Segurança Privada: Exército de Precários (8/8)

Luvas

Este é o oitavo e último episódio de “Exército de Precários”. Se só agora chegaste, para e ouve (aqui) tudo o que antes contámos. Será mais fácil entender muitas das conclusões e reflexões. 

Se ouviste toda a série, ajuda-nos a criar mais trabalhos como este: contribui para o Fumaça.

AVISO: Este episódio inclui múltiplos relatos gráficos de violência física, uso de armas de fogo e morte, que podem perturbar algumas pessoas. Se és menor de idade, fala com um adulto antes de continuares a ouvir.

Esta reportagem foi escrita, produzida e editada para ser ouvida com auscultadores ou auriculares. O que se segue abaixo é a transcrição integral de toda a peça áudio.

Introdução

Arquivo AR TV
Jaime Gama:
Votação final global do texto final da Comissão de Saúde relativo ao projeto de lei n.º 503/X, do Bloco: “Direito de acompanhamento dos utentes dos serviços de urgência do SNS, Serviço Nacional de Saúde”. Votos a favor? Podem sentar. Abstenções? Contra? Aprovado por unanimidade.

Uma das vertentes mais interessantes da Teoria do Caos é o efeito borboleta. O pequeno ato com grandes consequências imprevisíveis. Há muitos bater de asa que partem da Assembleia da República. 22 de maio de 2009 foi um desses dias que deu num furacão. 

Arquivo AR TV
João Semedo:
Eu gostaria de sublinhar a dupla importância da aprovação por este Parlamento do direito do acompanhamento dos doentes nos serviços de urgência. Por um lado, porque é mais um passo na humanização dos cuidados de saúde como um elemento estruturante do funcionamento dos serviços de saúde. […] E uma segunda razão, e um segundo impacto positivo desta lei que agora aprovamos por unanimidade, tem a ver com o reconhecimento dos direitos dos utentes, dos direitos dos doentes, tantas vezes considerados como, simplesmente, um número ou uma cor em que hoje se deduzem e reduzem as pessoas que esperam longas horas nos serviços de urgência.

Foi João Semedo, na altura deputado do Bloco de Esquerda, o primeiro signatário do projeto lei que se tornaria no Regime de Acompanhamento Familiar em Internamento Hospitalar. Nas unidades de saúde públicas, é esta lei que define quem pode estar com um doente internado fora do horário de visitas. João Semedo morreu, em 2018.

O Hospital Pedro Hispano, em Matosinhos, no Grande Porto segue estas regras, naturalmente: cada pessoa internada pode ter um único acompanhante. O sistema não é perfeito. 

A 21 de dezembro de 2013, por altura do Natal, a família Fernandes Latourrette deparou-se com um dos problemas do regime. O pai, Alexis Latourrette, foi internado ao final do dia depois de ter sofrido um acidente vascular cerebral — um AVC. Era o segundo, em menos de uma semana. A sua esposa, Beatriz Fernandes, chegou com ele ao hospital pelas seis e meia da tarde, portanto, ficou ela registada como a única acompanhante.

Enquanto os pais estavam a ser atendidos, no interior do serviço de urgências, os filhos chegaram ao hospital. José Latourrette, consultor informático de 46 anos, e Carlos Latourrette, gestor de empresa de 43, ficaram na sala de espera.

Pela meia noite, a mãe, Beatriz Fernandes, foi ter com os filhos. Pediu-lhes ajuda. Estava cansada e nervosa. Ia falar com o médico pouco depois, mas tinha medo de não se lembrar das instruções e medicamentos. Já tinha tido problemas a acertar com tudo depois do primeiro AVC, há três dias. Ficou Carlos Latourrette de ir com a mãe e o pai à consulta dessa noite, nas urgências.

Mas, aqui está o problema, só Beatriz Fernandes é que estava autorizada a entrar como acompanhante. Portanto, mãe e filho foram até à entrada das urgências e bateram à porta para pedir autorização. Do interior, saiu para os atender um segurança privado.

Carlos Latourrette explicou-lhe que sabia as regras, mas precisava de uma exceção. O vigilante, responsável por guardar as urgências do Hospital Pedro Hispano, respondeu de forma seca, pela descrição da família: “Já sabe que não pode entrar mais que uma pessoa: ou entra você ou a senhora.”

A recusa não convenceu. Carlos Latourrette argumentou que a mãe estava frágil e precisava de ajuda. Mas o segurança de 26 anos manteve: “Já lhe disse: ou entra uma pessoa ou a outra.”

Mas isso não era suficiente. Carlos Latourrette explicou que só a mãe sabia o historial médico do marido. Ela também precisava de estar presente. Na versão da família, o segurança, “peremptório”, matou o assunto: “Não tenho autorização para deixar entrar mais que uma pessoa”- Disse mais: “Já perdi muito tempo consigo.”

Carlos Latourrette, frustrado, pediu para falar com o chefe do segurança. Só que já era meia noite, não havia mais nenhum vigilante a trabalhar àquela hora. Segunda opção: se não ia poder entrar queria deixar um protesto formal. Pediu o livro de reclamações.

O segurança, funcionário da 2045, informou-o de que tinha de ir fazer a reclamação à secretaria. Carlos Latourrette, incomodado pelo tom da conversa, recusou. Afirmou que tinha de ser o segurança a trazer-lhe o livro de reclamações. A exigência caiu mal ao vigilante. Disse que não era criado de ninguém. Bateu com a porta. Acabou a conversa.

Desde o interior das urgências, o segurança diz que ouviu Carlos Latourrette gritar, raivoso: “Filho da puta, vai para a puta que te pariu, gorila de merda”. E, logo de seguida, Carlos Latourrette forçou a porta das urgências, por fora. Abriu-a, deu um passo em frente para o interior, levantou a voz e protestou, cara a cara: “O senhor é um mal educado, o senhor não me torna a fechar a porta na cara.”

O segurança garante que o homem passou a porta esbracejando de forma ameaçadora e decidiu, aí, que tinha de intervir. Não podia ter uma pessoa a entrar assim pelo serviço de urgências. Agarrou Carlos Latourrette e empurrou-o de volta para o corredor. Empurrou-o contra a parede. Empurrou-o contra uma máquina de multibanco próxima. Empurrou-o, depois, na direção contrária, contra a porta de vidro das urgências.

De acordo com o processo judicial sobre esta noite, foi aí que chegou Maria Sousa, a agente da PSP destacada para o Hospital Pedro Hispano. Trabalhava com este vigilante há quase um ano. Diz que o mandou parar: “Largue o senhor, largue o senhor”. O segurança parecia não ouvir. Maria Sousa, com 48 anos, meteu-se no meio.

O segurança, empregado da 2045, é corpulento. Passou três anos como militar nas forças especiais. Pratica artes marciais. Já Maria Sousa nem tinha o bastão consigo mesmo que o quisesse usar. Garante que havia demasiadas pessoas perto para recorrer ao gás pimenta. Tentou separar os dois homens. Não conseguiu. A confusão atraiu mais pessoas. A agente da PSP pediu-lhes ajuda. 

As imagens de videovigilância desta noite mostram que José Latourrette, o irmão, se junta à briga. O vigilante diz que José Latourrette lhe dá um murro e, nas suas palavras, não vai “trabalhar para ser agredido”. Portanto, atira José Latourrette ao chão. Afirma que, aí, foi Carlos Latourrette a esmurrá-lo. Defende-se, atirando-o também a ele ao chão. Na confusão, a agente da PSP cai também no meio do corredor. 

Maria Sousa levanta-se, puxa o vigilante pela camisa, ordena-lhe de novo que pare. E, com a luta ganha, o ex-militar, agora segurança privado, obedece. Pega no telemóvel, que lhe tinha caído do bolso. Aperta o cinto, que se tinha aberto. Volta ao interior das urgências, ao seu posto de trabalho.

Ninguém foi detido nesta noite. Pelas duas da manhã, o vigilante foi atendido nas urgências do Hospital Pedro Hispano, a poucos metros do local da luta. Apresentava um hematoma, junto ao olho esquerdo, “ligeiras” escoriações, no lado esquerdo do tórax, e um edema no dedo anelar da mão direita. Tratamento: gelo e analgésicos. Não tem data de recuperação esperada. Mas, ao fim de duas horas, já se destacava na ficha de urgência uma “franca melhoria.”

A ficha de Carlos Latourrette, nas mesmas urgências, na mesma noite, indica uma equimose na omoplata esquerda, um edema na mão direita e outra “discreta escoriação frontal esquerda”. Tratamento: gelo e analgésicos. Recuperação esperada: duas semanas, com dificuldades em rodar o pescoço, mover um dos braços e uma das mãos.

Às três da tarde de 24 de dezembro de 2013, véspera de Natal, dois dias depois, Carlos Latourrette fez queixa contra o segurança da 2045 na Esquadra da PSP de Custóias, em Matosinhos, a quatro quilómetros do hospital. No dia de Natal, ao meio dia, Maria Sousa, a agente da PSP que caiu ao chão, deu entrada do auto de notícia sobre o caso.

Assim que foi interrogado sobre esta noite, a 3 de fevereiro de 2014, o vigilante informou a polícia de que queria apresentar, ele, queixa. Tinha sido agredido, a soco, enquanto tentava manter a ordem, impedindo que alguém entrasse nas urgências sem autorização. Deixou uma nota: se Carlos Latourrette desistisse da queixa contra ele, deixava cair também a sua. Não aconteceu. O segurança e os dois irmãos foram constituídos arguidos.

A acusação do Ministério Público, a 27 de março, arquivou a queixa do segurança por falta de provas. As imagens gravadas pelo sistema de vigilância “não permitem ver qualquer acto de agressão” contra ele. Já a queixa de Carlos Latourrette avançou.

O julgamento do vigilante, acusado de um crime de ofensa à integridade física simples, ficou marcado para 13 de outubro. Pena máxima: três anos de prisão. Ao longo de uma hora e 52 minutos de julgamento, Carlos Latourrette descreveu o caso como “violência completamente gratuita”. Disse ter temido pela vida. A agente da PSP, Maria Sousa, admite que o segurança usou violência desproporcional. Conta que, quando foi falar com ele, depois das agressões, o funcionário da 2045 disse que não sabia o que é que tinha acontecido, sublinhou só que “não admitia que o injuriassem.” Em tribunal, o vigilante disse à juíza que foi esmurrado e, palavras exatas, “não ia estar ali a levar porrada.”

Pouco mais de uma semana depois, a 22 de outubro de 2014, o segurança foi condenado por um crime de ofensa à integridade física simples. Sentença: uma multa de mil e trezentos euros, convertida em trabalho comunitário. E o pagamento de mais de dois mil e 200 euros em indemnizações e custas judiciais.

A 2045 pagava-lhe, por esta altura, um salário de cerca de 650€, dependendo das horas extra. O vigilante estava há dois anos no Hospital Pedro Hispano antes desta condenação. Depois, saiu. 

Ser condenado por violência quando se trabalha como vigilante pode destruir uma vida, acabar com uma carreira, virar tudo ao contrário. Uma coisa que nos disseram vigilantes, políticos, empresários e reguladores, desde as primeira entrevistas, é que a legislação portuguesa é absolutamente rígida – não permite que pessoas com cadastro sejam seguranças.

Aliás, esse é um dos passos-chave para se obter ou renovar o cartão profissional. Tem de se pagar centenas de euros e, a cada poucos anos, passar por horas e horas de formação e apresentar um cadastro, um registo criminal, totalmente limpo.

Só há um problema: isto é completamente mentira. Pessoas condenadas por crimes violentos podem ser seguranças privados em Portugal. E este segurança da 2045 é uma dessas pessoas. Deixou o Hospital Pedro Hispano, é verdade. Não logo a seguir às agressões. Só em 2016, mais de um ano depois da condenação, quando a 2045 o mudou para outro contrato. Outro posto. Outro posto público. Foi para o Porto, trabalhar como fiscal nos autocarros da empresa de transportes públicos da cidade, a STCP.

E, em 2018, na noite de São João, este homem, de seu nome Hernâni Pacheco, espancou uma imigrante colombiana chamada Nicol Quinayas. 

Vídeo da agressão a Nicol Quinayas
Mulher 2:
Vou mostrar a puta da cara do colaborador. A mulher está a sangrar. Esta merda não tem jeito nenhum.
Hernâni Pacheco: Grava-lhe a fronha, grava-lhe a fronha.
Mulher 2: Pois gravo, gravo. Tem vergonha na puta da cara!
Homem 1: Grava-lhe a fronha.

Atirou-a ao chão. Segurou-a com um joelho nas costas. 

Vídeo da agressão a Nicol Quinayas
Homem 2:
Achas bem como é que a miúda está, seu filha da puta? Achas bem?
Nicol Quinayas: [Grita] Tira-me a mão.


Quando a jovem fez queixa na polícia, apresentou queixa contra ela por o ter agredido, enquanto mantinha a ordem. E dessa vez não chegou a julgamento. Desistiram os dois. Foi tudo arquivado.

Sim, é a mesma empresa, a 2045. E é o mesmo homem, Hernâni Pacheco.
Foi aqui que começámos. É aqui que vamos acabar.

Nicol Quinayas, fotografada a 5 de julho de 2018, em frente à sede da STCP, no Porto.
Foto: Pedro Miguel Santos/Fumaça

Este é o oitavo e último episódio da série “Exército de Precários”: Luvas.
Seja toda a gente bem vinda ao Fumaça. Eu sou o Nuno Viegas. 

Parte I – Dolo

Quando, finalmente, conseguimos aceder ao processo de 2013, em que Hernâni Pacheco é condenado por agredir Carlos Latourrette no Hospital Pedro Hispano, apercebemo-nos de que estávamos há dois anos a ler mal a lei.

E estávamos a fazê-lo porque se criou no setor a noção de que alguém condenado por um crime não pode ser segurança privado. É daquelas ideias feitas que ninguém questiona e ninguém verifica.

Os vigilantes falaram-nos nisto como uma regra com total convicção. Aqui está Paulo Guimarães, segurança num edifício da estação ferroviária de Campanhã, a elencar o que é preciso para entrar para a profissão, incluindo pagar pela formação e o cartão profissional, em março de 2020.

Paulo Guimarães: Hoje em dia é até ao 12.º, não é? Quem sair agora…
Ricardo Esteves Ribeiro: Ou seja, 12.º ano…
Paulo Guimarães: 500 euros para o cartão [Riso].
Ricardo Esteves Ribeiro: Cadastro limpo…
Paulo Guimarães: Cadastro limpo.
Ricardo Esteves Ribeiro: E a formação…
Paulo Guimarães: E a formação.
Ricardo Esteves Ribeiro: Testes…
Paulo Guimarães: Testes. Exatamente.


Os reguladores sugerem a mesma ideia. Pedro Neto Gouveia, diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP:

Pedro Neto Gouveia: Uma das questões que a lei de segurança privada prevê é que o registro criminal esteja limpo.

E, desde a Assembleia da República, Luís Marques Guedes, deputado do Partido Social Democrata, presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, uma das mentes-chaves da atual Lei da Segurança Privada, indica o mesmo:

Luís Marques Guedes: Progressivamente, foi-se afinando legislação nesta área da segurança privada e com exigências grandes em termos de formação, de responsabilidade. Como sabe, relativamente aos membros e aos corpos dirigentes dessas forças de segurança a exigência de não terem qualquer tipo de cadastro, não terem… Portanto, exigências rigorosas da parte do legislador.

Não é isto que diz a Lei da Segurança Privada, a número 46, de 2019, na sua última revisão. O artigo 22 define as incompatibilidades. Isto é o que é realmente obrigatório para se trabalhar como segurança privado: “Não ter sido condenado por sentença transitada em julgado pela prática de crime doloso contra a vida, contra a integridade física, contra a reserva da vida privada, contra o património, contra a vida em sociedade, designadamente o crime de falsificação, contra a segurança das telecomunicações, contra a ordem e tranquilidade públicas, contra a autoridade pública, designadamente os crimes de resistência e de desobediência à autoridade pública, por crime de detenção de arma proibida, ou por qualquer outro crime doloso punível com pena de prisão superior a 3 anos.”

É uma longa lista de crimes que vem sempre qualificada por uma única palavra: doloso. Um crime é cometido ou com dolo ou com negligência. Para ser doloso tem de ser praticado com a consciência de que se está a violar a lei. É o artigo 14 do Código Penal. Há noção das consequências do que se está a fazer. Essencialmente, é uma agravante ligada à intenção.

E o que isto significa é que não é preciso, de todo, ter o cadastro limpo para ser segurança privado. Basta não ter condenações por determinados crimes dolosos. Pedimos um esclarecimento sobre isto à PSP e confirmaram-nos que fazem esta interpretação da lei. O crime doloso é a linha vermelha.

E a linha foi traçada em 1986, quando se criou um enquadramento legal para a Segurança Privada. Nesse ano, o primeiro Governo de Aníbal Cavaco Silva regulou o setor através de um decreto-lei. Já aí estava proibido o acesso à profissão a quem tivesse crimes dolosos no cadastro. Até hoje, manteve-se essa opção legislativa.

Mas apesar do que diz a lei, a ideia feita no setor é a de que é preciso um cadastro limpo para ser vigilante. É o que diz o Diretor de Segurança da PSG. Rui Entradas Silva.

Rui Entradas Silva: Todo o pessoal de vigilância, todo o pessoal que trabalha na segurança privada, tem que entregar anualmente um registo criminal. E o registo é condição obrigatória para continuar a exercer a profissão ou não.
Ricardo Esteves Ribeiro: Hoje em dia, conseguem garantir que as pessoas que estão a trabalhar ao serviço da PSG e, indiretamente, ao serviço do Estado, por exemplo, não são violentas? Isso consegue-se garantir?
Rui Entradas Silva: Bom, nós conseguimos garantir, na medida do possível, se a pessoa tem o registro criminal sem averbamentos. Se foi-lhe emitido um cartão profissional; na entrevista – é uma entrevista de emprego como vocês imaginam e como toda a gente imagina – nada dá alerta, não houver nenhuma campainha, nenhum sinal amarelo…


Outra coisa. Mesmo que a obrigação fosse ter o registo criminal limpo, o registo criminal não diz tudo. Voltemos ao nosso caso inicial: Hernâni Pacheco. Apesar de ter sido condenado por um crime de ofensa à integridade física simples, conseguiu limpar o seu cadastro. Em setembro de 2016, após cumprir o trabalho comunitário a que foi sentenciado, pediu a não transcrição da sentença.

É um mecanismo legal que permite a alguém condenado pela primeira vez, por um determinado crime, e sentenciado a uma pena equivalente a menos de um ano de prisão, pedir para que o crime saia do registo criminal. Fica com o cadastro limpo.

O requerimento formal de Hernâni Pacheco refere, erroneamente, que “para continuar a poder exercer a sua atividade profissional […] o Arguido não poderá ter qualquer antecedente criminal”. Isto é o quão enraizada está a ideia falsa de que alguém condenado por um crime não pode ser segurança – é usado como argumento para limpar cadastros.

O próprio diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP, Pedro Neto Gouveia, o número um da regulação do setor, deu a entender a mesma ideia errada, na entrevista que deu ao Fumaça, em maio de 2020.

Pedro Neto Gouveia: Há juízes de execução de penas, que, a pedido do segurança privado, para efeitos de garantir o seu posto de trabalho, o juiz de execução de penas pode determinar que o seu registro criminal não contenha as condenações.
Pedro Miguel Santos: A menção.
Pedro Neto Gouveia: E, portanto, quando ele nos apresenta o registro criminal sem condenações, eu, administração, tenho que lhe emitir o cartão.


Mesmo que o pedido não tivesse sido concedido, Hernâni Pacheco podia continuar a ser segurança, agora com cadastro. Mas até foi concedido. Só que, um ano depois, Hernâni Pacheco fez algo que deitou esta decisão por água abaixo. Não é o caso Nicol, esse nunca foi a julgamento. É a outra condenação de Hernâni Pacheco por um crime de ofensa à integridade física simples.

Sete meses antes de espancar Nicol Quinayas, quando trabalhava como fiscal de autocarros da STCP, Hernâni Pacheco era fiscal do metro do Porto, com a 2045. E, aí, a 26 de novembro de 2017, com 30 anos, agrediu um homem de 62, José Lobo, que, por acaso, trabalhava na altura como vigilante para a Prosegur. Estava fora de serviço no momento das agressões.

O caso correu nos mesmos moldes de 2013, no Hospital Pedro Hispano, com Carlos Latourrette: uma discussão que escalou para violência. Numa tarde de novembro de 2017, a meio de uma viagem de metro, da Estação do Dragão para a Estação de Carolina Michaelis, Hernâni Pacheco, como fiscal, pediu para verificar o bilhete de José Lobo. Garante que o fez com total normalidade. José Lobo, no testemunho que dá à polícia sobre este caso, contraria. Diz que o segurança foi rude e bruto. Portanto, protestou, pediu que ele se identificasse para registar uma reclamação pelo tratamento. O vigilante terá recusado.

Segundo o processo judicial a que o Fumaça teve acesso, saíram juntos na estação de metro do Heroísmo, para resolver o problema. José Lobo agarrou o telemóvel para tirar uma fotografia a Hernâni Pacheco, para ter como o reconhecer. O segurança não gostou. Arrancou-lhe o telemóvel da mão. E, em resposta, José Lobo pegou-lhe na máquina de fiscalização de bilhetes. Troca por troca.

E, aí, quatro anos depois de agredir Carlos e José Latourrette, Hernâni Pacheco agarrou José Lobo pelo pescoço, atirou-o ao chão e aplicou-lhe um mata-leão – um golpe de artes marciais em que se estrangula a vítima pelas costas trancando-lhe o pescoço com o braço dominante.

O processo judicial que se abriu sobre este dia ficou resolvido um ano e meio depois. Hernâni Pacheco faltou ao julgamento. A 24 de abril de 2019, foi condenado, novamente, por um crime de ofensa à integridade física simples.

O acórdão destaca: “a pena de multa não será suficiente para […] afastar” Hernâni Pacheco “da prática de ilícitos criminais […] da mesma natureza […], motivo pelo qual entendemos que apenas a pena de prisão se mostra suficiente para satisfazer os fins de retribuição e de prevenção geral e especial que se visam com a pena.”

Hernâni Pacheco foi condenado a cinco meses de prisão. Mas, pela lei portuguesa, uma pena abaixo de um ano é convertida numa multa. Neste caso de 900€, convertida, por sua vez, em trabalho comunitário. Teve ainda de pagar as custas judiciais e uma indemnização a José Lobo. No total, foram mais de 2100€.

Uma nota: foi o Metro do Porto a arcar com os 594€ que custou reparar os óculos de José Lobo, partidos quando Hernâni Pacheco o atirou ao chão. Ou seja, foi o Estado português a cobrir parte da compensação pelo crime de um trabalhador privado.

Esta condenação anulou automaticamente a decisão de não transcrição de 2013. Os dois casos passaram a constar do seu registo criminal. Hernâni Pacheco ficou com cadastro, outra vez. Mas isso não importa. O resumo é este: pode-se ser condenado por um crime violento – até um crime violento cometido em funções; até dois crimes violentos cometidos em funções; até dois crimes violentos cometidos em funções, enquanto se está ao serviço do Estado – e continuar a ser segurança. Só é preciso garantir que nunca se é condenado com dolo.

E, com Hernâni Pacheco a reunir as condições legais para continuar a trabalhar, a 2045 transferiu-o para o Continente do Maia Shopping, perto de Ermesinde. Hoje, é chefe de grupo nesse posto.

Enviámos perguntas sobre tudo isto à empresa. Nunca responderam.

Nuno Viegas: Vamos diretos a um segurança?

Em novembro de 2020, decidimos entrevistar Hernâni Pacheco. Seria a última entrevista desta investigação. Nunca a conseguimos fazer. Mas tentámos. Uma vez estivemos perto. Eu e o Pedro Miguel Santos fomos ao Maia Shopping, o centro comercial em que trabalha Hernâni Pacheco. Devo dizer que nunca, como naquele dia, fiquei tão nervoso pela perspetiva de fazer uma entrevista.

Hernâni Pacheco veio falar connosco à porta do Continente. É alto. Musculado. Corpulento. Também foi, neste dia, perfeitamente simpático. Ouviu-nos sem interromper. Deixou comentários soltos sobre os casos. No fim, disse que ia pedir autorização à advogada para nos dar uma entrevista. Acabaria por recusar. Não lhe dissemos, na altura, mas antes de o encontrarmos no Maia Shopping tínhamos passado pela sua casa.

Nuno Viegas: Bairro de classe média, média baixa?
Pedro Miguel Santos: Para o pobre, mesmo, não é?
Nuno Viegas: Sim.
Pedro Miguel Santos: Parece uma aldeia, uma coisa assim mais humilde, não é?
Nuno Viegas: Sim, sim, sim. São todas casas separadas, com hortas, jardins.
Pedro Miguel Santos: Quintais.
Nuno Viegas: Mas claramente quintais que eles trabalham e plantam e têm as suas coisas. Tudo vedado. Vedações leves, de plástico.


Hernâni Pacheco mora com os pais numa vivenda de dois andares, pintada de cor de rosa, com as paredes manchadas de humidade debaixo das escadas. Há vasos com flores junto ao portão. Um cão ladra desde as traseiras. Tocámos à campainha, mas ninguém abriu a porta.

Por mais do que uma vez, desde 2014, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais veio até esta casa deixar avisos para que não faltasse ao trabalho comunitário. Aconteceu repetidamente. Em 2016, foi chamado a tribunal por isto. Explicou na altura, aos juízes, que não tinha dinheiro para pagar as multas nem tempo para cumprir a pena: estava a trabalhar 12 horas por dia e alguns fins-de-semana. Os juízes, durante a audiência, não acreditavam que o horário fosse real.

Também por mais do que uma vez, um oficial de justiça veio até esta casa proceder à penhora das posses de Hernâni Pacheco para cobrir as indemnizações e custas judiciais. Não encontrou muita coisa. O recheio da casa estava em nomes dos pais. Tiveram de apresentar faturas para não perderem o microondas, o ferro de engomar, o secador, nem a mesa de piquenique, de pinho. As contas bancárias do segurança estavam vazias, pela informação dada ao tribunal. E, sobre o seu ordenado, já havia mais do que uma penhora a correr. As dívidas ao Estado só se acumularam em cima dessas. Não havia como cobrar.

Parte II – Dupla Punição

E se o caso do Hospital Pedro Hispano e do Metro do Porto tivessem acabado numa sentença diferente? Imaginemos que Hernâni Pacheco tinha sido condenado por cometer um crime doloso. Que era, até, condenado a uma pena de prisão efetiva. Seria afastado da segurança privada. Perdia o cartão profissional emitido pela PSP.

Mas, eticamente, seria justo que esta proibição durasse para o resto da sua vida? Devemos, como sociedade, impedi-lo permanentemente de aceder à sua profissão, mesmo depois de cumprir a pena decretada por um tribunal?

O Major-General Agostinho Costa, que ouvimos no primeiro episódio, argumenta que sim. Foi Segundo Comandante-Geral da GNR, entre 2014 e 2015. Agora, pertence ao Grupo de Reflexão Estratégica sobre Segurança do Instituto de Direito e Segurança, da Universidade Nova de Lisboa, e considera que há certas condenações que mostram que a pessoa não tem condições para ser vigilante.

Agostinho Costa, Major-General, antigo segundo Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana, Ex-Chefe do Estado-Maior da European Rapid Operational Force e Membro do Grupo de Reflexão Estratégica sobre Segurança. Na qualidade de investigador, co-coordenou, com o professor Nelson Lourenço, o livro Estratégia de Segurança Nacional – Portugal Horizonte 2030, lançado em 2018, pela Almedina.
Foto: Cedida por Agostinho Costa.


Nuno Viegas: Mas já não pagou a sua dívida à sociedade?
Agostinho Costa: Deve procurar outra… É porque o seu perfil, o seu perfil… Depende do tipo de crime, não é?
Nuno Viegas: Vamos a um homicídio.
Agostinho Costa: Qualquer crime… Se a pessoa cometeu um crime que, a priori, decorre de uma circunstância que se vê que é por uma alteração de ordem emocional; que a pessoa não teve sangue frio; não tem a presença de espírito e não tem a capacidade para [manter o sangue frio], é estarmos a colocar essa mesma pessoa numa circunstância que poderá levar à repetição. Portanto, há mais vida para além da segurança privada.
Pedro Miguel Santos: Sim, claro.
Agostinho Costa: Portanto, o cidadão cometeu um crime naquela área, deve seguir sua vida noutra área, necessariamente.


Neste momento, não é assim que funciona. Os registos criminais não são eternos. Mesmo que se seja condenado por um crime violento doloso e se fique impedido de ser segurança, essa sentença desaparece do cadastro, um dia. Dependendo da gravidade do crime e se nunca se reincidir, em cinco a 10 anos, após o cumprimento da pena, o crime é apagado, permanentemente. No caso de um segurança, volta a ter a hipótese de receber um cartão profissional. Deixa de ter impedimentos legais.

Ainda assim, enquanto o crime está no cadastro, mesmo depois de se cumprir pena, os seguranças perdem o acesso à profissão. Pedro Neto Gouveia, à cabeça do Departamento de Segurança Privada da PSP.

Nuno Viegas: No caso de uma pessoa que seja, de facto, condenada por um crime violento, cumpra a sua pena de prisão, é justo impedi-la de exercer a atividade depois?
Pedro Neto Gouveia: Depende, por isso é que a lei especifica quais são os crimes. 
Entrevistador: Um homicídio?
Pedro Neto Gouveia: A lei especifica quais são os crimes. E há um espaço que medeia [essa decisão].


Depois desta entrevista, em maio de 2020, esta questão ficou nas nossas cabeças. Portanto, perguntamos, por escrito, algum tempo depois, se fazia “sentido que uma pessoa diversas vezes condenada por crimes contra a integridade física” pudesse trabalhar como segurança privado.

O diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP disse-nos que “faz sentido” que, quem pode trabalhar legalmente num setor, tenha a hipótese de o fazer. A justificação era simples, disse: “A legislação penal e de execução de penas prevê a reabilitação […] para todos os cidadãos.”

Pedro Neto Gouveia diz que é justo aquilo que os legisladores considerarem justo. Mas as leis têm de ser escritas por alguém. E para se chegar ao texto que rege a Segurança Privada terá sido preciso encontrar forma de resolver, precisamente, o dilema com que me deparei ao ver Hernâni Pacheco a trabalhar no Maia Shopping. Se me perguntassem na altura, quando tinha medo dele, diria que alguém condenado por um crime violento nunca devia poder ser segurança privado. Parecia-me fazer perfeito sentido. Mas essa ideia poria em causa o princípio basilar do nosso sistema penal.

Vamos aflorar, só por um momento, a filosofia subjacente à Justiça portuguesa. É um apontamento parte de uma reflexão maior, para outra altura, mas parece-me importante. O objetivo de uma pena é, de acordo com o Código Penal, “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Isto significa que uma pena não serve para punir alguém. A lei afirma que uma pena não é usada como castigo pela Justiça portuguesa. Há medidas de proteção da sociedade, de reabilitação e de reintegração de um indivíduo. É por isso que não temos prisão perpétua – o nosso sistema judicial quer que haja espaço para as pessoas mudarem.

A Constituição da República Portuguesa estabelece vários princípios base para o sistema judicial. Artigo 29, ponto 5: “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. No artigo seguinte, 30, ponto 1: “Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo”. Toda a pena tem de ter um fim. Artigo 30, ponto 4: “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”. Uma sentença, só por si, não leva a que se percam outros direitos. É por isso que se continua a votar quando se está preso, a privação da liberdade de movimento não pode limitar o direito ao voto.

Após se decidir em tribunal que alguém é culpado de um crime, os juízes, a partir da legislação aplicável, decidem qual a pena justa — seja uma multa ou tempo de prisão. Quando os tribunais precisam de restringir os direitos profissionais de alguém, porque há indícios de que a pessoa pode usar a função para cometer mais crimes, têm de usar uma pena acessória. Decidem, caso a caso, se, para além de uma pena de prisão ou de multa, a pessoa condenada fica impedida de aceder a uma determinada profissão. Mas esta proibição tem de ser sempre justificada para o caso específico. E tem de ter um termo.

E não é isso que acontece. Os seguranças são barrados automaticamente ao pedir o cartão profissional. Não há margem. Enquanto um vigilante tiver um crime doloso no cadastro perde o acesso à profissão. Porque não consegue sequer pedir ou renovar o cartão profissional. É castigado, duplamente, a partir de uma única pena. Isso parece contradizer se não a letra da lei, pelo menos as ideias subjacentes à nossa Constituição.

E, em relação à questão inicial, até pode ser eficaz, em termos práticos, afastar permanentemente uma pessoa da profissão, por cometer um crime. Mas, aplicar isso, implicaria assumir que o nosso sistema judicial não é capaz de cumprir, para todos os cidadãos, duas das suas missões centrais: a reabilitação e a reintegração.

Parte III – Filtro Fantasma

Perto das sete da manhã, já na ressaca da noite de Halloween de 2017, a 1 de novembro, com o sol a nascer, o dono de uma roulotte de comes e bebes, a trabalhar em frente ao Urban Beach, chamou o responsável de segurança da discoteca lisboeta.

Disse-lhe que havia um grupo de jovens a incomodar-lhe a clientela. Sugeria que estariam a roubar. Andavam a causar problemas. O responsável avisou os seus vigilantes, empregados pela PSG, e saíram à rua. Não o podiam fazer, na verdade – um segurança privado não pode intervir na via pública, só dentro do edifício que está a guardar.

Ainda assim, foram ter com três rapazes, sentados no passadiço próximo, que consideram suspeitos. Escolheram-nos de entre as dezenas de pessoas que deixaram a discoteca por essa hora. Perguntaram se eles andavam a roubar. Eles negaram. Magnusson Brandão, um jovem cabo-verdiano, de 26 anos, garantiu que não precisava de roubar. Tinha um trabalho. Aliás, tinha encontrado um novo emprego há só duas semanas.

Pedro Inverno, um dos seguranças, com 35 anos, respondeu, dando-lhe um murro na cara com força suficiente para o atirar ao chão. Todas as agressões que se seguem foram provadas em tribunal, na primeira instância.

Discoteca lisboeta Urban Beach, onde Pedro Inverno, João Ramlhete e David Jardim, seguranças da PSG, espancaram Magnusson Brandão e André Reis, na madrugada de 1 de novembro de 2017.
Foto: Página de Facebook do Urban Beach.

Vídeo Youtube
Homem 1: Eia, coitado.
Mulher 1: Filma, filma que eu vou processar aquele gajo. 
Homem 1: Eia, como é que é possível.
Mulher 2: As pessoas estão todas à frente…


Magnusson Brandão tentou levantar-se. João Ramalhete, outro dos vigilantes, com 40 anos, deu uma cabeçada ao jovem para o manter caído. A seguir, um pontapé na cara. 

Vídeo Youtube
Homem 1: Como é que é possível.
Mulher 1: Ele vai-lhe bater. Ele vai-lhe bater. Tenta apanhá-lo.
Mulher 2: As pessoas estão na frente.
Homem 1: Ya. Eish.
Mulher 2: Eia, ai, bateu com a cabeça no chão.


Pedro Inverno agarrou uma garrafa de vidro. Preparou-se para a atirar a Magnusson Brandão, mas mudou de ideias. Meteu a mão ao bolso. Tirou uma navalha e esfaqueou o rapaz na coxa direita.

Vídeo Youtube
Mulher 1: Eia.
Homem 1: Ahhh


Deu-lhe outra chapada. Mais um pontapé na cabeça.

Vídeo Youtube
Mulher 1: Filma, Diogo, que estás mais atrás.
Homem 1: Eu não tenho bateria, não tenho bateria.


Nisto um dos três rapazes do grupo fugiu sem ser agredido. Ficam dois. Pedro Inverno e João Ramalhete, seguranças, afastam-se por um segundo. No vídeo, o que estamos a ouvir, vê-se que David Jardim, o terceiro vigilante, com 30 anos, parece ajudar, por um momento, um dos jovens do grupo, André Reis, de 20, a levantar o amigo, Magnuson Brandão, do chão. Magnuson Brandão cambaleia. Não se aguenta em pé.

Vídeo Youtube
Homem 1: Ele está morto, ali. Não vale a pena. Ainda vai levar mais.

E, aí, por uma razão que nunca se conseguiu provar, David Jardim agarra André Reis pela camisola e atira-o também ao chão.

Vídeo Youtube
Homem 1: Eish.
Mulher 1: Sai da frente.
Homem 1: Agora vai levar o outro.

Neste preciso momento, David Jardim salta a pés junto para cima da cabeça de André Reis, que estava caído no chão.

Vídeo Youtube
Homem 1: Eish!

O vídeo foi para a internet. Da internet, o caso saltou para a comunicação social.

Arquivo SIC
A PSP diz que foi chamada ao local e que está a investigar o caso. Apesar da violência das imagens e, segundo o INEM, os jovens foram levados para o Hospital de São José, em Lisboa, apenas com ferimentos ligeiros.

Pelas minhas métricas, não foram ferimentos ligeiros. O pedido de indemnização cível interposto por Magnusson Brandão, a vítima que mais agressões sofreu, indica que do espancamento resultou um traumatismo craniano, que o fez desmaiar; lesões na face; um nariz partido; um golpe de dois centímetros na coxa direita; um hematoma, na parte de trás da cabeça; uma lesão na pálpebra, vários dentes partidos e danos no maxilar.

Magnusson Brandão, por algum tempo, deixou de conseguir comer alimentos sólidos. Teve de ser medicado e de fazer dois tratamentos dentários. Ainda queria fazer outro, orçamentado em mais de cinco mil euros, mas não conseguia pagar. Precisou de levar pontos na perna, onde foi esfaqueado.

A recuperação demorou 35 dias. Afirma, apesar de isto não ter sido dado como provado em tribunal, que as faltas por doença e os rumores, noticiados sem qualquer prova, de que tinha sido espancado por andar a roubar, o levaram a perder o emprego onde estava há duas semanas.

Arquivo SIC
À SIC, o presidente do Conselho de Administração do Urban Beach lamenta o que aconteceu e diz que, até agora, três seguranças envolvidos já foram afastados.

Arquivo SIC
Por volta das quatro e meia da manhã desta sexta-feira, agentes da PSP chegaram ao Urban com um despacho assinado pelo Ministro da Administração Interna para o encerramento imediato do espaço.

Eduardo Cabrita mandou fechar o Urban por seis meses. A discoteca terminou o contrato de segurança privada que tinha com a PSG. Pedro Inverno, João Ramalhete e David Jardim foram suspensos com um processo disciplinar para decidir o seu futuro.

E, tal como aconteceria no caso de Nicol Quinayas, no São João, no Porto, meses depois, a violência tornou a segurança privada tema de debate. Chegou aos programas de comentário, a quem molda a opinião pública.

Governo Sombra (TVI 24)
Carlos Vaz Marques: O Ricardo Araújo Pereira decreta “Encerra, Bitch”.
Ricardo Araújo Pereira: Encerra, Bitch! Porque a danceteria Urban Beach, conhecida por espancar alguns dos seus clientes, não permitir a entrada de outros […] Toda a noite, digamos, o universo da noite em Portugal é uma espécie de faroeste. As portas destes estabelecimentos são uma espécie de faroeste que, de facto, precisava de uma regulaçãozinha.

Arquivo SIC
As agressões por parte de três seguranças do Urban Beach a dois jovens podem levar a uma mudança da lei que regula a atividade de segurança privada. Segundo o Diário de Notícias, pela primeira vez perante um caso concreto, o Conselho de Segurança Privada vai reunir após convocação do ministro da Administração Interna.

A lei não mudou em 2017, nem em 2018. Na verdade, a revisão à lei da segurança privada só passou na Assembleia da República a 8 de julho de 2019. Curiosamente, um mês depois de o caso Urban ter uma decisão judicial.

A 7 de junho, Pedro Inverno tinha sido condenado, em primeira instância, por um crime de homicídio qualificado na forma tentada com uma pena de cinco anos e seis meses de prisão. David Jardim e João Ramalhete foram condenados pelo mesmo crime, cada um a cinco anos e quatro meses. Na sentença, a juíza indica que “agrediram as vítimas admitindo a possibilidade de as matar pelo mero prazer de ver o sofrimento” só porque “não gostaram de se sentir desafiados.”

Em indemnizações, pelos danos físicos e psicológicos causados, Pedro Inverno e João Ramalhete foram condenados a pagar quase 13 mil euros a Magnuson Brandão. David Jardim, sete mil e 500 euros a André Reis.

Recorreram os três da sentença, mas ainda não há decisão. Os seus defensores parecem ter poucas esperanças. Em maio de 2020, por exemplo, Pedro Carneiro Nobre admitia que o seu cliente, Pedro Inverno, é culpado. Só acha que o segurança não estava a tentar matar os jovens, portanto, devia ter uma pena mais leve.

Pedro Carneiro Nobre: Não faz sentido. Puxar de uma faca e espetar numa perna. E se tivesse intenção de matar não espetava numa perna, não é? Estava na inteira disposição dele espeta-lo num sítio qualquer letal: ou no pescoço, ou no peito, ou pelo menos num sítio adequado a provocar a morte.
Pedro Miguel Santos: Se fosse só uma acusação de ofensas à integridade física, provavelmente…
Pedro Carneiro Nobre: Conformava-me com essa situação.
Pedro Miguel Santos: …não teria o argumentário sobre a faca que tem agora.
Pedro Carneiro Nobre: Claro. E, depois, tudo que é a vivência normal nos diz que um segurança com o mínimo de experiência – e eles tinham bastante – não iam matar ali uma pessoa à frente de 300 ou 400 pessoas. Quer dizer, isso não faz sentido.


Pedro Carneiro Nobre diz que os juízes portugueses têm falta de experiência de vida. Não sabem o que é sair à noite, estar num bar, andar numa luta. Portanto, perdem perspetiva que ele, por exemplo, tem. É advogado há 32 anos. Praticou desportos de combate por bastante tempo, diz que nos ginásios conheceu muitos vigilantes.

Antigamente, nas suas palavras, “frequentava muito a noite”. Um seu irmão chegou a trabalhar como segurança privado. Foi ganhando proximidade com o setor. Já defendeu muitos seguranças — por agressões, por trabalharem sem um cartão profissional. Está habituado a ver estes casos. Talvez seja por isso que consegue relativizar assim as ações do seu cliente, Pedro Inverno.

Ricardo Esteves Ribeiro: Mas no caso do Pedro, ele tinha um histórico violento já?
Pedro Carneiro Nobre: Não. O Pedro tinha um processo que aconteceu depois disso, depois desta situação, de umas ofensas corporais simples. Mas, lá está, de fulanos estrangeiros, croatas ou qualquer coisa, que vão para ali assim… E é a história: fatos de treino, quero entrar, não quero entrar e tal…
Pedro Miguel Santos: À porta do Urban, também?
Pedro Carneiro Nobre: Sim. Os fulanos…
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas, segundo os documentos do tribunal, o Pedro é ou foi suspeito de 18 casos de crimes contra a integridade física.

Caso perca o recurso, o caso Urban pode ser a primeira condenação de Pedro Inverno. Mas, antes disso, tinha sido suspeito de 18 casos diferentes de crimes contra a integridade física. Um deles, em 2015, está classificado como violência doméstica na ficha sobre ele na PSP.

David Jardim foi suspeito em seis crimes de ofensa à integridade física. João Ramalhete é quem tem um historial mais pequeno: só foi, por uma vez, em 2013, suspeito de um crime contra a autoridade pública. Mas, já depois deste episódio, em julho de 2018 foi detido numa operação da Polícia Judiciária contra o gangue motard Hell’s Angels.

Nenhum deles foi condenado, logo, estes dados não constam do registo criminal. Só das fichas compiladas pela polícia sobre as pessoas que investiga. Só as conhecemos por termos consultado o processo judicial. E nenhuma destas suspeitas os podia impedir de serem seguranças privados.

É por isto que estamos a contar esta história porque a resposta ao problema, explica o diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP, é mudar a questão. O que devíamos estar a perguntar não é, simplesmente, se alguém já foi condenado por um crime violento; é se o cadastro, historial pessoal, competências e personalidade daquela pessoa demonstram que tem condições para trabalhar como segurança. E isso, diz Pedro Neto Gouveia, não se faz com uma linha vermelha burocrática, faz-se com avaliações psicológicas.

Pedro Neto Gouveia está à cabeça do Departamento de Segurança Privada da PSP desde 2015.
Fotografia: Joana Batista/Fumaça

Nuno Viegas: O Estado deve permitir que pessoas que são suspeitas de vários crimes violentos estejam ao seu serviço através de empresas de segurança privada?
Pedro Neto Gouveia: Não
Pedro Miguel Santos: Mas, por exemplo, hoje, quer o David Jardim, quer o Pedro Inverno, que ainda não foram condenados… Sabe onde é que eles trabalham? Eles podem continuar a fazer segurança privada.
Pedro Neto Gouveia: Podem. Podem, porque uma das questões que a Lei de Segurança Privada prevê é que o registro criminal esteja limpo. 
Pedro Miguel Santos: Claro. Mas neste caso, está limpo.
Nuno Viegas: Mas se não forem condenados, está limpo.
Pedro Neto GouveiaExatamente.
Pedro Miguel Santos: Então, mas como é que…
Pedro Neto GouveiaE, daí, o facto de a avaliação de idoneidade permite-nos, depois, nós avaliarmos este tipo de pessoas e dizer assim: ‘Sim senhor, tens o registro criminal limpo, mas todo o teu histórico determina que tu não possas ser segurança privado’. Há outra questão que…
Nuno Viegas: Mas isso é justo?
Pedro Neto Gouveia: É, é muito justo. Muito justo.
Nuno Viegas: Porque estas pessoas nunca foram condenadas pelo Estado português, por todos os devidos efeitos são inocentes.
Pedro Neto Gouveia: É justo, porque todo o histórico consegue… Por isso é que eu lhe disse: não é fácil esta questão da avaliação de idoneidade, é um pau de dois bicos.


A avaliação de idoneidade de que fala Pedro Neto Gouveia é a “avaliação médica e psicológica” prevista na Lei da Segurança Privada desde 2013: Todos os seguranças privados têm de fazer um teste psicológico para receber o cartão profissional. Um segurança, mesmo com o cadastro limpo, tem de demonstrar que tem a capacidade para ser vigilante antes de entrar no setor. Se falhar o teste, pode fazer formação, trabalhar nas suas competências e tentar mais à frente.

Um segurança condenado por um crime doloso, que ficou afastado da profissão, pode passar por este mesmo processo se esse crime deixar de constar do cadastro. E só pode voltar a exercer funções se for aprovado por um psicólogo certificado.

Sempre que um segurança vai renovar o cartão profissional passa de novo por este processo, tem de demonstrar continuamente capacidade. É este mecanismo que permite que possamos sentir-nos seguros, confiantes nas capacidades dos vigilantes. E,  respondendo às questões filosóficas que levantamos no início, é por confiarmos na aplicação deste filtro, caso a caso, que não precisamos de colocar em cima da mesa a hipótese de aplicar uma pena perpétua. De afastar permanentemente alguém da segurança privada por ter sido condenado.

Só há um problema.

Pedro Miguel Santos: Quantos certificados é que foram emitidos por entidades que a Ordem dos Psicólogos certificou, de acordo com a lei?
Francisco Miranda Rodrigues: Nenhum. Não houve, até hoje, nenhum processo que tenha sido submetido à Ordem para qualquer reconhecimento no âmbito desta legislação.


Este é Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos, em entrevista ao Fumaça, a 28 de maio de 2020. E está a dizer-nos que, nos últimos oito anos, desde que se tornou obrigatório fazer estas avaliações psicológicas, a todos os vigilantes, nenhum segurança privado foi submetido a uma. Porque a lei ficou presa num inferno burocrático.

O diretor do departamento de segurança privada da PSP, Pedro Neto Gouveia, já tinha admitido a mesma coisa, duas semanas antes.

Pedro Neto Gouveia: E havia aqui uma… Houve aqui vários problemas de ordem técnica, que tem a ver com a questão dos psicólogos, da Ordem dos Psicólogos e da Direção Geral de Saúde, que tiveram que ser resolvidos e ultrapassados. Nós iremos ter…
Pedro Miguel Santos: Mas isto já estava – deixe-me interrompê-lo…
Pedro Neto Gouveia: Já estava na lei.
Pedro Miguel Santos: …na lei de 2013.
Pedro Neto Gouveia: Já estava, já estava na lei. Mas era impraticável. Portanto, havia ali uma nuance…
Nuno Viegas: Ficou preso nos trâmites legais?
Pedro Neto Gouveia: Exatamente.
Pedro Miguel Santos: Porque não estava regulamentada, é isso?
Pedro Neto Gouveia: Não, não, não. Era uma questão técnica que a lei previa e que os psicólogos não conseguiam implementar. Portanto, houve aqui uma falha daquilo que era a necessidade médica…
Pedro Miguel Santos: Eu posso-lhe ler: é o ponto 4, do artigo 23.
Nuno Viegas: Sim. 
Pedro Neto Gouveia: … tecnológica, com a execução do exame que deveria ser feito.
Pedro Miguel Santos: Porque a avaliação da aptidão psicológica…
Pedro Neto Gouveia: Nesta altura está, penso, que ultrapassado.


Na verdade, não estava. Francisco Miranda Rodrigues, Bastonário da Ordem dos Psicólogos (OP), esclarece.

Pedro Miguel Santos: Na entrevista que nos deu, a treze de maio, o superintendente Neto Gouveia disse-nos o seguinte: ‘Agora vamos começar a fazer, porque já se resolveu a questão técnica com a Ordem dos Psicólogos’. Isso quer dizer que, à data de hoje, já há entidades certificadas pela OP a realizar essas avaliações?
Francisco Miranda Rodrigues: Não, e eu também desconheço qual era a questão técnica com a Ordem dos Psicólogos.
Pedro Miguel Santos: Acha que ele estava a sacudir a água do capote?
Francisco Miranda Rodrigues: Não, não faço ideia. Se existia alguma questão técnica, eu não tenho qualquer conhecimento de alguma questão técnica com a Ordem dos Psicólogos.


É esta a letra da lei da segurança privada de 2013, que estabelece o sistema de testes psicológicos. Artigo 23: “É vedado o acesso e permanência na profissão de segurança privado quando, na avaliação médica e psicológica, o avaliado não atinja as condições mínimas fixadas no anexo I à presente lei”. Então, vamos ao anexo 1, ponto 7: “É inapto quem sofra de perturbações mentais congénitas ou adquiridas, que traduzam redução apreciável das capacidades mentais […] suscetíveis de modificar a capacidade de julgamento ou que, de algum modo, impliquem diminuição da eficiência ou segurança no trabalho”.

Têm de demonstrar que nada na sua condição psicológica pode afetar a qualidade do trabalho que prestam como vigilantes. Por exemplo, terem dificuldades em conter-se no uso da força.

Na lei de 2013, o ponto 4, do artigo 23, indica que esta avaliação tem de ser “realizada por entidade designada pela Direção Nacional da PSP, reconhecida pela Ordem dos Psicólogos”. Era este o primeiro problema, a PSP tinha de indicar quem é que podia fazer este teste e, depois, a Ordem dos Psicólogos verificava a lista proposta — aceitava uns e recusava outros. O Bastonário da Ordem dos Psicólogos diz que a PSP nunca sugeriu uma única entidade.

Francisco Miranda Rodrigues: Nenhum processo de reconhecimento chegou à Ordem para ser executado. Nenhum.
Pedro Miguel Santos: Mas isto quer dizer o quê? Que a Ordem teria que dizer quem seriam os médicos ou as clínicas que poderiam fazer os tais testes?
Francisco Miranda Rodrigues: Sim, a Ordem teria que dizer quais seriam as entidades, as organizações, que teriam as condições para a realização dessas avaliações. A PSP, segundo o que está na legislação, designaria, então, as entidades que fariam a avaliação.
Pedro Miguel Santos: E vocês, a Ordem, tinha que reconhecer a entidade que a Direção da PSP designava.
Francisco Miranda Rodrigues: Exatamente.


Em 2019, depois de seis anos sem que um único vigilante tivesse feito uma avaliação psicológica, foi revista a Lei da Segurança Privada e mudou-se a formulação deste ponto para deixar de ser a PSP a designar a entidade. Agora, é só com a Ordem.

Isto eliminou um passo no processo. Só que há mais coisas a bloquear a lei. Mesmo que tenha autonomia de designar, por si, as entidades a que vai dar o aval, a Ordem dos Psicólogos precisa de ter um critério consistente com que tomar a decisão sobre quem pode aplicar o teste e quem não pode. A definição desses critérios cabe ao Governo, através de portaria conjunta dos ministros da Administração Interna e da Saúde.

Francisco Miranda Rodrigues, bastonário da Ordem dos Psicólogos, desde dezembro de 2016.
Foto: Arcadiykulchinskiy/Wikimedia (CC BY-SA 4.0)

Francisco Miranda Rodrigues: E nunca aconteceu esse despacho.
Pedro Miguel Santos: Portanto, sem acontecer esse despacho não é possível fazer os testes. E sem vocês certificarem uma entidade não é possível fazê-los uma entidade certificada.
Francisco Miranda Rodrigues: Exatamente.


Os testes psicológicos na vigilância ficaram inscritos na lei em 2013. Era Pedro Passos Coelho, do PSD, o primeiro-ministro, numa coligação com o CDS, de Paulo Portas. O Ministro da Administração Interna era Miguel Macedo. Já lhe sucederam quatro pessoas: Anabela Rodrigues e João Calvão da Silva, nos governos PSD/CDS; Constança Urbano Sousa e Eduardo Cabrita, pelo PS.

Em 2013, o Ministério da Saúde estava nas mãos de Paulo Macedo. Três pessoas assumiram o cargo depois: Fernando Leal da Costa com o PSD e o CDS; Adalberto Campos Fernandes e Marta Temido com o PS.

Destes, zero criaram a portaria necessária para se aplicarem testes psicológicos a seguranças privados.

Francisco Miranda Rodrigues foi eleito bastonário da Ordem dos Psicólogos, em dezembro de 2016. E tentou, por essa altura, avisar que a Lei da Segurança Privada continuava por cumprir. Era Constança Urbano Sousa a Ministra da Administração Interna, no primeiro Governo de António Costa.

Francisco Miranda Rodrigues: Eu não tenho problemas em dizer: eu pedi uma audiência, já há bastante tempo, na altura ainda era com a anterior ministra, Urbano de Sousa.
Pedro Miguel Santos: Constança Urbano de Sousa. Do Governo anterior, na verdade.
Francisco Miranda Rodrigues: Sim. Eu nunca cheguei a ter resposta, por exemplo.


A verdade, como habitual, é mais complexa do que isto. Depois de falarmos com Francisco Miranda Rodrigues pedimos esclarecimentos ao Ministério da Administração Interna, que deu outra versão. Garante que o pedido da Ordem dos Psicólogos foi reencaminhado para o gabinete da Secretária de Estado Adjunta e da Administração Interna — na altura, Isabel Oneto.

Chegou a estar marcada uma reunião entre os chefes de gabinete do bastonário e da Secretária de Estado, para 10 de março de 2017. Aí, o chefe de gabinete de Francisco Miranda Rodrigues faltou ao encontro devido a um imprevisto de última hora. Confrontamos a Ordem dos Psicólogos com esta versão e admitiram que tinha acontecido assim. Afirmam que pediram para remarcar a conversa e, dessa vez, é que ficaram sem resposta do Ministério da Administração Interna, dizem.

A então Ministra Constança Urbano de Sousa deixou o cargo em outubro de 2017, depois do mais fatal ano de incêndios de que há registo em Portugal. Morreram mais de 100 pessoas. Foi substituída por Eduardo Cabrita, ainda em funções. O bastonário da Ordem dos Psicólogos não insistiu no assunto com o novo ministro.

Ainda não acabou. Há mais uma parte da lei por cumprir. A PSP e a DGS têm de aprovar um formato para o exame e decidir sobre o que vai incidir a avaliação. E aqui a Ordem dos Psicólogos foi consultada, estudou o caso e enviou recomendações. Mas o despacho nunca foi publicado.

Francisco Miranda Rodrigues: Do lado da Ordem, o trabalho que era necessário foi entregue.

Em resumo: criou-se uma lei que obriga os seguranças a passar por um teste psicológico para acederem à profissão. Definiu-se como o realizar. E depois o Estado enredou-se na própria burocracia e aparentemente esqueceu-se de que a lei não estava a ser aplicada.

Luís Marques Guedes, deputado do PSD líder da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi uma das peças centrais na revisão da Lei da Segurança Privada, em 2019. Mas só soube que este aspeto da lei nunca tinha sido aplicado durante a entrevista que deu ao Fumaça, em junho de 2020.

Luís Marques Guedes, histórico deputado do PSD, eleito por Lisboa, participou em quase todos os processos legislativos envolvendo o setor da segurança privada e vê a externalização destes serviços como um caminho natural.
Foto: PSD

Luís Marques Guedes: Se isso está a acontecer, é evidente que o Ministério da Administração Interna tem de tomar providências para que isso aconteça. Porque esse assunto é sério demais para que possa ser tratado de uma forma ligeira.
Pedro Miguel Santos: Mas isso não vinha nem sequer no parecer de alteração que fez agora, nem no relatório do grupo de trabalho de 2015. Parece que é uma questão que está ali, está prevista, e que é invisível. E que há sete anos que passa entre os pingos da chuva.
Luís Marques Guedes: Não é que é invisível. É que é incumprida. O que você está a dizer é que é incumprida.
Pedro Miguel Santos: Não. O incumprimento é que é invisível. Há sete anos que ele existe. Portanto, torna-se complicado perceber por que é que há sete anos que há um incumprimento destes.
Luís Marques Guedes: Do trabalho em que me envolvi, em 2017/2018, que depois desembocou na aprovação, em 2019, destas alterações, os sindicatos falaram dessa questão (como eu acabei de referir), não na perspetiva de dizer que a renovação estava a ser pouco exigente, mas mais no sentido de se queixarem de que a renovação era um encargo adicional. Ou seja, o problema que vocês estão agora, em concreto, os dois a situar, na altura não foi reportado. Ou, pelo menos, não foi colocado em cima da mesa com a acuidade com o que vocês o estão a fazer agora.


A 16 de outubro de 2018, o projeto para a revisão da Lei da Segurança Privada desceu à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. É aqui, na especialidade, que se moldam muitos dos detalhes técnicos das leis e se ouvem sindicatos, especialistas e entidades patronais. Como membro da Comissão, Luís Marques Guedes integrou os trabalhos.

O deputado do PSD, aliás, assina como relator o parecer da Comissão, de dezembro de 2018, que aponta múltiplas falhas a essa proposta de lei do Governo. Mas, em momento algum da análise, nota que, desde 2013, estavam por aplicar as avaliações psicológicas na segurança privada. Em 2019, após as eleições legislativas, assumiu a presidência da Comissão. E, em 2021, continua a não existir um filtro para afastar seguranças privados com tendências violentas da vigilância.

Se os testes psicológicos estivessem a ser feitos desde 2013, como estava previsto na lei, Hernâni Pacheco teria de demonstrar capacidade para ser segurança privado se fosse renovar o cartão profissional, depois de agredir Carlos Latourrette no Hospital Pedro Hispano. Se falhasse o teste – e não faço ideia se falharia – não estaria a trabalhar no metropolitano do Porto, em setembro de 2017, quando estrangulou José Lobo. Nem nas festas de São João da cidade, no ano seguinte, quando espancou Nicol Quinayas.

Pedro Inverno, David Jardim e João Ramalhete teriam sido obrigados a fazer um testes destes para se manterem na profissão. Não há garantias absolutas. As avaliações nunca vão ser perfeitas. Mas, se ao menos fossem aplicadas, o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues, diz que era menos provável que houvesse três seguranças, à porta do Urban, dispostos a espancar Magnuson Brandão e André Reis.

Francisco Miranda Rodrigues: Não é possível nós dizermos que, pelo fato de terem uma avaliação psicológica, nunca aconteceria semelhante coisa. Agora, a probabilidade de certo tipo de situações como estas acontecerem é reduzida, particularmente se isso significar que essas avaliações, ao serem feitas, despistam algumas das condições que podem aumentar o risco de comportamentos que sejam mais perigosos para os próprios e para terceiros.
Pedro Miguel Santos: Mas um dos arguidos, David Jardim, é ou foi suspeito de sete casos de crimes contra a integridade física. Já o Pedro Inverno, outro arguido, é ou foi suspeito de 18 casos de crimes contra a integridade física. Isso seria, ou não, detetado num exame que permitisse, ou não, aferir ‘Estas pessoas podem estar aqui; são violentas ou não são?’ Com este quadro.
Francisco Miranda Rodrigues: A probabilidade de pessoas que têm um registro de comportamento, ou seja, um histórico, um padrão de comportamento violento ser detetável numa avaliação como aquela que está prevista é bastante elevado.
Pedro Miguel Santos: Portanto, 18 crimes contra a integridade física…
Francisco Miranda Rodrigues: É bastante provável que seja detetado, sim.

Parte IV – Cara e Coroa

Enquanto investigavamos a segurança privada ficámos várias vezes presos nesta dualidade: as vítimas que íamos ouvir eram muitas vezes também agressores que tínhamos de confrontar. Acho que a forma de começar a lidar com este dilema é perceber que a violência não é só responsabilidade de indivíduos, mas também dos sistemas e instituições de que estes fazem parte.

Uma das primeiras coisas que Sofia Figueiredo, vigilante na portaria da Autoridade para as Condições do Trabalho, em Lisboa, nos disse, quando a entrevistámos, foi que o problema começa antes de os seguranças se tornarem sequer seguranças.

Sofia Figueiredo: Eu recordo-me que fiquei muito traumatizada porque eu sou contra a violência. E, então, recordo-me de chegar naquela sala onde se tinha a formação e de ouvir o seguinte do formador: ‘Quando tiverem que bater é nos ângulos mortos das câmaras’. Isto fez-me muita confusão. E eu fiquei a pensar: ‘Será isto que eu quero?’.

Vanessa Cruz, vigilante no Tribunal de Almada, para a COPS, por acaso esteve na mesma turma do que Sofia Figueiredo, há dez anos, a fazer formação para ser vigilante.

Ricardo Esteves Ribeiro: Uma coisa que ela me contou que lhes foi dita na formação foi que um dos formadores disse qualquer coisa como ‘se é para bater, é nos ângulos mortos das câmaras’.
Vanessa Cruz: Mortos das câmaras. É verdade.
Pedro Miguel Santos: Disseram-te isto?
Vanessa Cruz: Disseram-nos. Confirmo. É verdade.


A escola onde isto terá acontecido já não existe. Foi dissolvida como empresa, em 2016. E durante a nossa investigação escolhemos focar-nos noutros aspetos. Não olhamos em detalhe para as escolas de formação. Mas perguntamos sobre o caso ao diretor do Departamento de Segurança Privada da PSP, Pedro Neto Gouveia.

Nuno Viegas: As escolas de segurança privada são centros de violência organizada?
Pedro Neto Gouveia: Não, não, não, não. Isso não acredito. Há muita responsabilidade. Eu, felizmente, nestes quatro anos, tive a oportunidade de conhecer a grande maioria dos responsáveis da grande maioria das escolas. Não quer dizer que não haja um formador ou outro menos capaz e menos apto, mas eu penso que há muito… Conforme vos disse, tem evoluído muito. E não acredito que, hoje em dia, se dê este tipo de formação, não.


As coisas até podem ter melhorado. Mas quando falamos com seguranças que estão há dez, vinte, trinta anos no setor, estes mostram que aprenderam, em serviço, muitos destes truques. A pancada escondida, o empurrão bem dado, o murro quando ninguém está a ver.

Alguns seguranças não querem admitir isto mas, de vez em quando, escorregam. E umas vezes apercebem-se de que disseram algo que não queriam que passasse. Mas, noutras, falam com total naturalidade.

Vamos ouvir Rodrigo Santos, um dos seguranças que ficou preso no limbo entre a Strong Charon e a PSG, na estação ferroviária da Gare do Oriente, em Lisboa, – o que tinha três pensões de alimentos para pagar aos seus filhos, e que ouvimos no segundo episódio. A certa altura, estávamos a falar de como ele se sentia mais respeitado quando era segurança no Brasil do que como vigilante em Portugal.

Rodrigo Santos: No seu consciente, como um cidadão, você chega numa instituição – você vai ver se me dá razão ou não – chega lá e vê um segurança armado, preparado. Você o vai respeitar ou o vai desrespeitar? Por exemplo, se você chegar no Brasil, em qualquer banco, você vai entrar dentro do banco e vai pensar que aqueles gajos são polícias. Mas você vai chegar lá, vai ver ele com um colete à prova de balas; uma Magnum 44 enfiada dentro do colete; um 38 e uma shotgun aqui pendurada. Rádio transmissor, bastão, spray de pimenta, par de algema, tudo. E te digo mais: eu, quando completei um ano e seis meses na empresa, eu tive uma troca de tiro dentro do Banco do Banestes, com oito vagabundos.
Nuno Viegas: Atingiu alguém?
Rodrigo Santos: O que você acha? Eu estou aqui vivo. 
Nuno Viegas: Matou alguém?
Rodrigo Santos: Matamos os oito. Então? É para isso que a segurança privada existe no Brasil, amigo – é para proteger patrimônio, bens e pessoas. Matamos os oito, ficaram 16 pessoas feridas, três mortas. Iam para lá mais de 60 milhões de reais para o banco. E eles sabiam, chegaram em oito, com metralhadora israelita e tudo. Só que os elementos chegaram na porta de vidro ao lado e deram um tiro e explodiram a porta e já chegaram atirando. E olha que nós não deixamos eles adentrarem. Eles nem chegaram a adentrar para dentro, ficaram ali.
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas não ficaste com medo, depois disso?
Rodrigo Santos: Amigo, você não tem tempo. Não, eu não fiquei com medo – medo de quê? Eu ficava com medo se algum ficasse vivo. Morreu tudo, não tive medo. Estava tudo morto. Já viu morto voltar para te fazer algum mal? [Risos]
 

Agora, João Silva, vigilante no Instituto de Registos e Notariado, em Lisboa. O que nos disse no último episódio que o seu patrão a COPS furou a primeira greve da sua vida, em março de 2020.

João Silva: E há sítios que nós temos policias. Por exemplo, eu na Caixa de Crédito Agrícola… Pá, eu molhei tanto a sopa, mas molhei tanto a sopa. Porque nós fazíamos rondas e, às vezes, apanhávamos coisas que não gostavamos. Eu não trazia stress para casa. Dava, aliviava o stress. E a gente às vezes apanha policias que…
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas, por exemplo, o quê?
João Silva: Pá, eu vou-te dar exemplos: nós fazíamos uma ronda, nós tínhamos um multibanco e apanhávamos cenas no multibanco. 
Ricardo Esteves Ribeiro: Cenas tipo…
João Silva: Epá, ou a injetar-se, ou tipo tentar assaltar pessoas – porque as câmaras do banco apanhavam o multibanco —, eu apanhava prostitutas a despirem-se e a mudar de roupa; e ficavam ali todas nuas e depois a lavar… E a gente via aquilo tudo na central de segurança. Não pensava com cérebro, pensava com a força.
Ricardo Esteves Ribeiro: Isso foi há quanto tempo?
João Silva: Uiii… Há 20 anos atrás. [Comentário impercetível, ao fundo, da esposa  Sandra Peixoto, também vigilante da COPS, na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.] 
João Silva: Não sei se já ouviste falar numa feira que há, que é chamada Ovibeja, pronto.
Ricardo Esteves Ribeiro: Hum-hum.
João Silva: Pronto. Eu fiz a Ovibeja durante muitos anos e eu adorava fazer aquilo. Porque a gente tinha alturas que eram chamadas ‘varrimento’, que é a altura de ‘toca a sair’. E o ‘toca a sair’ a gente calça as luvas, [Risos de Sandra Peixoto, esposa] que é ‘toca a sair’ mesmo. E depois nós, em Beja, o Corpo de Intervenção que vem é de Faro. E o Corpo de Intervenção olha para a gente como se fossemos policias, não há aquela cena [de sermos] vigilante. Se a gente tivesse alguma coisa a polícia estava ali para nos apoiar. E quando era a parte do ‘varrimento’ era a parte que a gente mais gostava. E se a gente tinha que intervir e dar, a polícia chegava ali pensas que ia dizer ‘Ah, vocês não podem’? Era ‘O que é que ele fez? Ah fez? Toma!’. Apoiavam-nos.
Ricardo Esteves Ribeiro: Estava a polícia a dar de um lado e estavas tu a dar do outro?
João Silva: Apoiavam-nos, porque a gente ali tinha liberdade da PSP de Faro – não tem nada a ver com a de Lisboa, a de Lisboa é muito ‘coiso’ –  a de Faro, não. Aquilo parece… A gente olhava para o Corpo de Intervenção parecia que espumava, meu. Estás a ver o pit bull?
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas, por exemplo, tu alguma vez te arrependeste de teres batido em alguém e depois pensaste: ‘Epá, se calhar foi demais’?
João Silva: Não.
Ricardo Esteves Ribeiro: Não?
João Silva: Não. Eu tive um episódio numa, numa… No ISCTE, o ISCTE. Tivemos uma situação, foi um evento, uma festa. E eu sou chamado à frente do bar, porque há um gajo que está… A miúda diz-lhe que já não serve mais álcool, não serve mais álcool e ele agarra-lhe assim pelo pescoço e [diz-lhe] ‘E vais-me dar, e vais-me dar’, mas já todo mamado. Opá e eu cheguei lá, ao pé dele: ‘Ó amigo, isto acabou’. E ele: ‘Acabou o quê, pá! Sabes quem é que eu sou?’. Disse, ‘Amigo, acabou!’, e ele conforme faz-me assim, os meus óculos pumba, para o meio da multidão. Eu agarrei no menino, levei-o para trás, e o menino apagou completamente. Eu dei-lhe um enxerto… Eu? Dei-lhe um enxerto que tu nem imaginas. E depois, passado um bocado, ele levanta-se… Eu disse-lhe logo: ‘Agora vais a casa buscar dinheiro para me pagar os óculos’. Fiquei-lhe com o iPhone. Ele foi embora. Passado uma hora, aparece o pai, à porta da faculdade, saca da arma: ‘Quem é que bateu no meu filho?’. Nós tínhamos a chamada patrulha canina.
Ricardo Esteves Ribeiro: Patrulha?
João Silva: Canina. Tínhamos um cão, um pit bull que anda sem com açaime. O que é que a gente faz? Ele aponta a arma à nossa colega, que está na portaria, e a gente parecia tipo pit bulls a correr para a colega. Pá, ele levou tanto, mas levou tanto. Não largava a arma, mas levou tanto. Sei que havia um hospital de campanha ali. Tiveram que fazer a reconfiguração do rosto, porque ele ficou um olho fora do sítio…
Ricardo Esteves Ribeiro: Uau!
João Silva: …e uma orelha desfeita. O meu chefe deu-lhe tanto que a cabeça levantava do chão e fazia assim na água, ‘tsssch’, no sangue, ‘tsssch’. Mesmo. Tipo cola, estás a ver? E ele continuou a querer agredir a gente. E o que é que ele fez? Um dos chefes largou o pit bull sem açaime. Ouve… o cão ia-o matando completamente.


Perguntámos à PSP sobre o retrato deixado por João Silva das ações do Corpo de Intervenção de Faro. Não responderam.

Em maio de 2020, ficamos sentados à mesa da sala de Paulo Guimarães, em Gaia, durante quase três horas e meia. Falámos ao mesmo tempo com ele, Vítor Carvalho, Manuel Santos e João Carvalho. São quatro ex-seguranças que se cruzaram nos postos da Infraestruturas de Portugal (IP) do Norte. 

Durante meia manhã, falaram-nos de abusos laborais, fuga ao fisco, bullying corporativo, da luta pela transmissão de estabelecimento, da manifestação em frente à IP, onde os conhecemos, de tudo o que sofreram às mãos dos patrões. Mas, a certa altura, um deles, Manuel Santos, deixou escapar algo.

Manuel Santos: Eu quando fui trabalhar para Campanhã, estava lá na zona, e só se viraram para mim e me disseram assim: ‘Ó Santos, tu vais para uma zona que é assim: ou tu te impões ou então és comido’. Foi a única coisa que me disseram, que eu nunca tinha trabalhado lá. Cheguei a ter imensos problemas, porque a gente lida com todo o tipo de pessoas. Lida com drogados, lida com alcoolizados, lida com prostituição, lida-se com tudo, com todo o tipo de problemas. Se você me perguntar – e eu posso lhe dizer – se já tive que agredir alguém? Já, já tive que agredir alguém.
Nuno Viegas: Quantas vezes?
Manuel Santos: Para me defender. Para me defender, sim.
Nuno Viegas: Quantas vezes?
Manuel Santos: Porque, sendo insultado, sendo maltratado… Há muitos problemas. E depois, como é óbvio, a gente que se defender dentro dos parâmetros, dentro dos pontos mortos, dentro dos pontos que não estão visionados, dentro dos pontos que não têm câmaras e não sei o quê.
Pedro Miguel Santos: E onde é que aprendeste isso? Quem é que te ensinou isso?
Manuel Santos: Ah, quem é que me ensinou isso não, a gente tem que se defender.


Insistimos nesta questão.

Paulo Guimarães: Não, mas é que o Nuno quer saber é dos pontos mortos.
Manuel Santos: Os pontos mortos, os pontos mortos? E vou explicar. Era as escadas pedra, que não tinha câmeras. E eu mandei-o pelas escadas abaixo. Qual é o problema?
Nuno Viegas: Considera que o que fez é legítimo?
Manuel Santos: Exatamente, completamente.
Nuno ViegasPor que é que teve que o fazer fora das câmeras?
Manuel Santos: Para me proteger, para não haver problemas.
Nuno ViegasEra legítimo!
Manuel Santos: Não… Exatamente.
Nuno ViegasOu bem é legítimo e faz-se à frente de toda a gente, ou bem não é e faz-se às escondidas.
Manuel Santos: Certo, exatamente.
Nuno ViegasEntão por que é que foi fora das câmeras?
Manuel Santos: Porque era a minha… Porque era para não ter problemas.


João Carvalho interveio, depois, para falar de uma pessoa que estava a pedir no interior da estação de comboios de Campanhã.

João Carvalho: Quando a senhora foi pedir eu dirigi-me à senhora. Disse: ‘Olhe, sou segurança, o Carvalho, como você vê aqui no meu cartão. A senhora não pode andar a pedir. A senhora tem que pedir fora do espaço confinado do cliente’. E ela ignorou, virou-me as costas e foi. Daqui um bocado, eu voltei ao trabalho e ela veio fazer a mesma coisa, pediu. E eu fui a segunda vez. E ela, nem uma, nem duas. Foi para o jardim, daqui um bocado, pega no telefone, ligou para o gorila, para o ‘Sylvester Stallone’, não é? O ‘Sylvester Stallone’ veio por lá afora: ‘Ah, agora quero ver quem é que se mete com ela, debaixo do braço’. Eu cheguei à beira, vi que era para mim, cheguei à beira do gajo e [disse-lhe] assim: ‘Ó meu amigo, o senhor, agradecia que se levantasse com a senhora – não sei se é sua esposa, se é quem – e agradecia que senhor saísse fora da estação, porque o senhor está a perturbar o funcionamento aqui da estação’. O gajo alevanta, dá-me um pontapé. Eu pronto, aí já começo a puxar a culatra… Eu já estava a ferver [quando o vi passar] da porta para cá. Pimba, pimba, pimba. Mandei-o para  a estação. O gajo bate num [carril] com a cabeça, bate na linha, ‘bumba’, lá em baixo. Alevanta-se, assim todo atordoado, o gajo a alevantar eu prego-lhe outra vez um pontapé nos queixos, rola outra vez, não é? E acabei por tirar o quispo. E a senhora: ‘Ai senhor, não lhe bata mais!’; ‘Não bata mais? Não bata mais o quê? Ó minha senhora aqui não há coisa’. E a senhora agarrou-me: ‘Ah, não bata mais ao meu marido’; ‘Não é marido, é chulo. Esse é teu marido? Ele é chulo, mana. Estás armada em quê?’ E o gajo: ‘Calma, calma, calma segurança’. O gajo…
Ricardo Esteves Ribeiro: Mas isso seria completamente ilegal, fazer isso, não é?
João CarvalhoNão. Foi legal.
Ricardo Esteves Ribeiro: Não.
João Carvalho: A partir do momento em que eu sou agredido, no momento em que sou agredido, tudo é legal. Tudo é legal.
Ricardo Esteves Ribeiro: Não, não, não, não é. Não é.
Nuno Viegas:
Ele lhe deu um pontapé, você atirou-o para uma linha de comboio.
João CarvalhoEntão, foi para onde calhou. Sabe porquê? Porque ele vai atrás, eu não sei o destino que ele tinha.
Nuno Viegas: Depois ele levantou-se e você deu-lhe mais um pontapé, em cima.
João Carvalho: Ó meu amigo e se vem um comboio de mercadorias, leva-o assim na frente. E era de menos um cartão, era de menos um  bilhete de identidade com o rendimento mínimo, acredite. Você até fala porque tem coisa de jornalismo, mas não tem justa causa de estar no terreno.


Não verificámos se estes relatos eram factuais. É provável que sejam imprecisos, cheios de exageros, mas mostram como os seguranças falam destes casos na primeira pessoa.

Se tivéssemos contado estas história no início seriam capazes de sentir empatia por estes vigilantes? Talvez seja por estes episódios serem a primeira coisa que ouvimos quando se fala em segurança privada que ignoramos tão facilmente os abusos laborais de que sofrem vigilantes. Se pensarmos neles apenas como brutamontes à porta de discotecas, reduzimo-los a isso, deixamos de vê-los como pessoas.

O que contámos, nos últimos sete episódios, ajuda a dar contexto a estes atos. Não pode desresponsabilizar quem os pratica, mas mostra o que vem antes destas explosões de violência. A questão é muito mais complexa. Hernâni Pacheco, na STCP; Pedro Inverno, no Urban; Manuel Santos e João Carvalho, na Estação Ferroviária de Campanhã, cometeram atos de violência graves. Mas afirmar isso não pode implicar que ignoremos causas sistémicas.

Cais de embarque na estação ferroviária de Porto-Campanhã, uma das principais do país, onde se encontram as Linhas do Norte, Douro e Minho.
Fotografia: António Amen – Obra do próprio, CC BY-SA 3.0

Os seguranças privados são destacados para proteger pessoas e bens. Às vezes sozinhos e em postos perigosos, sem ferramentas nem formação para se defenderem. Eles queixam-se disto. Não só os que estamos a ouvir aqui. Dezenas de vigilantes que entrevistámos – de se sentirem impotentes e rodeados de perigos.

Voltemos a Manuel Santos, na mesma entrevista.

Manuel Santos: É um exagero da nossa parte? É. Aliás, eu sou o próprio a admitir que todos nós chegávamos ali, ninguém conhece a situação, ninguém conhece a realidade, começas-te a estar a perceber das coisas e não sei o quê e começa a ter reações brutas. Eu tive muitas reações brutas. Eu, quando fui para Campanha, nunca mais fui a mesma pessoa. A minha família notou, os meus amigos notaram. Tornei-me uma pessoa violenta, percebes?
Ricardo Esteves Ribeiro: Sendo que existe, nesses sítios, uma propensão maior para que se dêem…
Nuno Viegas: Um ambiente hostil.
Ricardo Esteves Ribeiro: … e um ambiente hostil para os próprios seguranças, vocês, hoje, depois dessa experiência, acham que devia ser a polícia a fazer essa vigilância e não seguranças privados?
Manuel Santos: Não vamos entrar por aí, não vamos entrar por aí. Porque nós temos competências para.
Ricardo Esteves Ribeiro: Porque assim não tinhas que chamar a polícia, estava lá a polícia, era a polícia que fazia.
Manuel Santos: Nós temos competência. Não, nós temos competência para, estás a entender? Agora, é assim…
Paulo Guimarães: Não temos nada.
Vitor Carvalho: Não temos nada.
Paulo Guimarães: Não temos nada.
Manuel Santos: Epá, fogo, calma! Posso falar?
Paulo Guimarães: Mas temos competência para quê?
!

Paulo Guimarães.

Paulo Guimarães: Nós temos competência para quê?! Quem é que te deu essa competência? Tu andas, tu andas… Tu és um boneco fardado – é um pau de uma vassoura fardado – que está lá para incêndios, inundações, encaminhamento de pessoas, ajuda de pessoas. Porque não há outra forma, a polícia é cara. E utilizam estas ferramentas que, depois, quando o Santos… E isso podes ter a certeza, nos tempos de hoje: se o Santos ou o João ou o Carvalho ou eu, se tivermos uma agressão e que as Infraestruturas [de Portugal] tenha conhecimento, no outro dia não és trabalhador das Infraestruturas.

Após pormos os seguranças nestes postos – em que os próprios dizem que são levados a ser violentos – deixamo-los lá, de pé, 12 horas por turno, sem comer a pensar em quanto do seu salário vai ser roubado pelo patrão ao fim do mês. E, depois, explodem.

Foi isto que nos explicou o bastonário da Ordem dos Psicólogos, Francisco Miranda Rodrigues: o abuso laboral sistémico potencia a violência.

Pedro Miguel Santos: Um trabalhador que esteja cansado, desmotivado ou preso, até…
Francisco Miranda Rodrigues: Sim, há maior probabilidade, sim. 
Pedro Miguel Santos: num sistema de abuso laboral está mais disposto a ser violento?
Francisco Miranda Rodrigues: Há mais… Num sistema como aquele que descreveu, as probabilidades de as coisas correrem mal do ponto de vista de comportamentos desajustados, inclusivamente, comportamentos mais violentos, é maior. É, é. Porque todos nós temos as nossas formas de conseguirmos controlar os nossos comportamentos. E essa regulação é mais ou menos automática. Nós, para fazermos isto, até do ponto de vista biológico, nós gastamos mais energia, enquanto seres humanos. E, por isso, nós não conseguimos estar sempre a fazer isto. Portanto, logo, se nós estivermos muito mais cansados, estivermos sob um enorme stress, sabemos que tomamos decisões que, tendencialmente, serão mais automáticas. E, tendencialmente, cometeremos mais erros nas decisões que tomamos nesses momentos.
Pedro Miguel Santos: É possível que essas pessoas e que muitos seguranças, que hoje estão no ativo sofram de stress pós-traumático, por exemplo?
Francisco Miranda Rodrigues: Sim, sim, é. A probabilidade de virem a desenvolver stress pós-traumático é maior. Se e o nosso nível de stress for, durante muito tempo, muito elevado, o impacto que isso tem na nossa saúde – física, também – física e mental é negativo e pode levar a doença, a perturbação, seja física, seja mental. 

Há dois anos, quando começámos esta investigação, pensávamos que a história da segurança privada estava na noite. Quando percebemos que a empresa responsável pela segurança do Urban Beach, em 2017, a PSG, tinha passado de vigiar discotecas para guardar estações de comboios, pensámos que a questão real era a transferência dos seguranças violentos da noite para a portaria de serviços públicos.

Hoje temos outra análise. Primeiro, o Estado promove os abusos laborais na segurança privada. Depois, esses abusos potenciam atos violentos por parte de vigilantes. E, finalmente, quando é chamado a intervir, a encontrar forma de afastar pessoas com tendências violentas da vigilância, o Estado é incompetente a aplicar as suas próprias leis. Os representantes eleitos ou não se aperceberam ou não querem admitir que a bandeira do cadastro limpo é uma mentira e os filtros psicológicos são, até agora, imaginários.

O Estado é responsável pela violência sistémica na segurança privada. É um dos que a potencia. E é incapaz de a travar. 

Não pode alegar ignorância. Os processos de Hernâni Pacheco, o caso Urban, está tudo no sistema judicial português. Foi a PSP a tirar-nos dúvidas de interpretação da lei. Foi o diretor do Departamento de Segurança Privada o primeiro a admitir ao Fumaça que não estavam a ser aplicados os testes psicológicos. E Pedro Neto Gouveia garante que a PSP sabe precisamente quão violentos conseguem ser seguranças privados.

Pedro Neto Gouveia: O meu pessoal que faz a fiscalização vai recolhendo informações acerca do setor. Portanto, eu não posso estar cego em relação àquilo que se passa no setor. Portanto, eu vir para aqui e vocês fazerem umas perguntas e eu dizer assim: ‘Ah, não sei o que é que se passa’. Eu sei tudo o que se passa – felizmente. Sei tudo o que se passa porque a minha porta está permanentemente aberta para todos os responsáveis do setor. E, portanto, eu falo com toda a gente, portanto, eu sei tudo o que se passa. E, portanto… E o meu pessoal – que são umas máquinas – sabe quem é o ‘A’, quem é o ‘B’, onde é que anda o ‘C’, o que que é anda a fazer. Hells Angels, etc., nós também damos a nossa perninha. Portanto, o meu pessoal sabe isso tudo, tudo.
Pedro Miguel Santos: Portanto, aquela ligação que há…
Pedro Neto Gouveia: Tudo.
Pedro Miguel Santos:muitas vezes, entre os ginásios que fomentam a violência.
Pedro Neto Gouveia: Tudo. Nós sabemos tudo.
Pedro Miguel Santos: O senhor sabe quais são os ginásios?
Pedro Neto Gouveia: Nós sabemos tudo.
Nuno Viegas: Muito bem. Então, penso que…
Pedro Miguel Santos: Está? ‘Tá muito bem. Muito obrigado, senhor superintendente. É uma bela maneira de terminar uma entrevista: ‘Nós sabemos de tudo’ é uma grande frase.
Pedro Neto Gouveia: Não exageremos, mas, em princípio, sim. Pelo menos, aqueles cromos menos repetidos, esses sabemos.


No total, fizemos 60 entrevistas para esta série. São 90 horas de áudio. Há uma voz que nunca ouvimos. A pessoa que desde 2017 tem sobre a sua tutela a segurança privada portuguesa: o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

Não foi por falta de esforço. Desde 2018, que andamos a pedir uma e outra vez uma entrevista ao governante. Durante quase três anos, nunca foi “oportuno” discutir a segurança privada, uma parte da sua tutela que emprega mais pessoas do que a PSP e a GNR juntas, mais do que os três ramos das forças armadas – 45 mil vigilantes, um exército de precários financiado pelo Estado com mil milhões de euros em contratos públicos só nos últimos 12 anos.

Continuemos, então, a reflexão sem ele. Há uma dúvida, em particular, que se me coloca e para que não tenho resposta. Deixo-a para ponderarmos: sabendo a dimensão dos abusos na segurança privada, a fragilidade da legislação, a ineficácia de sindicatos, a falta de recursos de reguladores e o desinteresse de políticos e governantes, o que é que devemos fazer com este setor?

Voltemos à Constituição da República Portuguesa, pela última vez. Artigo 27. Ponto um: “todos têm direito à liberdade e à segurança”. Este é um dos “princípios basilares da democracia” como os constituintes os definiram no preâmbulo, após o 25 de abril.

Mas, se garantir a segurança de todos os cidadãos e o cumprimento das leis é uma obrigação do Estado, porque é que qualquer pessoa ou empresa há-de ter de pagar a seguranças privados para cumprir essa função?

Ao externalizar a segurança privada, o Estado passou a beneficiar de violações de direitos laborais sem ter de as levar a cabo diretamente. Usar empresas de vigilância permite que se poupe muito dinheiro mas que se levante um véu de ignorância para que não tenhamos de encarar as condições a que submetemos trabalhadores.

Há outra vantagem: quando alguma coisa corre mal — mesmo mal — o Estado não tem de se responsabilizar diretamente por casos de violência. Porque não são polícias, nem funcionários públicos. São seguranças selecionados por empresas privadas. Só estão a prestar temporariamente um serviço ao Estado — às vezes durante décadas. Tal como com os abusos laborais, há um cordão sanitário.

A 12 de março de 2020, inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o SEF,  torturaram e mataram um cidadão ucraniano Ihor Homeniuk, numa sala sem câmaras do Aeroporto de Lisboa. Um ano depois, estamos a discutir a dissolução do SEF.

Mas naquelas instalações, para além dos inspetores do SEF, também havia seguranças privados, funcionários da Prestibel. E eles terão, pelo menos, atado Ihor Homeniuk de pés e mãos com fita adesiva, durante a última noite em que ele esteve vivo. Se tivessem sido estes vigilantes a matar Ihor Homeniuk, estaríamos, hoje, a discutir a extinção da segurança privada? Ou teríamos só acabado com este contrato de prestação de serviço?

Eu tenho uma aposta: acho que faríamos o mesmo que fizemos quando um segurança privado espancou uma imigrante colombiana no São João do Porto, em 2018: absolutamente nada.

FIM

NOTA: ESCLARECIMENTOS ADICIONAIS DA PSP

A 2 de março de 2021, após a gravação deste episódio, e mais de duas semanas após o prazo indicado pelo Fumaça para responder às perguntas enviadas por escrito para proceder ao contraditório, a Direção Nacional da PSP reagiu às declarações de João Silva, que indiciavam atos de brutalidade policial por parte do Corpo de Intervenção da PSP de Faro, conjuntamente com seguranças privados, na Ovibeja.

Alega a PSP de que “não tem conhecimento de alguma situação com o teor relatado”, sublinhando que na feira Ovibeja “é ao pessoal de segurança privada que cabe proceder ao encaminhamento dos cidadãos ainda presentes no recinto após os eventos”. Indicam ainda que a intervenção da PSP no evento se limita “a ordenar aos cidadãos que não acatam as indicações do pessoal de segurança privada à saída do recinto, não sendo necessária qualquer outra atitude”.


“Luvas” é o oitavo e último episódio da série “Exército de Precários”. 

Na entrevista “extra” que acompanha este episódio, e que podem ouvir em exclusivo, falamos com o superintendente Pedro Neto Gouveia, coordenador do departamento de Segurança Privada da Polícia de Segurança Pública, a entidade que fiscaliza o setor da segurança privada e emite os cartões profissionais que dão acesso à profissão de vigilante. O polícia diz que sabe tudo o que se passa na segurança privada: admite os abusos laborais, a violência e até a falta de cumprimento de partes da Lei.

Muito, muito obrigado a todas as pessoas que se têm juntado à comunidade Fumaça e acreditam no nosso trabalho, ajudando-nos a construir o primeiro projeto de jornalismo totalmente financiado pelas pessoas. Se 20% das pessoas que estão a ouvir esta série se juntassem à Comunidade Fumaça seríamos autossustentáveis antes do fim do ano. Vai a fumaca.pt/contribuir e torna-te parte da história: faz do Fumaça o primeiro projeto de jornalismo português totalmente financiado pelo público.

Este episódio foi escrito pelo Nuno Viegas, que fez também a investigação e reportagem desta série com o Ricardo Esteves Ribeiro e comigo, Pedro Miguel Santos. Eu e o Ricardo fizemos a edição e o factchecking.

O Bernardo Afonso também participou nas discussões de verificação de factos e fez, ainda, a edição de som, o sound design, e compôs, interpretou e misturou a banda sonora original.

A Joana Batista criou a imagem, a Maria Almeida fez a estratégia de marketing e a Sofia Rocha e o Tomás Pinho implementaram a página online. Passem por lá para ver as ilustrações, a transcrição de todos os episódios e documentação que ajuda a aprofundar o que ouviram hoje.

A Margarida David Cardoso participou nas sessões de edição coletiva de todos os episódios desta série.

Fazem ainda parte da equipa Fumaça: Danilo Thomaz e Mo Tafech.

Durante este episódio ouviram-se sons de arquivo da da AR TV, SIC e TVI 24

Com o apoio:

A série “Exército de Precários” foi realizada com o apoio de bolsas de investigação jornalística atribuídas pela Fundação Calouste Gulbenkian (2018) e Fundação Rosa Luxemburgo (2020). Os contratos podem ser consultados em www.fumaca.pt/sobre.

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