Eleições Europeias 2019

Tradução – Claude Moraes, eurodeputado sobre refugiados e a “Europa fortaleza”

Esta é uma tradução da entrevista feita a Claude Moraes, eurodeputado britânico, sobre a política da União Europeia em relação refugiados. Ouve aqui a entrevista.

Ricardo: De acordo com a Organização Não Governamental (ONG) Transnational Institute, os países da União Europeia (UE) ou do Espaço Schengen construíram 1000 quilómetros de muros (cerca de 620 milhas) desde os anos 90, para impedir que imigrantes cheguem à Europa ou para limitar a sua circulação dentro da Europa. O comprimento total destes muros é seis vezes maior do que o Muro de Berlim e equivale a um terço do muro entre os Estados Unidos da América e o México, que Donald Trump quer finalizar. Estamos a construir uma “Europa Fortaleza”?

Claude: Eu penso que o conceito de uma “fortaleza europeia” sempre existiu. A União Europeia, particularmente a Europa Ocidental; o teu país, Portugal; o meu país, Reino Unido; têm um passado imperial e colonial e a Europa, nesta sua nova forma, pode enganar-se a si própria que de alguma maneira é especial mas sempre teve, durante a sua existência, desde 1979 adiante, uma situação paradoxal. Por um lado, quis ver-se a si própria como uma Europa aberta, mas sempre foi – apesar de nos primeiros tempos a Comissão Europeia ter sido muito progressista no que toca a migrações – sempre teve os seus Estados membros preocupados com as fronteiras externas, construindo uma certa… podes chamar-lhe “fortaleza”, mas podes certamente dizer que construíram uma fronteira externa porque tinham essa tensão e preocupação pelo facto de terem o Espaço Schengen e o potencial de livre circulação de pessoas – então tinha de haver esta fronteira externa. E a Direita quereria sempre uma fronteira mais forte, que fosse como uma “fortaleza”. As forças mais progressivas na União Europeia quereriam sempre que não fosse uma “fortaleza”, que fossemos, antes, mais abertos. Então, esta tensão sempre existiu, e tu estás certo em dizer que, hoje, estamos numa fase em que esse tipo de “fortaleza”… Sabes, vê-se isso com o regulamento da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira, vê-se isso com os Estados membros a tomarem mais controlo da agenda [política] com Salvini, entre outros – há uma maior tendência para isso. Então, a maneira como eu veria isto é que existe uma tensão, uma tensão política entre as pessoas que querem ver uma Europa mais aberta (pessoas mais progressistas) e as pessoas que querem ver uma Europa mais fechada, uma Europa mais “fortaleza”. Mas eu acho que a questão é que estamos a caminhar para [a direção de] os Estados membros tomarem conta da agenda [política].

Ricardo: Queres dizer a agenda [política] de criar mais muros?

Claude: Sim, claramente. Acho que isso é um movimento global do Ocidente, um movimento populista – não querendo com isto dizer que o populismo não existe noutros países, claro, isso vê-se também nos chamados “países BRIC” [Brasil, Rússia, Índia e China) ou nos países em desenvolvimento mas -, para os países do Ocidente, existe agora um movimento populista. Tens o Trump… Tens populismo a infiltrar-se na política europeia e, claro, isso vai desembocar nas migrações.

Ricardo: Mas parece que não falamos tanto sobre esses muros como falamos sobre o muro de Trump, certo?

Claude: Sim, há uma razão para isso. Primeiro, tens Trump, ele é muito fácil de identificar. Depois, tens os Estados Unidos da América, que é construído sob migrações: o “Green Card”, muito disso é a sua noção popular. E de repente tens um supremacista branco a usar todas as metáforas da supremacia branca. Um personagem desonesto a tentar inflamar a sua base de apoio branca. E isso é muito fácil de identificar, muito fácil de reportar. Na União Europeia, o que tens é uma situação política muito complexa. Tens muitos progressistas. Tens uma Comissão Europeia e Instituições europeias que começaram um percurso muito progressista em relação a migrações, desejando uma Europa aberta, inclusiva de muitas maneiras. Então, é muito mais complicado, e é por isso que o elemento de “fortaleza” não é assim tão fácil de explicar e identificar. Ainda assim, nas últimas semanas e meses tem ficado mais claro. E a razão porque tem ficado mais claro não é por causa de Trump, mas tem ficado mais claro através dos ‘Salvinis’, através dos ‘Órbans’, e também através de Instituições enfraquecidas – a Comissão [Europeia] não ser capaz de os enfrentar, Estados membros enfraquecidos que não conseguem impor-se (quero dizer os maiores Estados membros), obviamente, o Reino Unido agora a sair, mas a França, a Alemanha, incapazes de enfrentá-los tanto quanto deviam (se bem que acho que eles os enfrentam). Mas há bons Estados membros: a Suécia, ou o que a Alemanha fez recentemente. E não se pode esquecer isto, porque a Alemanha fez algo bom durante a crise de migrantes. Portanto, quando perguntas “porque é que é menos visível?”, é menos visível porque é verdadeiramente mais complicada. Por exemplo, quando tens uma proposta sobre a Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira: há muitas pessoas que querem limitá-la; há muitas pessoas que querem fazê-la mais progressista. Porque a União Europeia não é só um tipo de política, existem muitas convicções políticas, muitos grupos políticos, existe a Esquerda, a Direita e o Centro. E dentro dos partidos que representam, por exemplo, Portugal, todos esses grupos políticos estão representados. E isso tem que ser entendido.

Ricardo: De acordo com a Transnational Institute, um total de 13 muros foram construídos por Estados membros da União Europeia ou do Espaço Schengen. Países como a Espanha, Grécia, Bulgária, Áustria, Eslovénia, Reino Unido, Letónia, Estónia, Lituânia, Eslováquia, Noruega e, claro, Hungria. A Hungria foi responsável por metade desses 1000 quilómetros, com a barreira que foi construída entre a Hungria e a Sérvia e a Hungria e a Croácia, em 2015, durante a grande crise de refugiados, com o objetivo de parar a circulação de imigrantes e refugiados que passavam pelo país. Que impacto teve esta medida na vida de refugiados durante 2015 e 2016?

Claude: Eu acho que teve um grande impacto nas famílias que foram afetadas nessas fronteiras, mas acho que o maior impacto aconteceu onde não havia divulgação. Tu mencionaste Espanha, mencionaste alguns dos diferentes países que têm construído muros; o Reino Unido é outro exemplo; França, Calais; todos esses tipos de medidas, não necessariamente relacionadas – mas dissuasivas que aconteceram.

Ricardo: E podes dar um exemplo do que realmente acontece, do que realmente significa um muro? Não o da Hungria…

Claude: Já percebi que estás a criar um caso à volta dos muros, mas a questão é que os populistas querem que esses “casos dos muros” aconteçam. Eles querem os jornalistas … É isso que eles querem, é o Santo Graal deles. Eles querem que os jornalistas digam “O ocidente está a construir muros”. O que está a acontecer na União Europeia, não acho que seja o mesmo que Trump está a fazer. Ele está a dizer que quer construir um muro, é isso. Penso que o que está a acontecer na União Europeia é muito mais complicado porque tens diferentes camadas de situações a acontecer. Mas está a acontecer. E isto está a acontecer agora, no sentido de que está a acontecer numa direção mais controlada. Então quando dizes “o que está a acontecer”: as instituições, eu falo da proposta da Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia.

Ricardo: Então vamos falar sobre isso. Em 2016, em julho, um novo regulamento entrou no Parlamento Europeu para votação, em que basicamente era dado maior controlo e mais poder à Frontex, a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira. Basicamente mudou de nome, ganhou mais poder e também mais orçamento. O regulamento passou com 483 votos a favor, 181 contra, 48 abstenções. Foi um bom acordo?

Claude: Eu pessoalmente oponho-me a que a Guarda Costeira e de Fronteiras Europeia seja reforçada, por exemplo, com a proposta atual, o nosso grupo traçou uma linha vermelha em… Ontem estabelecemos uma linha vermelha, certamente dentro do nosso grupo, sobre regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular. Então, dentro destas propostas nós lutamos por…

Ricardo: Mas em 2016 era um bom acordo?

Claude: Eu não acho que tenha sido, não.

Ricardo: Mas votaste a favor.

Claude: Sim, quer dizer… as questões sobre votar numa proposta final, uma vez alterada por nós… Tentamos emendá-la e votar na proposta final, mas, sim, eu não estou feliz com isso. Eu não estou feliz com a proposta.

Ricardo: Então porque votaste a favor?

Claude: Às vezes tu votas em algumas coisas de que não gostas particularmente… isso acontece às vezes na política. De facto, no final, votamos a favor, sim.

Ricardo: Mas qual foi a razão por detrás?

Claude: Porque… O que acontece é que às vezes tens que ter um equilíbrio como, por exemplo, nós queremos a reforma de Dublin, queremos a reforma do pacote de asilo.

Ricardo: Vamos falar sobre isso.

Claude: Sim. Nós queremos uma proposta equilibrada. Isto devia ter feito parte de uma proposta equilibrada e tu estás certo, nós não recebemos a outra metade do acordo. Devíamos ter tido um pacote de asilo completo, devíamos ter tido ???, devia ter havido a questão do regresso [de nacionais de países terceiros em situação irregular] e a Frontex está a vir mais da Direita. Devíamos ter partilhado a responsabilidade de Dublin, deveríamos ter um restabelecimento que é, naturalmente, proveniente dos progressistas e da Esquerda. Deveríamos ter tido toda uma série de medidas que vimos no pacote asilo, provavelmente cerca de 12 ou 13 documentos, que agora estão todos congelados. Eu acho que a ideia era – quer dizer, eu estou a ser completamente honesto contigo porque fizeste a pergunta certa – por que razão qualquer progressista votaria numa política mais restritiva?

Quer dizer, eu sou um imigrante, eu já fui deportado. Porque é que votaria em algo como a Frontex? Essencialmente, para ter fronteiras livres. Quer dizer, podes argumentar que não deveria haver fronteiras, não discuto isso. Cada país precisa de fronteiras, a União Europeia precisa de uma fronteira externa. Mas não se não houver medidas de compensação. Não, se não tiveres maneira de os refugiados se tornarem refugiados na União Europeia, de reivindicarem de maneira decente, serem resgatados. Agora, é verdade que o que está a acontecer é que o ênfase nessas medidas está a desaparecer. O congelamento do pacote de asilo é um grande exemplo disso mesmo. Definitivamente, se eu tivesse que voltar a 2016 sabendo o que está a acontecer agora com o pacote de asilo, votava de forma diferente. Fazes uma pergunta muito boa. Na política, aprendes estas lições e eu acho que agora estaria certo se dissesse que o nosso grupo [Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas] – o nosso grupo inteiro, não apenas eu – olha para isto de uma maneira muito mais dura.

Ricardo: Entrevistei esta semana a eurodeputada portuguesa Marisa Matias, da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde [GUE/NGL]. Ela chama este regulamento, de 2016, da Frontex um regulamento racista e xenófobo e chama a Frontex uma agência de deportação. Concordas com isto hoje?

Claude: As pessoas podem ter os seus rótulos para as coisas e eu acho que quando estás num determinado grupo político tu tens que ter um rótulo para as coisas. Quer dizer, é uma decisão tua o que lhe queres chamar. A Frontex faz o que faz. Sabes, as pessoas podem arranjar frases feitas, eu não o vou fazer. Eu acho que essa é a saída mais fácil. Tu és um jornalista, é bom para ti poder reportar algo e depois perguntar-se se eu concordo. O que eu acho mais importante é escrutinar ou lidar com o que a Frontex faz ou não faz. Por exemplo, se tu dizes que, estás a falar do ??? que a Frontex faz nas suas operações de resgate? Por exemplo, durante o período no Mediterrâneo, quando não havia muitas pessoas a fazer resgates, não se resgatava quase ninguém, a Frontex e alguns navios da marinha italiana eram os únicos que resgatavam seres humanos do mar… E eu sou um imigrante, eu sei… Como disse, eu fui deportado, eu nunca estive na posição daquelas pessoas, mas eu posso sentir o… quando havia apenas aquelas pessoas a fazê-lo.

Então, não podes ter uma afirmação categórica, porque havia pessoas nessas agências que fizeram a coisa certa. É claro que a proposta deve ser criticada e eu fiz isso. Então ela [Marisa Matias] está certa em ser crítica, mas eu acho que [essa afirmação] é apenas uma frase feita genérica… Não tenho a certeza. É só a minha opinião, ela, claro, é livre de usar a sua frase feita. Mas acho que colocar as palavras na boca de outras pessoas, falando de forma genérica, não.

Ricardo: Desde 2017, várias ONGs responsáveis pelo resgate de milhares de refugiados no Mar Mediterrâneo começaram a ser perseguidas pela Justiça por vários Estados-membros, o que levou a que, em várias situações, fossem confiscados navios e interrompidas as missões de resgate. Isto aconteceu com a Médicos Sem Fronteiras, a Sea-Watch, Jugend Rettet em 2017 – de facto, nesta momento, dez dos seus membros estão a ser acusados de auxílio à imigração ilegal pelo poder judiciário italiano. Isto é uma estratégia europeia, impedir ativistas de resgatar pessoas do Mar Mediterrâneo?

Claude: Sim, é uma estratégia, é uma estratégia de dissuasão à qual nos opomos. Reunimos com as ONGs várias vezes, a última na semana passada. Reunimos com a MSF, Sea-Watch.

Ricardo: MSF são os Médicos Sem Fronteiras.

Claude: Sim. E algumas das principais ONGs que estão atualmente no Mediterrâneo e, quer dizer, eu sou muito da opinião… Temos sido ativos nisto, eu pessoalmente tenho sido ativo nisto. O que está a acontecer agora é que os Estados-Membros estão a conduzir uma política de criminalização das ONGs para mandar uma mensagem. Eles estão a usar estes acontecimentos conduzidos por, tu sabes, Estados-Membros – o Salvini é um bom exemplo -, e estão a acabar com o que tu vês: nos últimos dois dias, com a operação Sophia, os navios foram removidos. Não tenho dúvidas de que isto faz parte de uma estratégia conduzida pelos Estados-Membros.

Ricardo: Não pela União Europeia?

Claude: Bem, deixa-me explicar isto porque nós não podemos ser simplistas. Vou explicar exactamente o que está a acontecer. Os Estados-Membros estão a impulsionar [essa política].

Porque dizes que os Estados-Membros a estão a liderar? Estão a impulsiona-la porque estão perante uma Comissão [Europeia] enfraquecida. A Comissão Europeia está a ir atrás disso, muitas vezes facilitando-o. Esta é uma consequência dos Estados-Membros se afirmarem cada vez mais por causa das migrações. É uma consequência dos Estados-Membros… Tens mais governos de Direita, tens governos populistas a tomar o controlo da agenda [política]. Eles pressionam a Comissão Europeia e ignoraram o que o Parlamento Europeu está a fazer. Então, a colega que mencionaste do GUE/NGL, eles podem dizer o que eles querem ouvir, apoiar o pacote de asilo – na verdade, eu provavelmente estarei a apoiar o pacote do asilo da mesma forma que a colega que mencionaste de Portugal.

Ricardo: Marisa Matias.

Claude: Sim. Nós vamos votar da mesma forma no pacote do asilo e no resto.

Ricardo: O que é que isso quer dizer?

Claude: O que isso significa é [que votaremos em] mais políticas progressistas. Mas o que está a acontecer agora é que os Estados-Membros estão a forçar-nos a uma posição em que eles literalmente arquivam ou congelam tudo isto. Quero dizer, eles ainda não destruíram literalmente o pacote de asilo, o que é bastante interessante, mas eles estão a arquivar tudo.

Ricardo: Mas o que é este pacote? O que significa, relalemente?

Claude: É um conjunto variado de medidas que criaria um processo de asilo holístico, decente, para que se possa pedir asilo, [criar] rotas legais, condições de receção. Há partilha de responsabilidades que cabem a todos os Estados-Membros, há políticas de realojamento, porque estás a tirar pessoas de zonas de perigo e isso é legalmente aplicável. Sem isso, o que se está a fazer é alimentar o controlo por parte dos Estados-Membros quando são os Estados-Membros populistas que estão a conduzir o problema. Então, tens pessoas como o Salvini e outros a empurrar a agenda. A outra coisa é que estás a falar sobre a criminalização, eu volto a isto porque isso é realmente importante. O que está a acontecer nesta espécie de vácuo, em que os Estados-Membros estão a pressionar é que com o … Falaste sobre a União Europeia – com o Serviço de Ação Externa, o que eles estão a fazer é transformar isto num exemplo. Nos últimos dois ou três dias, a operação Sophia, que eu esperava que nunca tivesse sido tocada, está a perder navios. Isso significa que as pessoas se vão afogar, que as pessoas vão morrer. Mais pessoas vão morrer.

Ricardo: Bem, na verdade, houve este relatório chamado “Viagens Desesperadas” das Nações Unidas, de setembro do ano passado, que mostrou que, embora o número de pessoas a chegar à Europa e a cruzar o Mediterrâneo tenha caído significativamente, a travessia tornou-se mais letal do que nunca. Citando o comunicado de imprensa da ONU: “O relatório mostra que, enquanto o número total de pessoas que chegam à Europa caiu, a taxa de mortalidade aumentou acentuadamente, particularmente para aqueles que atravessam o Mar Mediterrâneo. No Mediterrâneo Central, uma pessoa morreu ou desapareceu por cada 18 pessoas que cruzaram para a Europa, entre janeiro e julho de 2018, em comparação com uma morte para cada 42 pessoas que cruzaram no mesmo período, em 2017.”

Claude: É verdade. Apesar de os números estarem a baixar, é errado que as pessoas usem o facto dos números estarem a baixar, porque as travessias estão a tornar-se mais perigosas, os métodos de dissuasão usados estão mais perigosos. Eu estive envolvido em política migratória grande parte da minha vida adulta. Fui diretor de uma ONG, uma ONG de proteção legal para imigrantes e requerentes de asilo, antes de me tornar deputado. Eu sei que as maiores armas que os países ocidentais usam contra a imigração são o asilo é a dissuasão. É transformar as pessoas em exemplo. Acho que o que está a acontecer no Mediterrâneo é que essas ONGs que estão a ser criminalizadas estão a ser transformadas num exemplo. O que fizemos aqui, pessoalmente, pressionámos a directiva de facilitação, que consiste em fazer com que a Comissão tenha directrizes que não permitam que Estados-Membros, individualmente, criminalizem as ONGs. E trabalhámos com as ONGs para o fazer. Mas, é claro, o que vejo acontecer aqui é que os Estados-Membros estão-nos a forçar a entrar nessa fase populista de… E os Estados-Membros que não são populistas não parecem estar a apoiar-nos e isso é uma preocupação de momento.

Ricardo: Mas, dado isto, a União Europeia ou, em particular, esses Estados-Membros não deveriam ser investigados por crimes contra a Humanidade?

Claude: Bem, eu acho… Nós discutimos na semana passada com ONGs que ???. Tivemos opiniões jurídicas muito fortes, tivemos advogados internacionais connosco. Estou feliz que estejas a olhar para isto, mas precisamos de olhar para a lei internacional sobre isso, porque uma das coisas que ficaram bem claras nessa reunião (e depois eu fiz outra reunião naquele dia, novamente com as ONGs) é que as pessoas vão olhar para trás e vão perguntar onde estávamos, durante este período de mortes em massa no Mediterrâneo. Mas não apenas ali, também no Sáara. Eu estava na Líbia e as rotas em Agadèz e Níger, onde eu acho – não tenho provas, mas suspeito – de que os números são maiores em termos de mortes do que no Mediterrâneo. As pessoas vão perguntar onde estávamos todos, durante este período. E, por essa razão, o direito internacional ou os advogados internacionais agora têm que dizer que nível de culpa é que os Estados-Membros têm, que nível de culpa as instituições têm porque as pessoas estão a morrer. E eu acho que questão fundamental que referiste está correcta, de que eles estão a usar a ideia de que os números estão a cair, mas as travessias estão a tornar-se mais perigosas, por causa do desmantelamento dos esforços de resgate.

Ricardo: Apesar da Frontex ter mais poder.

Claude: A Frontex tem poder mas eu diria, outra vez, se puder acrescentar valor a esta entrevista, que a Frontex, no fim de contas, não é uma agência assim tão grande. As pessoas olham para algumas das agências da União Europeia e a Frontex não é tão grande. O Mediterrâneo é um espaço enorme. Pode soar meio óbvio, mas se vais de Agadèz, na rota do Níger, ou se vais pelo Mediterrâneo, isso pode parecer pequeno, no mapa, mas é grande. Estão a morrer pessoas que nós nunca vemos, que os média nunca apanham. O maior número de mortes acontece em África, no Níger, Agadez, e os jornalistas não querem ir lá, é demasiado difícil para eles, então não vão. E não vão para a Líbia, é demasiado difícil para eles. Isso significa que os relatos que eles recebem são em segunda mão sobre o Mediterrâneo, das estatísticas dos navios que lá estão, das agências que existem lá, é o que eles relatam. O que eu acho que precisa de acontecer, e que estás a sugerir agora, é olharmos para a ordem jurídica internacional real, neste caso. A criminalização das ONGs é uma coisa. O que está a acontecer agora com a operação Sophia – qual é a legalidade disso quando as pessoas estão a morrer?

Ricardo: Podes explicar o que é a operação Sophia?

Claude: Bem, a operação Sophia era uma operação da UE que usava até recursos militares de diferentes países e preocupa-me agora que – acho que apontaste para isso corretamente – este movimento de criminalização das ONGs, este efeito dissuasor, que de repente tiveram os seus recursos removidos, os seus navios removidos. Acho que é um efeito direto do populismo. Isto é pressão do governo italiano, isto não vem das Instituições, nós não votámos isso aqui, então também há falta de responsabilidade. O que tem de acontecer é que os Estados-membros que não são dirigidos por governos populistas têm de se levantar. Claro que o Parlamento Europeu precisa de fazer frente, também. Twettei hoje sobre a operação Sophia. O meu tweet não poderia ser mais claro ao dizer que enquanto instituições e países, somos culpados pelo que vai acontecer. Eu não podia ser mais claro e sou presidente da nossa comissão. Agora, ok, precisamos gritar mais alto. Não tu, porque és um bom jornalista de investigação, mas eu acho os media, como um todo, estão de alguma forma cansados do tema Mediterrâneo – de certeza que terás visto isso, entre os chamados media tradicionais. É um círculo vicioso neste momento.

Ricardo: Outro acordo que não foi votado pelo Parlamento Europeu foi em 2016, o acordo UE-Turquia. Não tenho a certeza de que a União Europeia lhe chame um acordo, foi um comunicado de imprensa, diria. No dia 18 de Março de 2016 – fez três anos na semana passada – chegaram a acordo para, nas palavras de Angela Merkel, no dia da assinatura – e estou a citar – “ajudar, acima de tudo, os mais diretamente afetados – os refugiados”. Resumindo os termos do acordo: todos os “migrantes irregulares” que cruzam da Turquia para a Grécia devem ser enviados de volta para a Turquia; por cada refugiado sírio que vá para a Turquia, um viria para a Europa, até um máximo de 72 mil pessoas; a Turquia comprometia-se a impedir que as pessoas viessem para a Europa; e, em troca, a Europa aceleraria o cumprimento da liberalização de vistos para os cidadãos turcos; pagaria seis biliões de dólares no espaço de três a quatro anos; e, depois, também reveria a candidatura turca à União Europeia. Isto foi um outsourcing do problema?

Claude: Sim, simplesmente foi. Isto foi um outsourcing. O acordo UE-Turquia foi uma solução procurada pela União Europeia, principalmente para a crise síria. E foi… quer dizer, de certa forma… Eu visitei campos de refugiados na Turquia. Se visitares campos de refugiados em Lesbos, na Grécia, ou se visitares alguns campos, como eu fiz, em África, os campos da Turquia são alguns dos campos mais bem organizados e humanitários que existem. Mas o acordo com a Turquia é profundamente defeituoso porque, como dizes, qual foi o aumento da morte ??? Qual era o propósito? Foi para encontrar uma solução para a Europa. Mas então qual é o propósito da União Europeia? O objectivo da União Europeia é tentar gerir uma crise de refugiados. Agora, a grande maioria dos refugiados não vem para a União Europeia, eles vão para outros lugares, mas tu és europeu, eu serei ligeiramente menos europeu. O facto é que é isso que a maioria dos europeus parece querer, queriam uma solução. E isto foi uma solução profundamente defeituosa que foi encontrada. E como vimos, por causa das mudanças de governos, e todas as cedências que têm acontecido… E durante esse período todo fomos muito, muito compreensivos e muito – qual será a palavra? – eu acho que muito perturbados por todo o processo. Por isso, todo o período foi muito difícil porque, por um lado, era-nos dito que era precisa uma solução para esta realidade diária de que a UE não faz nada sobre a crise dos refugiados pelos países que queriam uma solução, e isso incluía a Grécia, a Itália, e todos os países da UE, Portugal também. Toda a gente, toda a gente queria uma solução. Mas nós sabíamos que o acordo UE-Turquia tinha profundas falhas, incluído falhas de Direitos Humanos.  

Ricardo: Mas se fores ao site dos Socialistas e Democratas, na área de imprensa, a 17 de Março de 2016, havia um comunicado de imprensa que dizia: “Eurodeputados trabalhistas: o acordo de migrações UE-Turquia é bem-vindo, mas Ancara deve fazer mais para aliviar as preocupações”. Então o acordo era bem-vindo, para ti, naquele momento.

Claude: Nós não o consideramos bem-vindo. Nós dissemos que havia preocupações.

Ricardo: Quer dizer, está no site dos Socialistas e Democratas.

Claude: O segundo ponto era que havia preocupações. Eu não chamo a isso bem-vindo. Isso só…

Ricardo: Não era um título na imprensa. Foi … O comunicado de imprensa tem esse título.

Claude: Porque os principais grupos aceitaram, no final, o acordo UE-Turquia, mas ninguém gostou dele, é isso que estou a tentar salientar.

Ricardo: Disseste que não podia ser a solução principal, certo?

Claude: Não, eu expliquei que era um outsourcing que não… Quer dizer, nenhum progressista podia gostar daquilo, ninguém podia gostar, porque tinha tantas falhas. Eu odiava o acordo UE-Turquia e ainda não gosto dele, mas estou a tentar explicar porque é que os principais grupos, no final, foram atrás dele. [O que] esse comunicado de imprensa classicamente diz é que há muitas preocupações e então diz quais são as preocupações.

Ricardo: Eu sei que diz que vocês tinham preocupações, mas também diz que lhe deram as boas vindas: “Eurodeputados trabalhistas…”

Claude: Sim, porque votamos a favor. Isso chama-se honestidade e é isso que todos os principais grupos fizeram. No final, votaram por ele, então essa é uma posição honesta.

Ricardo: Disseste na Cimeira da UE sobre migração em Junho de 2018 – cito – “É fundamental que o Conselho [da Europa] proponha soluções compreensivas, humanitárias e eficazes para a migração nesta reunião. O Parlamento Europeu fez o seu trabalho como co-legislador avançando com a sua posição, em Dublin. Com a reforma do Sistema Europeu Comum de Asilo, a solução para uma abordagem da UE baseada na solidariedade e responsabilidade partilhada está em cima da mesa e o Conselho precisa de agir agora – e se não for possível tomar uma decisão por unanimidade, é hora de decidir por maioria.” Este caminho para a reforma do sistema de asilo e do regulamento de Dublim não começou há muito tempo, em 2015? Por que ainda está em discussão e não foi aprovado?

Claude: Porque os Estados membros não querem. Eles querem unanimidade, que foi a sua maior conquista. Eu lutei pelo [sistema de] voto por maioria, persistentemente, por isso obrigado por elogiares a minha batalha solitária no Conselho, é isso que tenho estado a fazer, muito obrigado. E se o voto fosse por maioria já teríamos, hoje, um Sistema de Asilo, porque existem muitos Estados membros afetados. França, Malta, outros, que votariam por isso. Nós iríamos todos votar por isso, em maioria. Mas precisamos de unanimidade para que Portugal, ou todos os países que têm algum bom senso, votem pelo Sistema de Asilo…

Ricardo: E acreditas que isso estará feito antes do fim do mandato?

Claude: Se fosse por maioria, já teríamos um Sistema de Asilo… Estaríamos agora a falar sobre melhorias ao Sistema de Asilo. Irias estar a falar sobre “existem rotas suficientes?”. Mas, em vez disso, temos os Estados-membros a “estrangular” o que já temos. Eu fiz uma proposta para vistos de imigrantes altamente – “blue card” – que nem sequer chegou a ser votada aqui porque tinha a palavra “migração”. Estamos numa nova fase aqui, com os Estados membros a correr com medo dos populistas e em completa inércia.

Ricardo – Mas esperas que a regulação de Dublin e o novo Sistema de Asilo… Esperas que isso seja implementado até ao final do mandato?

Claude: Não. Porque acho que o populismo levou os Estados membros nesta direção. Não o destruíram, congelaram-no, o que, pelo menos, é alguma coisa, mas não tenho grandes esperanças na composição do próximo Parlamento Europeu. Vai ser mais à direita e, em resposta, a esquerda vai, provavelmente, tornar-se mais ideológica e exibicionista, vai querer mais das suas frases feitas. Infelizmente, o que vai acontecer é que vão brincar com a vida das pessoas, porque, no fim, são mesmo pessoas, sabes? E o que era necessário era a Reforma. Para salvar vidas, para termos mais rotas legais. Estamos a falar da Europa. Estamos a falar de um sítio de memória viva, que tinha colónias, não é? Tu sabes disso porque és de Portugal, tiveram muitas [colónias]. Estamos a falar de uma estrutura que precisa de uma política viável agora, porque as pessoas estão a morrer agora. Eu estive a trabalhar nesta maioria e seria uma boa maneira de implementá-la. Muitos Estados membros queriam-na, mas estamos “cercados”. O problema com este “cerco” é que agora os maiores países também estão envolvidos. Eu diria que, no Concelho, Portugal é um país que está realmente no extremo progressista, mas não têm uma voz, neste momento, por causa deste “cerco”. Então acho que vai ficar congelado. Vamos ter um pior Parlamento Europeu nas próximas eleições e acho que isso vai enfraquecer as coisas, mas o otimismo é que ainda temos Democracia e temos pessoas como tu, temos pessoas que vão preocupar-se e continuar a olhar para isto. Eventualmente, as pessoas vão perceber que precisamos de imigração na Europa, refugiados precisam de vir.

Ricardo: Este é o teu último mandato no Parlamento Europeu?

Claude: Ainda não sei. Queres ter uma discussão sobre Brexit?

Ricardo: Não sei, temos apenas três minutos [ri-se]

Claude: Acho que não temos tempo porque me parece que tens demasiada coisa. Acho que tu estiveste muito bem e fizeste perguntas corretas, perguntas difíceis sobre migrações, mas se quiseres falar sobre Brexit fico feliz em responder a isso também.

Ricardo: Não, não temos tempo.

Claude: Mas posso dizer-te uma coisa? O Brexit também é sobre o outro, também é sobre populismo, também sobre imigração.

Ricardo: Também é sobre migrações?

Claude: O Brexit é a nova imigração, sim, claro que é. É sobre o outro, sobre a livre circulação de pessoas, sobre migração, é a conjugação dessas coisas. E as pessoas que estão no Reino Unido têm de saber isso, se ainda não sabem. E qualquer jornalista que não perceba isso precisa de saber que é disso que se trata. É sobre o outro, sobre imigrantes, é sobre refugiados, é sobre os portugueses em Londres, é sobre o que aconteceu em 2004, é sobre como a imprensa britânica explorou isso, a conjugação entre a UE e imigração e a difamação da UE como instituição pela imprensa de Direita no Reino Unido. Foi isto que criou o Brexit. Mas, se eu tivesse mais tempo, dava uma resposta mais complexa, mas acho que é isto, em síntese.

Ricardo: Obrigado.

Claude: Obrigado.

Foi a 6 de outubro de 2023 substituída a citação “O conceito de ‘fortaleza europeia’ sempre existiu” pela identificação do tema da entrevista, no título do artigo