“A bomba que matou Rosinda Teixeira”, por Maria Almeida

Olá. 

Rosinda Teixeira foi assassinada à bomba em 1976, vítima da “rede bombista” de extrema-direita, em São Martinho do Campo, Santo Tirso. A história é contada num capítulo do livro “Quando Portugal Ardeu”, do jornalista Miguel Carvalho, que conta as “histórias e segredos da violência política no pós-25 de Abril”. Seria uma história como tantas outras que ele retrata, não fosse uma enorme estranheza pessoal. Eu cresci na mesma vila que a viu morrer, mas como é que não ouvi esta história antes?

O verdadeiro alvo do atentado era o operário têxtil e sindicalista António Teixeira, marido de Rosinda, que também estava em casa na fatídica noite de 21 de maio de 1976. O casal dormia no seu quarto quando se deu o estrondo, sentido também pelo filho Nélson, que acordou com a explosão e os gritos da mãe. António e Nélson conseguiram salvar-se, Rosinda ficou soterrada sob os escombros e acabou por morrer.

O atentado foi da autoria de três operacionais, entre eles Ramiro Moreira, membro do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP), organização de extrema-direita liderada pelo general António Spínola, e responsável por mais de 80 atentados.

Já no hospital, a recuperar dos ferimentos, António Teixeira recebeu a visita do seu patrão, o comendador Abílio de Oliveira, um dos maiores industriais têxteis da região, que se ofereceu a pagar-lhe a reconstrução da casa e a providenciar a capela para depositar o corpo de Rosinda. O que António não sabia na altura, era que Rosinda já tinha falecido e o que ouvia vinha da boca do homem que mais tarde foi acusado de ter dado a ordem para o atentado que vitimou a sua mulher.

A acusação partiu de Ramiro Moreira, operacional do MDLP, detido dois meses depois, em agosto de 1976. Na altura da sua detenção, a Polícia Judiciária encontrou numas das suas casas e numa garagem “um arsenal que daria para iniciar uma guerra civil”. As acusações de Ramiro Moreira ficaram gravadas em cassete, no entanto, não foram levadas em conta no processo, por formalidades jurídicas. Abílio de Oliveira chegou a ser detido, mas acabou por ser ilibado em 1978. Para o tribunal, como escreveu Miguel Carvalho no seu livro, o assassinato de Rosinda, entre outros, não teve “mandantes”, apenas “executantes” que agiram por sua conta e risco. 

Ramiro Moreira foi condenado a 21 anos de prisão, mas fugiu para Espanha sem cumprir a pena. Regressou a Portugal, anos mais tarde, graças a um indulto assinado em 1991 pelo Presidente da República Mário Soares.

Terminadas as minhas leituras, seguiram-se os telefonemas à família paterna que ainda hoje vive em São Martinho do Campo. Toda a gente conhecia a história. O meu avô chegou mesmo a manter uma relação de amizade com Abílio de Oliveira, conhecia bem António e Rosinda Teixeira, mas, até então, nunca me tinha falado sobre o atentado. 

Com isto, apercebi-me que, na verdade, o 25 de Abril e o período pós-revolucionário nunca foi tema de conversa para a minha família. A revolução comemorava-se como qualquer outro feriado que, ocasionalmente, dava para fazer ponte. Só mais tarde aprendi sobre o golpe das forças armadas, as guerras de libertação, o PREC, os movimentos sindicais e a liberdade conquistada por todas as pessoas que sofreram às mãos da ditadura. Só mais tarde esse dia ganhou um outro significado que não mais ignorei. 

Hoje, para mim, o 25 de Abril é a celebração mais importante do ano. É a revolução que, na véspera das celebrações, me leva até ao Largo do Carmo, em Lisboa, para cantar a “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso, à meia noite, abraçada a camaradas. É a revolução que me faz descer a Avenida da Liberdade todos os anos, de cravo na mão, para me lembrar do que foi feito e do que ainda falta fazer. É a revolução que, este ano, me faz recordar Rosinda Teixeira, assassinada às mãos de uma extrema-direita que, na altura, ameaçava um regresso a tempos sombrios e que, hoje, anda aí à espreita. 

A propósito da celebração dos 50 anos do 25 de Abril, a Comunidade Fumaça sugeriu que esta edição do nosso clube de discussão fosse sobre a revolução e que não tivesse um livro, reportagem ou filme como ponto de partida. Se quiseres vir falar sobre a revolução e o que ela significa para ti, junta-te. Vamos reunirmo-nos a 21 de fevereiro, pelas 21h, para uma conversa online. Para participares, basta que tenhas uma contribuição mensal ativa

Um abraço e viva o 25 de Abril,

Maria Almeida

Subscreve a newsletter

Escrutinamos sistemas de opressão e desigualdades e temos muito que partilhar contigo.