcaram dos resultados provisórios; um partido que se auto-proclamou vitorioso ainda antes de qualquer resultado oficial; ou uma oposição que vai denunciando irregularidades quase todos os dias; até ao Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, que reconheceu João Lourenço como presidente antes de qualquer resultado oficial.

Hoje, no É Apenas Fumaça, aprofundamos tudo que tem acontecido e discutimos ainda o que acontecerá. Num episódio especial sobre as eleições angolanas, conversámos com o Domingos da Cruz, professor e investigador angolano, ativista pela democracia em Angola, e um dos 15+2; Manuela Serrano, parte do corpo de direção da Associação Tratado de Simulambuco-Casa de Cabinda; Nelson Domingos António, doutorado em Ciência Política pela Universidade do Estado de Rio de Janeiro e professor em Luanda; Nvunda Tonet, psicólogo e jornalista; e Sedrick de Carvalho, jornalista e ativista pela democracia em Angola que foi preso, tal como o Domingos da Cruz, durante 1 ano no processo 15+2.

Oiçam a discussão que tivemos em Lisboa com a Manuela, o Nvunda e o Sedrick:

E oiçam também as entrevistas que tivemos com e o Domingos e o Nelson, desde Luanda, aqui:


O que se segue é uma cronologia dos acontecimentos que achamos mais relevantes desde o dia 23 de Agosto, e que colocam em contexto todas as conversas que poderão ouvir:

Dia 23, o dia das eleições

  1. Vários testemunhos de angolanos e angolanas relataram como não vão conseguiram votar porque foram registados e registadas em assembleias de voto longe das suas residências. Alguns, teriam de fazer milhares de quilómetros para poder votar.
  2. A Comissão Nacional Eleitoral (CNE) admitiu a meio da tarde deste dia, em conferência de imprensa, que existiram “pequenas falhas” durante o processo. A Zuela – uma aplicação para a monitorização cidadã das eleições – denunciava que mais de 1000 delegados das Mesas da Assembleia de voto aguardavam credenciamentos da CNE às 19h50 do dia anterior. “Decidimos que naqueles locais em que havia mesas por se colocar delegados efetivos, os delegados suplentes se convertessem em delegados efetivos”, disse o presidente da CNE, André da Silva. As regras mudavam no dia anterior.
  3. Outras denúncias foram sendo feitas ao longo do dia, como a que Liberty Chiaca relatou: “No município do Cachiungo, setor da Luaya, eleitores que se dirigiram a assembleias de voto encontraram os cadernos eleitorais assinados como se eles tivessem votado, mas não tinham exercido o seu direito de voto”.
  4. Ainda assim, para muitos, o dia das eleições pareceu calmo. Tão calmo que Luaty Beirão, ativista luso-angolano que foi preso durante um ano no processo 15+2, o classificou como “sem dúvida muito mais calmo, muito mais tranquilo” do que as eleições anteriores, de 2012.

Dia 24, um vencedor autoproclamado

  1. Pouco antes do meio dia, o MPLA, antes de qualquer comunicado oficial da CNE em relação aos resultados, decide anunciar vitória por maioria qualificada com base na sua própria contagem de votos. João Martins, secretário do Bureau Político, para as questões políticas e eleitorais disse: “Temos vindo a fazer a compilação dos dados que os nossos delegados de lista nos têm remetido, das atas síntese que obtiveram das assembleias de voto a nível de todo o país. E, numa altura em que temos escrutinado acima de cinco milhões de eleitores, o MPLA pode garantir que tem a maioria qualificada assegurada”.
  2. A UNITA e a CASA-CE tinham anunciado antes das eleições que iriam realizar uma contagem paralela com base nas atas síntese que os seus delegados lhes enviariam durante o dia das eleições. Pouco mais de 1 hora depois do anúncio do MPLA, os primeiros resultados provisórios da contagem da UNITA saíram. Com com 6150 mesas de voto contadas, eles eram: MPLA 47,6%; UNITA 40,20%; CASA-CE 9,15%; PRS 1,55%; FNLA 1,10%; APN 0,40%. A CASA-CE assegurava à DW África, pelo seu porta-voz Lino Bernardo Tito, que segunda a sua contagem “não há maioria absoluta” do MPLA.
  3. Às 16h15, Julia Ferreira, porta voz da CNE, revelou os primeiros resultados provisórios da Comissão, que defendiam, para já, a ideia de que o MPLA teria maioria qualificada. Com 65,53% mesas escrutinadas: MPLA: 64,57%; UNITA: 24,4%; CASA-CE: 8,56%; PRS: 1,37%; FNLA: 0,95%; APN: 0,52%.
  4. José Pedro Katchiungo, mandatário da UNITA, disse em entrevista à Televisão Pública de Angola (TPA), logo seguir à revelação pela CNE dos primeiros resultados provisórios: “Enquanto mandatário, nós estamos aqui no centro de escrutínio à espera de ver a CNE a produzir resultados desde ontem. Não vimos absolutamente nada, não entrámos para o centro de escrutínio, não vimos os dados chegar. Qual não é a nossa surpresa, a dona porta-voz da CNE vem por aqui falar de resultados que nós, os mandatários do partido não conseguimos dizer se foram produzidos de acordo com aquilo que a lei manda, se foram produzidos no gabinete dela, se foram produzidos aonde – não sabemos.” Logo a seguir de dizer isto, a emissão da TPA cortou a sua entrevista.
  5. Benedito Daniel, presidente do PRS, disse também: “Esses resultados divulgados pela CNE são completamente falsos. Nem nas províncias nem em Luanda houve apuramento dos resultados pela CNE. Esses resultados são completamente inventados”
  6. Ao início da noite, os ex-Presidentes de Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste classificaram as eleições “pacíficas, livres, justas e transparentes”.
  7. Perto das 22h00, 7 comissários da Comissão Nacional Eleitoral, representantes da UNITA e CASA-CE, deram uma conferência de imprensa dizendo que “não se reviam” na comunicação feita pela CNE em que revelam os primeiros resultados provisórios. Cláudio da Silva, um dos comissários, diz que a comunicação “não foi feita com base em preceitos legais”.

Dia 25, atualização dos resultados provisórios

  1. Cerca das 13h30, a CNE, mais uma vez pela voz da Júlia Ferreira, atualizou os resultados provisórios. Com 97,38% mesas escrutinadas, estes eram os números: MPLA: 61,10%; UNITA: 26,71%; CASA-CE: 9,46%; PRS: 1,33%; FNLA: 0,90%; APN: 0,49%.

Dia 26, a legitimação de Marcelo Rebelo de Sousa

  1. Numa conferência de imprensa da UNITA, Isaías Samakuva, presidente do partido, diz: “Não vamos comentar esses resultados porque não são oficiais. Não são válidos. Não foram produzidos nos termos da lei.” e deixa a pergunta: “Se só hoje, dia 26, os orgãos locais da CNE vão começar a apreciar as atas das mesas, como foi possível a CNE divulgar resultados antes no dia 24. De onde vieram tais resultados?”
  2. Ainda neste dia, e antes dos resultados finais da CNE e antes de qualquer partido da oposição ter reconhecido João Lourenço como presidente eleito, o Presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, felicita João Lourenço reconhecendo-o como “Presidente eleito da República de Angola”.

Dia 27, a oposição admite impugnar

  1. A CASA-CE, numa comunicação por escrito, admite “impugnar, por nulidade, a referida Proclamação de Resultados Provisórios.”
  2. José Pedro Katchiungo envia uma comunicação pedindo “a cessação da divulgação dos resultados provisórios, até que sejam sanadas as irregularidades constatadas pelo recorrente.” e “que se abram os Centros Provinciais de Escrutínio (…) aos mandatários das candidaturas para presenciarem o apuramento”.

Dia 29, a explicação da CNE

  1. Isaías Samakuva diz que poderá recorrer ao Tribunal Constitucional para fazer cumprir a lei.
  2. Em nova conferência de imprensa da CNE, a sua porta-voz, Júlia Ferreira, diz que “Os resultados provisórios foram sim feitos com bases nas atas síntese das assembleias de voto.”, que o processo de escrutínio “foi acompanhado por comissários da CNE, por funcionários e por técnicos deste orgão” e que “o centro de escrutínio nacional continua na sua plena funcionalidade.”. A CNE considerou também “improcedentes” os pedidos de invalidação dos resultados provisórios por parte da CASA-CE e da UNITA.

Dia 30, a decisão do Tribunal Constitucional

  1. Membros da sociedade angolana – entre eles Domingos da Cruz, Sedrick de Carvalho, Benedito Jeremias “Dito Dalí”, Manuela Serrano, entre outros – assinam uma carta conjunta. Recomendam aos partidos da oposição que se unam e “que os cidadãos saibam que se não tomarmos uma posição alinhada e unida jamais sairemos da neoescravidão”
  2. O Tribunal Constitucional de Angola considerou improcedente o pedido de impugnação dos resultados provisórios por parte da oposição e considerou que a CNE utilizou “os procedimentos legais e regulamentares devidos para a divulgação dos resultados eleitorais provisórios”

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