Legislativas 2019

Ana Cordeiro Santos sobre a financeirização da habitação

A partir da segunda metade da década de 1980, pela mesma altura que se celebrava a entrada do país na União Europeia, Portugal reforçava a estratégia de apoio à compra de casa própria por parte de famílias, algo que vinha a ser implementado há décadas.

Em 1986, durante o primeiro governo de Aníbal Cavaco Silva, foi aprovado “o novo regime de crédito à habitação própria”, que facilitava o acesso a empréstimos bonificados, um apoio público que tornava mais barato e acessível o crédito para compra de casa. O investimento neste programa aumentou de tal forma que, entre 1987 e 2011, o Estado central gastou 7 mil milhões de euros em bonificações de juros no crédito à habitação, o que equivale a 73,3% de toda a despesa com políticas públicas de habitação durante esses 25 anos.

Os resultados estão à vista: 

“Em Portugal nunca houve verdadeiramente uma política de habitação digna deste nome”, diz Ana Cordeiro Santos, economista e investigadora no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. A coordenadora do livro “A nova questão da habitação em Portugal”, publicado no passado junho, acusa o Estado português de “total demissão na garantia de uma oferta pública de habitação”, nas últimas décadas, e explica que consequências teve o apoio estatal à compra de habitação privada no pós-crise de 2008.

Mais tarde, com a intervenção da Troika em Portugal, (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), iniciou-se o que chama de “nova vaga de financeirização” da habitação, com a liberalização do mercado, a facilitação dos despejos e da cessação de contratos de arrendamento, através da aprovação do Novo Regime de Arrendamento Urbano, o apoio ao investimento estrangeiro no mercado imobiliário, com a criação de incentivos como os Vistos Gold e a promoção do alojamento local que, defende, resultou numa contínua “substituição de residentes permanentes por residentes temporários”.

A pouco mais de duas semanas das eleições legislativas de 2019, a crise da habitação nos centros urbanos é um tema central de quase todos os programas eleitorais. No passado julho, o primeiro-ministro António Costa disse: “Quando daqui a seis anos comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril poderemos dizer que eliminámos todas as situações de carência habitacional e, 50 anos depois de Abril, garantimos a todos os portugueses o direito a uma habitação adequada”.

A promessa aparece no seguimento da apresentação da Nova Geração de Políticas de Habitação, um pacote de medidas lançado em maio de 2018 pela secretária de Estado da Habitação, Ana Pinho. Mas, para Ana Cordeiro Santos, esta nova geração de políticas não é nova. Tem como base a mesma ideia que norteou a política de habitação das últimas décadas: “São políticas de estímulo fiscal dirigidas aos senhorios para promover o mercado de arrendamento (…). Está-se a tentar bonificar as rendas dos senhorios.”

Nesta entrevista, recuamos no tempo para explicar o que levou a que chegássemos à maior crise de habitação das últimas décadas e o que pode fazer-se para resolvê-la.

Até ao dia 6 de outubro, vamos estar focados no escrutínio de alguns dos assuntos que consideramos mais importantes à medida que se aproxima a votação que definirá a composição da próxima Assembleia da República e do próximo Governo. Vê toda a nossa cobertura das Eleições Legislativas 2019 aqui.

Citação “A Nova Geração de Políticas de Habitação é um estímulo fiscal aos senhorios” substituída a 6 de outubro de 2023 pela indicação do tema da entrevista, no título.

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