colonialismo

André Amálio: “O sistema colonial português não era assim tão diferente do apartheid da África do Sul”

André Amálio recebeu-nos na sua casa, em Lisboa, e foi aí mesmo que nos contou como uma aluna de doutoramento na Universidade de Coimbra foi impedida pelos seus próprios orientadores de investigar massacres levados a cabo pelo regime português durante o colonialismo. E fez questão de vincar que isto aconteceu agora. Não é coisa de há décadas atrás. A aluna, censurada, viu-se forçada a desistir da sua investigação. O colonialismo ainda é tabu.

Estava habituado a olhar para toda “aquela história grandiosa dos nossos heróis”. A verdade, conta André, é que precisou de “ir para o estrangeiro para olhar para o passado colonial português de uma outra forma”. Hoje, o Padrão dos Descobrimentos dá-lhe “umas voltas ao estômago tremendas”. E “está tudo dito ali, naquele monumento”.

Será que a nossa sociedade obedece, ainda, a uma lógica colonial? Hoje, em pleno século XXI? Por que é que continua a evitar-se este debate, a todo o custo?

Parecemos insistir, colectivamente, numa visão romântica do colonialismo português. Na escola, ainda somos desviados de uma realidade violenta para sermos doutrinados com a ideia de que fomos bons colonizadores, de que promovíamos uma presença civilizadora, integradora e mestiça. Orgulhamo-nos de termos sido o primeiro país a acabar com a escravatura. Afinal, é isso que nos é ensinado, mas a escravatura continuava, escancarada, fora do território europeu. E mesmo quando Portugal, sob pressão internacional, se viu obrigado a terminar com esta prática, não tardou em substituí-la pela lei do trabalho forçado, que perdurou até 1961.

Durante o colonialismo, o racismo era institucional, estava presente na legislação e era visível nas fronteiras das urbes coloniais: o centro urbano, organizado e europeizado, para os brancos; os musseques, em redor, para os negros. E os bares, só para brancos e assimilados. E, depois, as cabeças espetadas em paus, os bombardeamentos de napalm, os fuzilamentos, as decapitações: os crimes de guerra. Devíamos pagar por eles? Devemos um pedido de desculpas?

Em 1965, durante as lutas de libertação nacional, Salazar contava aos portugueses que a guerra era motivada por movimentos subversivos de terroristas estrangeiros, não era a “explosão do sentimento de povos” que procuravam a sua independência. Seria desonesto abordar a descolonização sem a relacionar com o fim da ditadura em Portugal. Em 1971, era Amílcar Cabral quem mencionava uma “ligação íntima” entre as lutas de libertação “e a luta antifascista em Portugal”. Estava convencido de que os movimentos de libertação africanos seriam uma peça essencial para a libertação que chegou com o 25 de Abril.

André, ator e encenador, fundador da companhia Hotel Europa e co-criador de uma trilogia de teatro documental sobre o fim do colonialismo, sente que chega de “viver com um conto de fadas”. Quer lançar uma discussão urgente e abrangente, capaz de formar uma consciência coletiva que obedeça à verdade dos factos, que não coloque uma venda nos olhos perante aquilo que foi colonialismo português. Se “temos tanta facilidade em apontar o dedo aos outros”, “por que é que não olhamos também para nós e apontamos o dedo a nós, àquilo que nós fizemos?”

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