A Serpente, o Leão e o Caçador (Extra)

Carla Amado Gomes: “A Europa tem uma responsabilidade histórica face aos deslocados climáticos”

À medida que se batem recordes de concentração de CO2 na atmosfera, e sucessivos governos falham em reduzir substancialmente as suas emissões nacionais, cresce o número de ações judiciais que contestam a inércia quer de governos, quer de empresas na mitigação da crise climática. É certo que a temperatura média no planeta continuará a aumentar, e que está já 1 a 1,2ºC mais quente do que no período pré-industrial. A questão é: até onde irá chegar?

Pela primeira vez, em 2019, o tribunal supremo de um Estado disse que o poder executivo tem obrigação legal de reduzir as emissões de gases com efeito de estufa. O caso da Fundação Urgenda contra o Estado dos Países Baixos já era histórico antes disso: segundo a organização ambientalista, foi a primeira ação judicial no mundo em que cidadãos de um país estabeleceram que o seu Governo tem o dever legal de impedir alterações climáticas perigosas.

A 20 dezembro de 2019, o Supremo Tribunal dos Países Baixos, confirmando as decisões do Tribunal de Recurso e do tribunal de primeira instância, “ordenou” ao Governo que reduzisse as emissões nacionais até ao final de 2020 em pelo menos 25% face aos níveis de 1990. Esta meta foi consagrada pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, em 2017, e endossada por governos europeus, incluindo o dos Países Baixos, nas várias conferências do clima

Na base da decisão do Supremo estão dois artigos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Adotada em 1950, está atualmente em vigor em 47 países do continente europeu, incluindo a Turquia e a Rússia. Tendo em conta os 2.º e 8.º artigos da convenção, relativos ao direito à vida e ao respeito pela vida privada e familiar, respetivamente, o Supremo acolheu a jurisprudência que diz que o Estado é obrigado a tomar as medidas adequadas para proteger os seus cidadãos em caso de risco real e imediato à sua vida ou bem-estar. E concluiu que o Governo dos Países Baixos falhou em cumprir esse dever em relação a ameaças ambientais.

Esta decisão histórica poderá ter implicações noutros países. Segundo a Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, o reconhecimento do mais alto tribunal dos Países Baixos confirma que este e, implicitamente, outros governos têm obrigações legais vinculativas, baseadas no direito internacional dos Direitos Humanos, de reduzir fortemente as suas emissões. “Esta decisão histórica abre um caminho claro para que pessoas preocupadas na Europa – e em todo o mundo – empreendam litígios climáticos, com o fim de proteger os Direitos Humanos”, afirmou Bachelet.

Nesta entrevista gravada a propósito da série “A Serpente, o Leão e o Caçador”, falámos com Carla Amado Gomes, especialista em Direito Ambiental e professora na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sobre as questões jurídicas que a crise climática levanta, os litígios climáticos contra os Estados e a responsabilidade histórica dos países industrializados.

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