Como aconteceu a agressão racista no Porto

Hoje, divulgamos a história da violenta agressão racista que aconteceu no Porto, pela voz de uma das duas amigas que estavam com Nicol Quinayas, quando esta foi brutalmente espancada por um segurança privado, na madrugada do dia de São João, 24 de junho.

A notícia saiu em todo o lado, mas fazemos um breve resumo:

Nicol Quinayas, 21 anos, colombiana que vive em Portugal desde os cinco anos, foi barbaramente espancada por um funcionário da empresa de segurança privada 2045. O homem fazia o controlo bilhetes – é um “pica”, como são popularmente são conhecidos estes trabalhadores – ao serviço da STCP (Sociedade de Transportes Colectivos do Porto).
Nicol teve de receber tratamento no hospital de Santo António, no Porto.

Com ela estavam duas amigas, Tânia Marques, negra, 21 anos, e Daniela Mendes, branca, 20 anos.

O caso começou com um mal-entendido quando se organizava a fila para entrar no autocarro, em frente à paragem da carreira 800, com destino a Gondomar. O segurança viu que havia uma discussão e assumiu que as duas jovens não brancas eram as responsáveis. Impediu-as fisicamente de entrar no autocarro, que, entretanto, chegara, e começou a proferir insultos racistas.

A 27 de junho, a história ganhou atenção nacional e foi contada em detalhe pelas jornalistas Fernanda Câncio, no Diário de Notícias, e Joana Gorjão Henriques, no Público.

Os partidos políticos (PS, PCP, BE e PSD) reagiram ora condenando a situação ora questionando o Ministro da Administração Interna, acerca da atuação da PSP.

As jovens agredidas queixam-se da atuação dos polícias no local: dizem que não foram identificadas – o mesmo ter-se-á passado com outras testemunhas e com o segurança da 2045, que se mantinha tranquilamente a fumar cigarros, depois de soltar Nicol e deixar de a agredir.

Soube-se ontem que os agentes da PSP chamados ao local só elaboraram o auto de ocorrência três dias depois de Nicol ter apresentado queixa na esquadra da Corujeira, no Porto.

O Ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse publicamente, que – citando – “não tolerará fenómenos de violência nem manifestações de cariz racista ou xenófobo” e Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) abriu um processo “de índole administrativa”, pedindo esclarecimentos à PSP.

A Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial informou que enviará os factos ao Ministério Público, para investigação. Já esta tarde, 29, a Procuradoria-Geral da República confirmou ao Público que foi aberto um inquérito.

A identidade do agressor não foi ainda confirmada pelas autoridades, nem tornada pública.

Com a vítima, Nicol, apenas conseguimos trocar SMS’s, não tendo sido possível, até agora, gravar qualquer depoimento.

Tânia Marques, 21 anos, negra, também agredida e insultada, enviou-nos, na tarde da passada terça-feira, 26 de junho, o seu relato do que aconteceu. Fê-lo por email, confirmando a versão denunciada por Nicol:

“(…) Criou-se ali um desconforto e o indivíduo agressor, um dos vários seguranças da empresa 2045, decidiu vir para o nosso meio para nos separar, partindo do princípio que nós é que estávamos a arranjar confusão, pois ele afirmou “pessoas como vocês só arranjam confusão”. Ele tentou afastar-me das minhas amigas e eu fiquei revoltada pois queria estar à beira delas.
Eu não aceitei que ele me estivesse a empurrar pois não tinha direito nenhum de fazer aquilo que estava a fazer.
Estava com medo dele, admito. Era o dobro de mim e a maneira como ele falou assustou-me.
A minha amiga perguntou-lhe: “Você tem algum problema com as pessoas de cor?” O homem riu-se na nossa cara e começou a insultar-nos usando a nossa cor de pele como desculpa. “Pretas de merda”, disse ele(…).”

“(…) Ele amarrou-a [à Nicol] no cabelo e arrastou-a para fora, imobilizando-a com uma força horrível.
Eu tentei entrar e ele fez a mesma coisa comigo e disse: “Ide apanhar o autocarro na vossa terra”. Aí ficámos completamente chocadas e desnorteadas, pelo que a minha amiga lhe disse aos berros “Você não merece estar aqui, é um racista, um triste, um otário”.
Aí, ele deu-lhe um soco na cara e a minha amiga começou imediatamente a sangrar.
Eu vi aquilo e meti-me no meio, mas ele empurrou-me para o chão com um ódio enorme. Nós não percebemos o porquê de ele nos estar a fazer aquilo (…).”

“(…) Foi horrível, achei que ia perder ali uma amiga por causa daquele «monstro», que não lhe consigo dar outro nome. Foi um ato desumano, nós só temos 21 anos (…).”

“(…) Pior é a justificação daquele ato ser racismo, e mesmo que não fosse, ele é um segurança. Como é que alguém que aprende valores educacionais, que é suposto proteger-nos, faz isto a duas raparigas com idade para serem filhas dele?
A minha amiga teve de ir para o hospital e passou lá a noite.
Triste também foi ver que as autoridades, quando chegaram, nem nos perguntaram se precisávamos de alguma coisa. Não fizeram absolutamente nada, ainda disseram ‘Nós estamos aqui obrigados
É esta a segurança que temos em Portugal? Isto não pode passar assim como se não tivesse acontecido nada. Foi horrível. Ainda hoje temos pesadelos com isso e andamos na rua com medo(…).”

No dia seguinte, por mensagem, Tânia disse também não querer gravar declarações, além daquelas que tinha já remetido por escrito, cuja reprodução também autorizou.

Já passava já das onze da noite de terça-feira, 26 de junho, quando terminava quase uma hora de conversa com a terceira rapariga envolvida no caso – Daniela Mendes, 20 anos, estudante, presenciou tudo o que aconteceu. Nesse dia, quando ainda se sabia pouco e a história não tinha vindo a público, tentámos perceber com ela o que se tinha passado.

O que podem ouvir acima é essa conversa – gravação foi autorizada -, em bruto, entre mim e Daniela Mendes, a amiga branca de Nicole Quinayas, que estava com ela e presenciou tudo.

Continuaremos a acompanhar este caso.

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