Eleições Europeias 2019

Tradução – Bas Eickhout, eurodeputado: “Devíamos tratar a indústria dos combustíveis fósseis como tratamos a do tabaco”

Esta é a tradução da entrevista a Bas Eickhout, eurodeputado holandês e um dos dois principais candidatos dos Verdes Europeus às eleições do Parlamento Europeu, sobre a política da União Europeia de alterações climáticas. Ouve aqui a entrevista.

Margarida: Em outubro, o IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas] divulgou um relatório que dizia que a eletricidade a carvão deve terminar em 2050 se queremos limitar os aumentos do aquecimento global a 1,5º Celsius acima dos níveis pré-industriais. Demonstra ainda que se a temperatura global subir para 2ºC “alguns impactos podem ser duradouros ou irreversíveis”. Podes explicar esse limite de 1,5ºC?

Bas: Acho que é sempre importante salientar que, no fim de contas, é uma decisão política sobre em que nível queres ficar. Internacionalmente, o mundo inteiro disse “Ok, nós queremos prevenir interferências antropogénicas perigosas com o sistema climático”. E, claro, depois a pergunta é: quando é que é perigoso ou não? Para colocar a questão de forma mais cínica: o que estamos dispostos a aceitar que venha a acontecer? A ciência mais recente está a mostrar que os impactos das alterações climáticas são mais severos ainda com menores aumentos [de temperatura]. Durante anos, falámos de 2ºC, mas acho que há boas razões para permanecermos próximos dos 1,5ºC, por várias razões. Em primeiro lugar, com 1,5ºC os ecossistemas muito vulneráveis já vão ser atingidos. Pense-se nas barreiras de coral, que provavelmente já vão desaparecer com 1,5ºC, então isso é algo que, aparentemente, estamos dispostos a aceitar.

Em segundo lugar, já vemos impactos nos glaciares e no degelo do Pólo Norte. Cada vez mais provas científicas mostram também que – se permitirmos um aquecimento adicional de 2ºC – podemos chegar a pontos de ruptura. Isso significa que há degelo de glaciares e os mantos de gelo vão ficar tão altos que, num determinado momento, por causa do desencadear de um efeito de aceleração, o gelo pode mesmo desaparecer do Pólo Norte.

Margarida: E não se pode voltar atrás.

Bas: E não se pode voltar atrás.

E se não tiveres mais gelo no Pólo Norte, estamos realmente a falar de um estágio diferente nas alterações climáticas. Os cientistas estão a avisar e os políticos estão a dizer vamos ficar abaixo do aumento de 1,5ºC. Os últimos pontos? Ilhas de baixa altitude [face ao nível médio do mar]. Estamos a falar do aumento do nível médio do mar. E acho que é por isso que internacionalmente isto foi uma descoberta tal. As lhas de baixa altitude, como as Maldivas, estavam a dizer “Gente, nós estamos a falar do nosso futuro aqui e nós podemos simplesmente desaparecer”. Esta é outra razão porque devemos ficar abaixo do que prevíamos inicialmente.

Margarida: As pessoas mais afetadas serão as de países em desenvolvimento?

Bas: A subida do nível médio do mar vai, claro, ter impacto em muitas pessoas que vivem próximas da costa e, infelizmente, muitas pessoas vivem próximas da costa, porque é aí que nós construímos as nossas cidades. Depois a agricultura: especialmente em África, vê-se já que as secas estão a impactar fortemente as práticas agrícolas. Os rendimentos das colheitas estão a descer. Mas isso é cada vez uma preocupação para regiões no sul da Europa, como Espanha e Portugal. Vocês já conhecem muito bem as secas no Verão, os incêndios florestais como consequência. Mas o que é também uma grande preocupação é que bastantes pessoas são muito dependentes dos glaciares, porque os glaciares garantem que durante o Verão ainda têm água. Em regiões dos Himalaias, há muitas pessoas cuja agricultura depende do derretimento dos glaciares no Verão. Se esses glaciares desaparecerem e as pessoas ficam dependentes da neve e da chuva – quando chove e quando neva – isso significa que, lá, no Verão, pode ser impossível fazer práticas agrícolas.

Isso, claro, vai afetar imensas pessoas na zona dos Himalaias. As alterações climáticas estão já a afetar uma série de pessoas. E, claro, quanto mais rico és, melhor te podes proteger, mas até um certo nível, não é? Eu venho da Holanda, pensamos sempre que podemos construir diques altos, mas há um máximo do quão alto se pode construir um dique – e acho que isso é algo de que nem todas as pessoas se apercebem.

Margarida: Apesar de décadas de procura por acordos para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, 2018 foi o ano em que as emissões globais de carbono saltaram para um novo recorde. Um estudo do Global Carbon Project, lançado na Cimeira do Clima da ONU no ano passado, na Polónia, projetou que as emissões de CO2 aumentaram mais de 2% num ano (2017 a 2018), indo na direção oposta aos cortes que os cientistas dizem ser urgentemente necessários. Os esforços para descarbonizar a economia não são ainda suficientes para superar as crescentes necessidades globais de energia?

Bas: Não, nós não estamos no caminho certo. Isto é também o que a ciência está a dizer: se concordamos com as metas de Paris, que já discutimos – o aumento de 2ºC, preferencialmente 1,5ºC –, se se quer ficar abaixo disso, temos que descarbonizar a economia muito mais rápido. Se se olhar para a Europa, por exemplo, podemos dizer, do lado positivo, que temos políticas em vigor – temos leis de energia, leis de ambiente em vigor até 2030. Mas também aí, se virmos quão rápido temos que baixar as nossas emissões, a Europa também não está a fazer o suficiente.

O elevado aumento [de emissões] que vimos globalmente é, claro, devido a economias de rápido crescimento como a China e a Índia. Mas elas estão a mudar, certo? Acho que agora também se está a tornar numa questão interessante para a Europa que é: se olharmos para os investimentos em novas tecnologias, a Índia está a ir mais rápido em [energia] solar – eles estão a investir fortemente em solar, agora – e na China estão a investir fortemente na eletrificação dos transportes. Talvez nem sempre por causa do clima. Eles têm grandes problemas com a qualidade do ar nas cidades. Então, faz sentido limpar o parque automóvel nas cidades. Mas se virmos o quão rápido a China está a investir nisso, para a Europa também se torna uma questão de “Queremos ficar na liderança?”. Falando de tecnologia.

Os trabalhos futuros devem existir nesta economia verde. O grande desafio para a Europa é que, não é só para propósitos climáticos que devemos atuar mais rapidamente, mas também para nos mantermos na liderança para novos desenvolvimentos tecnológicos. Há muitas razões para que a Europa se mexa mais rapidamente.

Margarida: Há duas semanas (a 14 de Março) disseste no Parlamento “que o futuro da Europa são empregos verdes”. “Outras regiões do mundo estão em movimento, estão a investir – olhe-se para a Califórnia, mas também se observe os investimentos em energia solar na Índia. Olhe-se para o transporte elétrico na China. A indústria automóvel alemã está a investir mais em transporte elétrico na China do que na Alemanha.” O que queres dizer com isto?

Bas: O que sabemos é que a indústria automóvel alemã era, claro, um gigante lobista contra quaisquer políticas climáticas nos carros e no setor dos transportes. E, enquanto [os empresários] estão a fazer lobby na Europa para prevenir políticas fortes aqui – da maneira que eles gostam de ter os seus motores a diesel a serem vendidos no mercado europeu – nós sabemos que essa mesma indústria automóvel alemã, que está aqui a bloquear políticas, está a investir em carros elétricos na China.

Margarida: Porquê?

Bas: Porque as políticas são mais claras lá. Isto mostra o quão importantes as políticas são. As pessoas, às vezes, dizem “Não precisamos de políticas, os mercados vão resolvê-lo”. Este é um exemplo claro. A indústria automóvel alemã sabe que, se quer continuar a vender carros na China, tem que mudar para elétricos, porque as políticas chinesas para todas as cidades grandes… – por exemplo, em Pequim, querem ser completamente elétricos em 2030. Pequim tem o tamanho de um país como a Bélgica. Eles querem ser completamente elétricos lá, por causa da qualidade do ar.

Sabemos como é que a China funciona, se eles chamam “política” a uma política, sabemos que vai acontecer. Essa é a direção clara que a China está a tomar. Então a indústria automóvel alemã sabe que se querem ter um pé no chão no mercado chinês, tem que investir na eletrificação da sua indústria automóvel. Então isso é o que eles estão a fazer na China, mas ao mesmo tempo na Europa – onde dirias que “Se estás a investir em carros elétricos, que são mais limpos, que são melhores por uma série de razões, talvez devas também fazer isso na Europa” – mas eles não fazem isso. Então, quando estão a gastar dinheiro em inovação, fazem mais em eletrificação na China do que na Europa. Na Europa, eles estão ainda a investir em vender motores a diesel. E isso mostra que a indústria automóvel alemã espera mudar para elétricos na China, mas tenta vender os motores a diesel – que, claro, para eles é dinheiro mais fácil – quanto mais tempo for possível. Então, nós estamos presos a carros poluentes, enquanto eles investem em carros mais limpos na China. Isto mostra que se não implementarmos políticas, vamos perder a oportunidade e, em dez anos, vamos começar a importar carros elétricos da China. Lá vão os nossos empregos, certo? É ao contrário. Isto realmente mostra como a Europa precisa de ser muito mais dura, certamente na indústria automóvel alemã.

Margarida: Faltam-nos políticas?

Bas: Não somos duros o suficiente. Acho que todo o escândalo do Dieselgate, onde os norte-americanos mostraram que a indústria automóvel alemã estava a fazer batota na sua tecnologia de diesel – embora nós tenhamos mais diesel nos nossos mercados –, mostrou que estamos demasiado hesitantes em sermos duros com a nossa indústria. Claro que os políticos conservadores dizem sempre que “Sim, mas temos que manter os nossos trabalhos na Europa” – é sempre o argumento do trabalho. E é por isso que estou sempre a dizer que se estás realmente preocupado com os futuros trabalhos, se nós não somos agora duros com eles e não os forçarmos a mudar, o resto do mundo vai mudar e nós vamos começar a importar essas novas tecnologias. De forma a manter os empregos e para conseguir novos empregos na Europa, temos que ser mais duros neles. E digo sempre que são os conservadores – que são fracos com a indústria – que estão a matar os empregos.

Margarida: Numa sessão parlamentar, há duas semanas, onde discutiram alterações climáticas e também o plano da Comissão Europeia de descarbonização até 2050, havia apenas 28 membros do parlamento no plenário dos 751 deputados. O que é isto te diz?

Bas: Diz-te que, apesar da retórica de muitos políticos, as alterações climáticas para muitos são só um de muitos assuntos. Já eu penso que as alterações climáticas são um desafio substancial e fundamental para a sociedade europeia, e para além disso é sobre a nossa economia futura. Eu diria que este assunto devia ser o número um para muitos políticos e aqui se vê que não é o caso. Para muitos políticos, é apenas um de muitos assuntos e eles movem-se de tópico para tópico. Alterações climáticas são um dos vinte com que eles estão a lidar. Isso foi muito visível nesse plenário há duas semanas, onde, de facto, quase nenhum político apareceu. Uma imagem bastante triste.

Margarida: Há seis anos, o diretor da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima [Halldór Thorgeirsson] disse que as grandes empresas estão a pagar para descredibilizar a ciência climática. Ainda vês isto a acontecer? E como podem os reguladores, neste casos os eurodeputados, contrariar isso?

Bas: Acho que isto ainda é um tabu na arena política: o que fazemos com a indústria fóssil? É muito simples: se és sério sobre descarbonizar a nossa economia – e nem sequer são só os Verdes a dizer, é a própria Comissão Europeia que diz: “Em 2050, podemos ter descarbonizado a nossa economia”. Se essa é a tua visão de futuro, então sabes que todas as tuas políticas vão contra a indústria fóssil, porque a indústria fóssil, por definição, é baseada no carbono. E eles vendem petróleo, vendem gás, vendem carvão. Então qualquer política será contra o seus interesses. Eu acho que devemos ser mais duros com eles e temos algumas propostas. Por exemplo, nas cimeiras da ONU, onde falamos de clima, estamos a propor que a indústria fóssil não seja mais recebida. Isto é o que nós fazemos com a saúde. Todos os ministérios da saúde do mundo concordaram em não permitir lobby da indústria do tabaco.

Margarida: Achas que podemos comparar?

Bas: Acho que sim. Também nas estratégias – quando a indústria do tabaco estava a descredibilizar a ciência e a dizer que “Não, não está provado de que ficas com cancro por fumar”, e depois ficou claro que está provado e que era só estavam a tentar criar dúvida. Essa mesma estratégia é também agora usada por muitas destas empresas de combustíveis fósseis sobre as alterações climáticas. “Estarão os humanos realmente a ter um impacto nas alterações climáticas?”. E quando isso foi provado, “Sim, mas não é assim tanto”. Quando isso foi provado, “Sim, mas as soluções são caras”. Toda esta criação de dúvida é o que o eles estão a fazer. É lógico, porque o negócio deles está em risco. Mas acho que, de uma perspetiva política, devíamos tratar a indústria dos combustíveis fósseis da mesma forma que tratámos a indústria do tabaco.

Margarida: O último relatório do IPCC também diz que esta tendência ainda pode ser revertida nos próximos 11 anos [até 2030], se for feita uma transição profunda e rápida nos setores de transporte, indústria, energia e agricultura. Na agricultura, quais são os principais aspetos que os eurodeputados precisam de ter em conta?

Bas: Na agricultura, [as alterações climáticas] são um dos tópicos mais dolorosos, diria, ao nível europeu. Se atualmente vires a nossa política agrícola… quanto mais produzes, mais dinheiro recebes, mais subsídios recebes. É um sistema de subsídios muito baseado na produção. Acho que esse é o maior problema, porque depois estás mais ou menos a forçar o agricultor a alargar… porque quando mais produzes, mais dinheiro recebes. Está a estimular agricultura de larga escala. Como todos sabemos, para fins climáticos, se queres preparar a agricultura para o futuro, onde o clima vai ser mais extremo, a agricultura tem que ser capaz de lidar com esses extremos – terás mais culturas com muita água, e outras sem tanta. Claro que monoculturas de larga escala são muito difíceis de adaptar a estas circunstâncias. No nosso sistema subsidiário, devíamos focar muito mais os subsídios na forma como produzimos. Há todo o tipo de novas formas de lidar com a agricultura, por exemplo agrofloresta, onde se combina agricultura e floresta, que, claro, tornaria toda a área muito mais resiliente contra inundações, contra secas, porque as árvores ajudam a manter a água no solo. Então devia-se promover e subsidiar muito mais estes sistemas agrícolas complexos de qualidade, em vez daquilo que ainda estamos a apoiar que é a monocultura. Quanto maior, mais apoio recebes. As nossas políticas agrícolas comuns são tão estúpidas.

Estamos agora a discutir, ao nível europeu, a reforma das políticas agrícolas, então este devia ser o momento. Se estamos a falar de alterações climáticas, talvez devêssemos agora falar de alterações climáticas nas nossas políticas agrícolas. Os partidos do centro estão cada vez mais a reconhecer que precisamos de fazer algo, mas são pequenos passos, estamos a ir demasiado devagar.

Margarida: Isto não é novo. Falámos sobre a PAC há muito tempo…

Bas: Eu sei, por isso é que eu disse que este era o tópico mais doloroso para a União Europeia, porque, até agora, não conseguimos real e substancialmente reformar as nossas políticas agrícolas. Infelizmente, nós não temos a maioria, esse é o problema.

Margarida: Podem ou devem os países ser sancionados e levados à justiça se forem contra diretivas climáticas? Se um país começa a explorar uma campanha de petróleo ou gás, hoje faz sentido?

Bas: Por muitas razões não faz sentido. Para fins climáticos, temos mesmo que pensar em deixar os combustíveis fósseis no solo, em vez de os tirar. As alternativas também estão disponíveis. É o que IPCC diz sempre: se olhares para as alternativas, elas estão lá; o problema é que não há nenhuma vontade política para garantir que evitas este tipo de coisas de acontecer – novas empresas vão procurar novo gás. O problema neste momento é que as regras na Europa são limitadas. Há, claro, a soberania nacional: os países podem decidir, infelizmente. Se eles querem, teoricamente, podem decidir ir por novas explorações de gás. O que nós tentamos fixar é o preço do carbono, que se pode fazer a nível europeu, então, pelo menos, torna os combustíveis com elevadas concentrações de carbono mais caros. Mas, para ser muito honesto, esse preço é ainda muito baixo. Estamos a falar de 20 a 25 euros por tonelada de CO2. Para a implementação [das metas de] Paris, temos que pensar em 50 ou 60. Então o preço é demasiado baixo.

O que se tem ainda como opção, e que se vê cada vez mais, é que alguns cidadãos estão a ir aos tribunais com ações legais. Isso é um novo campo interessante. Tivemos um caso em tribunal na Holanda contra o Governo, que dizia que “Se estás a subscrever tratados da ONU e estás a dizer que as alterações climáticas são uma ameaça severa para a humanidade, e ao mesmo tempo, há regras para o Governo para o dever de proteger os seus cidadãos. Se juntarmos ambas, então os governos não estão a proteger suficientemente os seus cidadãos”. E com essa fundamentação as pessoas estão a ir a tribunal. Na Holanda, por duas vezes, ganhámos. E há também um caso onde alguns cidadãos europeus estão a levar a União Europeia a tribunal. Acho que esse é um desenvolvimento interessante.

Eu estou, claro, na arena política, estou em parte a tentar garantir que as maiorias estão a pôr as políticas certas em vigor. Infelizmente, vejo que as maiorias atuais não estão lá para realmente puxar por políticas ambiciosas. Então as pessoas estão a tentar, pela via legal, influenciar políticas de alterações climáticas. Esse é um desenvolvimento interessante. Diria que nos ajuda. Está a acordar outras pessoas a dizer “Ok, devíamos ser mais duros nas nossas políticas”.

Margarida: Achas que é necessária uma lei europeia de ambiente ou algo que esteja acima dos governos?

Bas: Para ser muito sincero, acho que a atual estrutura de como lidamos com políticas energéticas não está a funcionar. Mas isso é uma discussão difícil, porque temos sempre uma discussão na Europa “Ah, isto é soberania nacional, nós podemos decidir isto sozinhos, temos muito orgulho nisso e a Europa não devia ser um super-Estado”. Mas se pensarmos no nosso futuro sistema de energia, importa imenso em que direção os países estão a ir. Para ser muito franco, a infraestrutura da energia já é europeia – esta ideia de que tens soberania nacional é absurda, não existe na vida real.

Margarida: O que queres dizer?

Bas: Os mercados e os investidores olham para a Europa, eles já não olham para Portugal ou França ou Alemanha. Esses países são demasiado pequenos para os grandes investidores, então eles querem saber em que direção é que a Europa vai. E se de um lado tens a Polónia a ir atrás do carvão, ao lado a Alemanha a ir para renováveis, ao lado a França a ir para nuclear – todas estas decisões têm enormes implicações diferentes para a infraestrutura. Então, um investidor que tem o dinheiro… Quer dizer, o problema na Europa não é que nós não tenhamos dinheiro suficiente – há dinheiro suficiente – o problema é que os investigadores não investem. E porquê? Eles são sabem para onde é que a Europa está a ir.

Nuclear requer toda uma nova infraestrutura. Então, enquanto não tivermos uma ideia clara para onde a Europa está a ir, teremos falta de investimento em infraestrutura e a falta de investimento na infraestrutura vai impedir-nos de descarbonizar o nosso sistema energético, porque, claro, se queremos descarbonizar o sistema de energia temos que começar a ligar todos os diferentes recursos que temos. Só um simples exemplo: a ligação entre Portugal, Espanha, de um lado, e a França é muito fraca. Dificilmente há qualquer conexão entre França e Península Ibérica. Apesar de haver um enorme potencial para solar na Península Ibérica, não se pode exportar para o resto da Europa – isto é um tal desperdício de recursos, mas infelizmente, não podemos forçar, ao nível europeu, um país a investir nessas infraestruturas. E acho que isso realmente precisa de mudar. Acho realmente que a Europa devia ter um maior dizer no sistema energético e depois podemos desenvolver mais infraestrutura e podemos dizer, de facto, “Gente, nós temos que parar com os fósseis”. Mas atualmente, nós não temos os poderes.

Margarida: Porque é que achas que as eleições europeias deste ano são sobre o clima?

Bas: Acho que está finalmente a ficar claro para muitas pessoas o quão substancial a crise climática é. Agora vês protestos nas ruas todas as semanas. É muito bom que sejam as pessoas jovens a ir para as ruas a dizer “Gente, isto é sobre o nosso futuro”. Acho que as alterações climáticas são realmente agora um tópico. E claramente, se queres fazer algo sobre as alterações climáticas tens que olhar para o nível europeu. Eu fui um investigador em alterações climáticas há dez anos e decidi ser ativo ao nível político europeu, porque é esse o nível em que podes fazer política de alterações climáticas. Sabendo o quão importante a Europa é para políticas climáticas e, finalmente, o próprio tópico está em cima na agenda, acho que isso combinado torna muito provável que estas eleições de Maio serão eleições sobre o clima.

Margarida: Achas que o crescimento de movimentos populistas e partidos de extrema-direita vai atrasar os esforços ou podem comprometer os esforços para cumprir o Acordo de Paris?

Bas: Há um perigo, claro. Nunca percebi completamente que, de alguma forma, se és eurocético e nacionalista, também és cético em relação ao clima.

Margarida: Dirias que há uma relação?

Bas: Há, mas não tem necessariamente que estar lá. Porque muitos destes partidos populistas têm medo dos países muçulmanos. Bem, se olhares para a nossa dependência energética, nós estamos completamente dependentes do Médio Oriente, então eu diria, de uma perspectiva populista, há boas razões para se ser menos dependentes do Médio Oriente, correto? Eu esperaria que alguns desses partidos populistas fosse por políticas de renováveis muito duras, porque aí podes deter a tua própria energia, fazer a tua própria energia e não dependes mais do Médio Oriente. De alguma forma, eles são contra as políticas de alterações climáticas, então, preferem continuar dependentes da Arábia Saudita. Eles preferem, ok, está bem.

Então, sim, há um perigo de que os partidos populistas atrasem a ação pelas alterações climáticas, mas acho que é outra razão porque estas serão eleições pelo clima. Porque em todo o lado na Europa vês que as pessoas não estão felizes com o status quo político. Nós, os Verdes, também não estamos felizes com o atual status quo. Então podes escolher: ou vais pelo voto nos populistas, mas, na maior parte do tempo sabem que odeiam a Europa e não apresentam outras soluções; ou, diria, que podes ir pelo lado Verde do espectro político. Nós somos apoiantes da cooperação europeia, mas num caminho muito diferente, que vai pelas políticas sociais e sustentáveis. Acho que essas são as opções que tens se estás tão insatisfeito/a com o atual sistema político. Há alternativas. E espero que as pessoas percebam que ir pelos populistas, eles parecem ter respostas simples, mas olha para o Brexit. Na realidade, essas respostas simples não existem. O mundo é mais complexo do que isso. Espero que as pessoas vejam que, talvez, há alternativas pela cooperação europeia, mas por outra Europa.

Margarida: Obrigada.

Bas:  De nada.