Posição da redação do Fumaça sobre a proposta da Comissão Europeia para um Ato Europeu sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social

A isso convidada, “tendo em vista auxiliar a definição da posição nacional” sobre a proposta de Regulamento da União Europeia que estabelece um quadro comum para os serviços de comunicação social no mercado interno (Ato Europeu sobre a Liberdade dos Meios de Comunicação Social) e altera a Diretiva 2010/13/EU (Diretiva Serviços de Comunicação Social Audiovisual), a redação do Fumaça transmitiu a 6 de janeiro de 2023 à Direção de Serviços de Relações Internacionais e Comunicação da Presidência do Conselho de Ministros que:

Apesar de identificar claramente as problemáticas a que precisa de responder, na sua exposição de motivos, evita-se criar mecanismos concretos que respondam às dificuldades da comunicação social europeia na Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece um quadro comum para os serviços de comunicação social no mercado interno (Regulamento Liberdade dos Meios de Comunicação Social) e que altera a Diretiva 2010/13/UE.

É frágil o documento na atribuição de poderes efetivos ao Comité Europeu de Serviços de Comunicação Social, limitado na criação de obrigações de transparência e boas práticas deontológicas e éticas, e essencialmente omisso em relação à sustentabilidade financeira dos média.

Parece-nos um desperdício o estabelecimento do Comité sem que lhe sejam atribuídos instrumentos de fiscalização e regulação para a defesa da liberdade de imprensa em Estados Membros que vêm limitando os direitos fundamentais dos seus cidadãos. Contrariando o princípio de total independência previsto no Regulamento, encontra-se largamente dependente do acordo ou assentimento da Comissão para desenvolver as suas atividades (art. 12.º, na alínea e, e art. 10.º, no ponto 6), colocando de facto se não de jure sob a tutela do poder político a regulação da comunicação social. Mesmo os poderes que lhe são atribuídos são de curto alcance: é pouco útil, por exemplo, que emitindo o Comité parecer negativo sobre a concentração de propriedade de meios de comunicação social não seja esta posição vinculativa, particularmente estando no Comité representadas as entidades reguladoras que o poderão escolher contrariar (ponto 6, do artigo 21.º)

Sendo positiva a atenção dada à avaliação das concentrações no mercado dos meios de comunicação social, consideramos que motivará más práticas a consagração da alínea c, do ponto 2, do artigo 21.º. Tendo em conta a frequentemente deficitária situação financeira dos média, ter em consideração se a entidade adquirente e a entidade adquirida continuariam a ser economicamente sustentáveis caso não se desse a concentração servirá como incentivo à má gestão de órgãos de comunicação social tendo em vista a concentração de propriedade. Nos média, é potencialmente mais danosa a concentração de propriedade do que o fecho de um órgão.

Vemos com preocupação a legitimação de um mecanismo coordenado de censura na União Europeia, no artigo 16.º e na alínea k, do artigo 12.º. Não pode ser limitado o acesso de cidadãos europeus a publicações estrangeiras, mesmo invocando preocupações de segurança pública e defesa. As limitações recentes no acesso a órgãos de comunicação social russos não devem servir como precedente, mas como falha a ser corrigida. Não se baseia uma Europa democrática na restrição do acesso à informação, incluindo quando esta é de natureza propagandística.

Estranhamos que se excluam deste Regulamento vários princípios apontados pela Comissão na recomendação sobre salvaguardas internas para a independência editorial e a transparência da propriedade no setor dos meios de comunicação social. Consideramos imperativo estabelecer o direito de oposição e a cláusula de consciência elencados nas alíneas b e c, do ponto 8, da Recomendação, os sistemas participativos expostos entre os pontos 11 e 14 desta, e as normas de transparência abrangentes indicadas nos pontos 17, e nas alíneas b e c, do ponto 20.

Seria expectável que previsse o Regulamento, pelo menos, a obrigação de divulgação de conflitos de interesse de todos os profissionais de comunicação social envolvidos na produção de trabalho informativo, em vez da norma mais limitada presente no ponto b, da alínea 2, do seu artigo 6.º. Estabelecendo-se normas de transparência para a comunicação social, seria recomendável que não estivesse a divulgação de proprietários sujeita a uma quota mínima (art. 6º, ponto 1, alínea b), e que fosse incluída no Regulamento a obrigação de divulgação de financiadores e fontes de receita, mesmo que estes não detenham uma participação no órgão. Mesmo as obrigações existentes são de aplicação limitada, uma vez que a alínea 3 deste artigo isenta destas as microempresas. O Fumaça, publicação periódica detida pela Verdes Memórias – Associação, por exemplo, não estaria sujeito a qualquer uma destas obrigações, bem como muitas redações locais e regionais, e, crucialmente, órgãos criados com o propósito de difundir desinformação, tendencialmente geridos por pequenas equipas.

Está desfasado da realidade o foco unívoco na publicidade estatal como modelo de financiamento público da comunicação social. É necessária a criação de bolsas públicas de financiamento estrutural para projetos jornalísticos, a nível nacional e europeu. Os atuais mecanismos europeus de financiamento para os média sofrem de sobre-especificidade: a necessidade de criar consórcios internacionais, ou investir em programas de transição digital, deixam sem opções qualquer redação que busque financiar uma operação nacional de produção informativa.

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