PSP agride jornalistas do Fumaça e Setenta e Quatro

Os jornalistas João Biscaia, do Setenta e Quatro, e Bernardo Afonso, do Fumaça, foram agredidos por agentes não identificados do Corpo de Intervenção (CI) da Unidade Especial da PSP, enquanto cobriam uma manifestação espontânea antifascista e antirracista na Praça do Município, em Lisboa, no sábado passado, 3 de fevereiro. Ambos estavam à margem dos manifestantes e identificaram-se reiteradamente aos agentes da PSP como jornalistas.

Desde o início da operação policial, Bernardo Afonso, jornalista do Fumaça, de carteira profissional na mão, exigia perante os agentes que faziam barreira policial a sua identificação e insistia para falar com o comandante da operação, uma vez que nenhum dos polícias se encontrava identificado, como é obrigatório. João Biscaia, que também tinha a sua carteira profissional na mão, encontrava-se mais afastado do corpo policial e da manifestação, a filmar.

Bernardo Afonso, jornalista do Fumaça, a apresentar a carteira de jornalista à PSP

Sem qualquer diálogo com as pessoas presentes ou qualquer ordem de desmobilização, o CI fez recuar manifestantes e jornalistas com violência indiscriminada. Bernardo Afonso levou várias bastonadas de três agentes na cabeça, na mão direita, nos braços e nas costas. João Biscaia foi diretamente abordado e agredido por um agente com um soco e um pontapé. Antes, durante e após as agressões, ambos identificaram-se várias vezes como jornalistas, como está amplamente documentado em vídeo. São, portanto, falsas as declarações da PSP ao Diário de Notícias ao dizer que “jornalistas não tenham sido agredidos”.

A polícia a dar bastonadas indiscriminadas a manifestantes e ao jornalista do Fumaça Bernardo Afonso

Os jornalistas presenciaram e documentaram ainda outras agressões a manifestantes. Bastonadas indiscriminadas, pontapés e empurrões violentos com o objetivo de afastar as pessoas da praça, para que a manifestação organizada por neonazis lá pudesse terminar. Pelo menos dois manifestantes foram agredidos quando já estavam imobilizados no chão. Um deles foi-o já detido e manietado. Além disso, o grupo de manifestantes foi empurrado pelo cordão policial para a Rua do Arsenal, que não se encontrava cortada ao trânsito, para onde transeuntes sem ligação à manifestação também foram empurrados.

Refira-se ainda que, durante a operação policial, uma jornalista contactou o Comando Metropolitano de Lisboa (Cometlis) para saber o nome da chefia da operação, mas não obteve resposta. O porta-voz confirmou, no entanto, que a identificação dos agentes era regra obrigatória, “do mais elementar”. Em declarações ao Público, a PSP disse que os agentes estavam identificados por “código alfanumérico visível no capacete distribuído individualmente”. Só revendo os vídeos do momento é possível detetar o código inscrito na parte de trás do capacete dos polícias, oculto para qualquer pessoa posicionada à frente do CI.

No entanto, não há base legal para que os agentes da PSP se identifiquem dessa forma. Sendo verdade que o Estatuto de Polícia prevê a hipótese de o Diretor Nacional da PSP autorizar a dispensa temporária de identificação, incluindo substituindo por um código identificativo, o Ministério da Administração Interna nunca publicou, desde 2015, a portaria necessária para a regular. Daí que a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI) tenha reiterado que “a obrigatoriedade da identificação dos agentes policiais já é uma realidade”. A inspeção das polícias acrescentou ainda que “inexiste qualquer razão para, envergando uniforme/farda, não existir modo de identificar em concreto cada um dos agentes que são suscetíveis de interagir com os cidadãos”.

E, mesmo que existisse identificação alfanumérica visível, à revelia da lei, nenhum dos jornalistas presentes alguma vez a conseguiu ver, nem qualquer um dos polícias – ao ser pedido que se identificasse – para esta apontou. Assim, e à data de hoje, os jornalistas continuam sem saber quem comandava a operação e a identificação dos agentes autores das agressões.

De acordo com os relatos dos seus jornalistas, e no entender das redações do Setenta e Quatro e do Fumaça, a PSP mostrou-se alheia a qualquer preocupação com a segurança e integridade física dos cidadãos presentes. Pelo menos seis pessoas tiveram de receber assistência hospitalar e outras três foram detidas. Acrescente-se ainda que a atuação dos agentes envolvidos na operação policial representou, ao impedir os jornalistas de desempenharem o seu trabalho, uma violação à liberdade de imprensa e ao direito de informação.

Os jornalistas, que foram agredidos simultaneamente, têm a intenção de apresentar queixa conjunta junto das entidades competentes. Dado que os agentes responsáveis pela agressão muito dificilmente serão identificados através das imagens registadas, o desfecho mais provável desta queixa conjunta é o arquivamento.

As ameaças e agressões contra jornalistas, que são um crime público, têm-se sucedido nas últimas semanas. No passado domingo, dois jornalistas foram atingidos por objetos diversos durante o discurso de recandidatura do atual líder do Futebol Clube do Porto no Coliseu do Porto. No final de janeiro, uma jornalista e um repórter de imagem do Porto Canal foram agredidos durante a cobertura de uma manifestação de trabalhadores que foram despedidos de uma empresa em São João da Madeira.

Duas semanas antes, um jornalista do Expresso foi agarrado pelas mãos e pelos pés e retirado de um evento na Universidade Católica, em Lisboa, em que marcava presença o líder do partido de extrema-direita Chega. Também, no final de dezembro, Ricardo Esteves Ribeiro, jornalista do Fumaça, foi agredido à bastonada por um agente não identificado da PSP e viu o seu telemóvel confiscado por outro, também não identificado, enquanto documentava uma detenção numa manifestação organizada à frente do Estabelecimento Prisional de Lisboa — a IGAI abriu entretanto um inquérito.

As redações do Setenta e Quatro e do Fumaça estão solidárias com todos os jornalistas ameaçados e agredidos, repudiam veementemente a brutalidade policial de sábado passado e condenam todos os ataques à liberdade de imprensa e ao direito à informação.


Até já,
Redações do Fumaça e do Setenta e Quatro

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