Petróleo em Aljezur

“Exigimos que se demita”, dizem ativistas a ministro do Ambiente

Vê o vídeo com a cobertura completa:

A escritora Lídia Jorge, o coreógrafo Rui Horta e, ainda, Ana Matias, da Plataforma Algarve Livre de Petróleo, João Camargo, do coletivo Climáximo, Eugénia Santa Bárbara, do movimento Alentejo Litoral pelo Ambiente e Graça Passos, do grupo Tavira em Transição, entregaram hoje ao ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, uma carta aberta pedindo a sua demissão.

Matos Fernandes abriu as portas do Ministério do Ambiente, na rua do Século, em Lisboa, para ouvir os porta-vozes dos 34 movimentos que subscrevem a carta – entre os quais as maiores associações de defesa do ambiente em Portugal – mas não esperava que a conversa fosse tão dura: “exigimos que V. Exª apresente a sua demissão do cargo de Ministro do Ambiente do XXI Governo de Portugal. Mais ainda, exigimos que se demita igualmente o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Dr. Nuno Lacasta.“, pode ler-se na Carta Aberta.

A posição de conflito aberto surge depois da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ter autorizado, no passado 16 de maio, o consórcio ENI/Galp a realizar uma sondagem de prospeção de petróleo Aljezur, sem Avaliação de Impacte Ambiental: “o projeto não é suscetível de provocar impactes negativos significativos“, disse aos jornalistas Nuno Lacasta, presidente do Conselho Diretivo da APA. É também por isso, que a sua demissão é pedida.

No mesmo dia, o Governo pronunciou-se apoiando a decisão. Anunciou-o numa conferência de imprensa com o número dois, Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente, e Jorge Seguro Sanches, secretário de Estado da Energia.

Parece que apenas petrolíferas e Governo querem o furo. Em reação, partidos políticos, ambientalistas, cientistas, autarcas, associações empresariais e de turismo opõem-se frontalmente.

A operação de sondagem de pesquisa “Santola 1X” pode ser feita entre 15 de setembro de 2018 e 15 de janeiro de 2019 e será realizada a 1070 metros de profundidade, a 46,5 quilómetros (kms) de Aljezur. A base logística de toda a operação ficará instalada no porto de Sines, a 88 kms.

Entende o que está em causa na cobertura que fizemos do último grande protesto contra a realização deste furo, em abril passado.

Lê aqui o conteúdo integral da Carta Aberta:

“Exmo. Sr. Ministro do Ambiente
Dr. João Pedro Matos Fernandes

Nós, cidadãos portugueses, apoiados por dezenas de movimentos ambientalistas, de defesa do património natural e outras associações de vários âmbitos, exigimos que V. Exª apresente a sua demissão do cargo de Ministro do Ambiente do XXI Governo de Portugal. Mais ainda, exigimos que se demita igualmente o Presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), o Dr. Nuno Lacasta.

Consideramos inadmissível e irresponsável que o Sr. Ministro tenha homologado o parecer que decidiu não submeter à Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) o Projecto Sondagem de Pesquisa Santola 1X, popularmente conhecido como “furo de Aljezur”.

Como é do seu conhecimento e do conhecimento público, a missão da APA, instituição tutelada por V. Exª, é “propor, desenvolver e acompanhar a gestão integrada e participada das políticas de ambiente (…), tendo em vista um elevado nível de protecção e de valorização do ambiente e a prestação de serviços de elevada qualidade aos cidadãos”. Ora, entendemos que a decisão de não sujeição a AIA de um furo prospectivo de petróleo, em mar, a 46 km da costa até 3000 metros de profundidade, não garante a prossecução da sua missão de Ministro do Ambiente. Como tal, exigimos que se demita!

Consideramos que o seu papel na defesa do ambiente e dos interesses dos cidadãos foi desvirtuado. O Ministério que V. Exª. tutela presta um serviço público e existe para defender o interesse do Estado que é, por definição, o interesse dos cidadãos. Este serviço público não está a ser prestado, por isso exigimos que se demita!

Não se compreende, e não se pode aceitar passivamente, que uma consulta para auscultação da opinião pública sobre um assunto tão premente e fracturante, que recolheu um número elevadíssimo de contribuições, todas unidas pelo apoio à realização de uma Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), tenha sido totalmente desconsiderada no parecer da APA, transformada em decisão pela injustificável concordância de V. Exª. Também por isso exigimos que se demita!

Fizemos chegar a V. Exª. todas as razões – devidamente apoiadas por estudos científicos e casos de estudo – que demonstram inequivocamente que há impactos significativos associados à fase de prospecção de um furo petrolífero, bem como as razões porque esses impactos devem ser descritos e acautelados. Todas estas razões e provas foram ignoradas. V Exª assinou um parecer que vai, consciente e deliberadamente, contra a opinião unânime dos cidadãos, das associações e Organizações Não Governamentais do Ambiente, mas também contra as recomendações da própria Assembleia da República. O futuro do Algarve e Alentejo Litoral está em perigo e V. Exª, bem como a APA, Instituto Público que tutela, demonstrou que considera que tal não merece sequer uma avaliação séria e estruturada dos riscos inerentes a uma prospecção petrolífera.

Acresce ainda que as cinco maiores associações empresariais da Região se uniram para condenar a decisão do Governo. São estas: ACRAL, AHETA, AHISA, CEAL e NERA, todas associações de comerciantes, de empresários de turismo e de agricultores. Por último, todas as Câmaras Municipais do Algarve e Sudoeste Alentejano e respectivas Associações de Municípios, manifestaram a sua frontal oposição a este furo em Aljezur. Não se admite que desacredite os processos democráticos, ao desprezar a vontade dos cidadãos e das populações, as recomendações da Assembleia da República e a posição das Autarquias Locais, descuidando o mesmo Ambiente que se comprometeu a proteger. Por isso demita-se!

Como Ministro do Ambiente, V. Exª. sabe perfeitamente que todos os contratos de prospecção e exploração de petróleo e gás se apoiam juridicamente num ultrapassado Decreto-Lei 109/94, com quase 25 anos, e que estendia um tapete vermelho às petrolíferas, num momento em que pouco se falava de alterações climáticas. No entanto, nunca pugnou pela alteração desta lei, nem nunca escutou os argumentos, os protestos e as petições da sociedade civil que têm repetidamente exigido o cancelamento destes contratos, protestos estes que originaram 3 providências cautelares e outras acções jurídicas, interpostas por diversos movimentos e associações, designadamente a PALP – Plataforma Algarve Livre de Petróleo, a Câmara Municipal de Odemira e a AMAL – Associação de Municípios do Algarve.

Pela sua repetida recusa em escutar a sociedade civil e defender o Ambiente, demita-se!

O contrato de prospecção e exploração em questão, assinado com a ENI e a Galp por José Sócrates e Manuel Pinho, ambos ex-ministros sob investigação pela Justiça portuguesa, é um contrato ruinoso para o país, sem quaisquer contrapartidas económicas palpáveis, criando um manto de suspeição sobre a sua celebração. Devido a estas circunstâncias, V. Exª. deveria ser a primeira pessoa a pugnar pela transparência de todo este processo e, no entanto, isentou o designado “furo de Aljezur” da AIA que, no mínimo, se impunha. Também pela sua obstinada defesa deste contrato lesivo, exigimos a sua demissão!

Todas estas decisões vêm no seguimento de uma política ambiental que tem, ao longo dos últimos anos, desrespeitado a vontade do povo português e os compromissos internacionais do Estado, algo que V. Exª. deveria acautelar, nomeadamente na implementação dos acordos de Paris (COP 21) e Marraquexe (COP 22), assinados pelo Sr. Primeiro Ministro, Dr. António Costa. A exploração de hidrocarbonetos é a maior causa das alterações climáticas, um problema com enormes impactos no nosso país, onde um aquecimento descontrolado torna cada vez mais difícil o combate aos incêndios rurais, promovendo secas persistentes e outros fenómenos climáticos extremos, ao mesmo tempo que ameaça as cidades e infra-estruturas do litoral com uma mais severa erosão costeira, exponenciada pela rápida subida do nível médio do mar, factores que deveriam merecer uma atenção prioritária por parte de um Ministro do Ambiente. Por incumprir na sua missão de defender os que o elegeram, bem como o interesse de todos os portugueses, defraudando a luta contra as alterações ambientais, demita-se!

Os subscritores desta carta têm plena consciência de que a demissão de quem deu o rosto por uma decisão inaceitável deve ser, apenas, o primeiro passo para a alteração do próprio conteúdo da decisão. O que está em causa é a responsabilidade política do Primeiro-Ministro e do Governo no seu conjunto, bem como a própria capacidade do Parlamento controlar a ação do Executivo, garantindo que interesses particulares, por mais poderosos que sejam, não se sobreponham à Constituição, às leis e ao interesse geral.

No furo de Aljezur, em última instância, o que está em causa, para além da defesa do ambiente e de um modelo de desenvolvimento sustentável para Portugal, é a qualidade e o futuro da nossa democracia.

Os subscritores,

ALA – Alentejo Litoral pelo Ambiente
Aldeia
Almargem
A Rocha
APECE – Associação Portuguesa para o Estudo dos Elasmobrânquios
ASMAA – Algarve Surf and Marine Activities Association
Birdland
Climáximo
Coletivo Clima
Fórum de Ambiente do Litoral Alentejano
Linha Vermelha
Futuro Limpo
GlocalFaro
GEOTA – Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente
MALP – Movimento Algarve Livre de Petróleo
New Loops
Preservar Aljezur
OceanCare
LPN – Liga para a Protecção da Natureza
OMA – Observatório Marítimo dos Açores
Peniche Livre de Petróleo
PALP – Plataforma Algarve Livre de Petróleo
Região de Turismo do Algarve
RIAS
Save the Waves Coalition
Sciaena
SOS – Salvem O Surf
SPEA – Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves
Sun Concept
Surfrider Foundation
Stop Fracking Vila do Bispo
Tavira em Transição
ANP/WWF
ZERO

Correção: Ana Matias integra a Plataforma Algarve Livre de Petróleo e não o Climáximo, como se lia antes da correção feita.

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