Racismo

As vítimas magoadas e a “mágoa” dos racistas

Há precisamente um ano, a 17 de julho de 2017, Fátima Campos Ferreira apresentava na RTP 1 o último Prós e Contras antes da interrupção das férias de Verão…

“Será que Portugal é, hoje, um país racista? Este é o mote do debate para esta noite”, anunciava Fátima Campos Ferreira.

A atualidade mais do que justificava o tema. Uma semana antes, a 10 de julho, faltavam poucos minutos para acabar o dia, a jornalista Valentina Marcelino, avançava no Diário de Notícias, a notícia de que o Ministério Público decidira acusar 18 agentes da PSP dos crimes de tortura, sequestro, injúria e ofensa à integridade física qualificada, agravados pelo ódio e discriminação racial contra seis jovens da Cova da Moura, na Amadora. Saber-se-ia mais tarde nesse ano, em dezembro, que o Tribunal de Instrução Criminal decidira julgar 17 e não 18 agentes pelos atos de violência ocorridos a 5 de fevereiro de 2015, na Cova da Moura e na esquadra da PSP de Alfragide, que serve o bairro.

Ironia das ironias, a 7 de julho, três dias antes da inédita acusação, na Assembleia da República, votava-se a proposta de lei n.º 61/XIII (2.ª), que alterava o regime jurídico de combate e prevenção da discriminação racial.

Neste diploma reforçaram-se os poderes da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, que funciona na dependência do Alto Comissariado para as Migrações que, com esta lei, ganha também mais competências e passa a coordenar a intervenção de todos os setores na prevenção, fiscalização e repressão de atos discriminatórios. Por exemplo, quando um senhorio recusa arrendar uma casa a alguém com base na sua cor de pele ou país de origem ou quando há situações discriminatórias nos locais de trabalho ou serviços públicos.

Foram ainda introduzidos novos conceitos legais, como o da discriminação múltipla (quando uma pessoa é discriminada por ser negra e estrangeira, por exemplo) e de discriminação por associação (quando uma pessoa é discriminada por estar com outra que é alvo de discriminação).

O diploma foi aprovado com os votos positivos do CDS-PP, PAN, PCP, PEV e PS e as abstenções de PSD e BE. Seria promulgado pelo Presidente da República, a 3 de agosto, publicada em Diário da República a 23 e passou a vigorar a 1 de setembro desse ano, como Lei n.º 93/2017.

No Prós e Contras, a discussão, é claro, foi marcada pelo estilo muito próprio da apresentadora. No palco estavam: Jorge Vala, Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, branco; Abílio Neto, jurista, negro; Pedro Calado, Alto Comissário para as Migrações, branco; Cristina Roldão, socióloga e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL, negra; Piménio Ferreira, ativista pelas comunidades ciganas, cigano; Mamadou Ba, dirigente da SOS Racismo, negro.

E, na plateia, estavam outras pessoas que já responderam a perguntas nossas, como a Carla Fernandes, do audioblogue Rádio Afrolis, ou a Beatriz Gomes Dias, da Djass – Associação de Afrodescendentes, ambas negras. Daquela vez, sentava-se a assistir um grupo mais diverso do que o que se costuma ver em casa, porque geralmente os espectadores ao vivo são, na sua maioria, figurantes pagos. Da assistência, apenas Maria Gil, ativista e feminista – uma cigana que nem parecia cigana, segundo Fátima Campos Ferreira – falou.

Um ano depois, o debate extravasou as televisões e as páginas de jornais. É nas ruas que se faz.

Fomos até ao Porto, à “Concentração contra o Racismo” no passado dia 5 de julho. Falámos com Nicol Quinayas, a sua mãe, Ângela Morales, e quem se manifesta contra o racismo.

Na passada sexta-feira, 13 de julho, desta vez em Lisboa, houve um novo protesto. Consciência Negra, Djass – Associação de Afrodescendentes, Rádio AfroLis, SOS Racismo, Plataforma Gueto, Casa do Brasil de Lisboa convocaram “Contra o racismo de Estado. Pela punição dos crimes racistas”. Aconteceu no Largo de São Domingos, mesmo ao lado do Teatro Nacional Dona Maria II, famoso pela pequena loja de Ginginha e, há séculos, ponto de encontro de africanos. Juntaram-se mais de uma centena de pessoas.

Num largo que tem num dos seus muros a inscrição Lisboa, Cidade da Tolerância, escrita em 34 línguas, apareceu também quem defendesse o seu contrário. O PNR marcou para a mesma hora uma contramanifestação, a que chamou: “Protesto contra o Racismo Antinacional” que juntou pouco mais de uma dezena de saudosos do Estado Novo, agitando bandeiras e gritando insultos. A separar nacionalistas brancos e antirracistas de todas as cores, um forte dispositivo policial, com dezenas de PSP’s fardados e à paisana.

Este sábado, 14, uma nova concentração, desta vez em Braga foi organizada pelo Núcleo Antifascista de Braga. Aconteceu na Praça da República e juntou mais de 30 ativistas anti-racistas e anti-fascistas. E ontem, 16, segunda-feira, no Porto, aconteceu um novo protesto, no exato local onde Nicol foi espancada, junto à paragem da STCP do Bolhão, na Rua Alexandre Braga. Ela esteve lá. A mãe também.

Pergunta-se: Portugal é um país racista? e há muita gente que se ofende com a questão. E as pessoas alvo de agressões racistas? O que sentirão elas, quão magoadas estarão?

NOTA: A concentração “Contra o racismo de Estado. Pela punição dos crimes racistas” foi também convocada pelo colectivo Consciência Negra que, por lapso, não referimos. Essa referência foi acrescentada no texto. As nossas desculpas aos visados.

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