Brasil

Glenn Greenwald sobre a Lava Jato, jornalismo e whistleblowers

Na última quinta-feira, 7 de novembro, o Supremo Tribunal Federal – a corte constitucional do Brasil – decidiu, por maioria de seis votos contra cinco, que as prisões em segunda instância violavam a Constituição. Segundo a Carta brasileira, em seu artigo 5º inciso 57, “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória*”. O voto reverteu uma decisão do próprio STF, em 2016, que autorizou as prisões em segunda instância.

Em um país que se habituou a fatos contestados e distorcidos conforme a conveniência política, a decisão da Corte provocou protestos da extrema-direita, da direita e do centro-direita. O motivo era apenas um: a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde 7 de abril de 2018, após condenação em segunda instância.

Lula ficou livre – do cárcere – na sexta-feira, 8 de novembro. Responde, ainda, a processos no âmbito da operação Lava Jato. Mas, para apoiadores do ex-presidente e a da ordem legal, foi como se Lula estivesse livre.

O que explica que um mesmo tribunal tenha revertido uma decisão constitucional tomada em 2016 – decisão esta que contrariava a jurisprudência que vigorou até 2009? Para países mais afeitos à lei e à constitucionalidade, parece uma barafunda. Talvez seja. Mas, em 2016, como agora, o que determinou a decisão do STF foi um mesmo fator: a pressão política.

Há três anos, a Lava Jato estava em alta popularidade. A operação foi iniciada pelo Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba para investigar casos de corrupção na Petrobras – empresa estatal brasileira de petróleo e gás. Até o início deste ano, havia prendido 255 políticos, empresários, executivos e doleiros. O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pelas condenações em primeira instância, tornou-se a figura pública mais popular do país. Era tão virtuoso que nem parecia humano.

De fato, não era. O homem reto, correto, discreto, sisudo, racional, impoluto, circunspecto tinha à frente apenas uma série de políticos e empresários corruptos a colocar atrás das grades. Sempre vestido com as cores do Batman, esse super-homem, que para muitos parecia alheio a falhas, era tão real quanto o próprio Cavaleiro das Trevas.

Em 9 de junho, a edição brasileira do site The Intercept, do jornalista Glenn Greenwald, iniciou a publicação de uma série de reportagens que passariam a ser conhecidas como “Vaza Jato”, em referência à operação do MPF. As reportagens foram feitas a partir de transcrições de conversas entre Moro e integrantes do Ministério Público, entre eles o procurador Deltan Dallagnol, que comanda a investigação em Curitiba. Nas conversas, Moro instrui e traça estratégias junto aos procuradores. Dallagnol contesta as provas que obteve – e levariam à condenação de Lula. Moro poupa outros políticos – como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – em nome de objetivos maiores.

A notícia de que Moro atuou junto aos investigadores visando a condenação de pessoas investigadas quebrou sua aura de infalibilidade. Ainda assim, o ex-juiz, ministro da Justiça do governo Bolsonaro, mantém alta popularidade – e influência. Casos passados do juiz, como a reversão de uma condenação por corrupção, em 2008, por invalidação das provas, seguem ignorados. E mesmo seu ingresso no governo Bolsonaro, em novembro de 2018, não recebeu as devidas críticas.

Por outro lado, Glenn Greenwald, o jornalista responsável pela Vaza Jato, sofreu uma série de ataques, protestos e difamações. Em uma delas, Augusto Nunes, apresentador da Jovem Pan, rádio de São Paulo que se tornou a voz da direita e da extrema-direita, insinuou que o “juizado de menores” deveria investigar a maneira com que Glenn e o deputado federal David Miranda (PSOL) cuidam de seus filhos. Ao participar do programa Pânico, na mesma rádio, ao lado de Augusto Nunes, Glenn o chamou de “covarde” por ter envolvido os filhos. Nunes tentou replicar, agredindo-o.

É bom lembrar: estamos no país onde um deputado federal de pouca representatividade tornou-se o segundo presidente mais votado da história em um período de oito anos. Curiosamente, neste mesmo período, Jair Bolsonaro teve como bases de seu discurso o ataque ao sistema político – e à população LGBTI, que sofreu uma série de agressões durante o processo eleitoral. 

E assim segue.

*Pessoas apanhadas em flagrante delito, condenadas por júri ou que tenham prisão preventiva decretada continuam a poder ser presas antes do trânsito em julgado.

Título atualizado a 6 de outubro de 2023, para substituir a citação “Sergio Moro lutou contra a corrupção, mas também foi corrupto” pela indicação do tema da entrevista.

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