“Ao que vimos”, por Nuno Viegas

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Perguntou Bernardo Afonso quando escrevi o tópico no quadro branco do retiro anual: “Temos revisão constitucional?”. Tinha pedido há semanas que a redação lesse  o estatuto editorial que vigorava desde a profissionalização do Fumaça, em 2018. Nessa declaração de princípios faltavam, notámos, valores que nos eram hoje centrais: transparência radical, verificação de factos, direitos laborais, partilha de conhecimento. Faltava, até, menção ao áudio como nosso meio de trabalho.

Como fora o modelo na sua primeira feitura, iniciámos aí um processo coletivo, horizontal de revisão. Fizemo-lo contrariando o que prevê a Lei da Imprensa, que atribui ao diretor de cada órgão de comunicação social o exclusivo da escrita do estatuto editorial da publicação, sujeito apenas a parecer do Conselho de Redação. Todos os membros da redação do Fumaça – nove à época – criticaram o estatuto vigente, sugeriram alternativas, expressaram os valores que queriam ver incluídos, e excluídos, debateram definições, e criticaram tom, para procurar um texto comum, unânime, que respondesse de forma clara à pergunta primeira de quem nos lê, vê e ouve: “Ao que vimos?”

Além dos nosso princípios, tentámos tornar claros os nossos  modelos de organização (horizontalidade, autogestão, discórdia interna, unanimidade para posições políticas) e de financiamento (doações da Comunidade e filantropia), valores (independência, dissidência, progressismo, subjetividade), deveres (participação comunitária, partilha de conhecimento, ética e deontologia), o formato (podcasts narrativos de jornalismo de investigação), e as prioridades editoriais (sistemas de opressão, desequilíbrios e desigualdades).

É esta a nossa orientação. São estes os nossos objetivos.

  1. Fumaça é uma redação de jornalismo de investigação que publica principalmente trabalhos narrativos em áudio. Considera-se independente porque são as pessoas que para este trabalham a decidir horizontalmente os destinos do órgão de comunicação social. É coletiva a responsabilidade editorial e operacional.
  2. Fumaça não tem fins lucrativos. Procura ser financiado pelas contribuições mensais recorrentes do seu público. Aceita bolsas filantrópicas, não permitindo qualquer interferência editorial. É detido pela Verdes Memórias – Associação, que tem na gestão do Fumaça a sua única atividade.
  3. Fumaça vê o jornalismo como bem público. O que produz é de livre acesso e de republicação gratuita. Assume um dever de partilha de conhecimento, com a academia e entre profissionais, e de intervenção na reflexão sobre os média. Compromete-se a ouvir o seu público e a dar espaço à discussão participada pela comunidade na construção do seu jornalismo.
  4. Fumaça é progressista. Acredita na liberdade, na garantia de vida digna e na ambição coletiva de corrigir desequilíbrios e desigualdades. Quer escrutinar e desafiar sistemas de opressão. É livre de tomar posições políticas coletivas em matérias consensuais numa redação que se quer heterogénea e discordante.
  5. Fumaça é dissidente. Defende a necessidade de ir para lá da agenda mediática vigente, de criar alternativas às estruturas jornalísticas tradicionais no financiamento, práticas editoriais e laborais, e modelos de organização. Reconhece o valor do trabalho, garantindo um pagamento justo e condições dignas a quem para este trabalha.
  6. Fumaça ambiciona à transparência radical editorial e operacional. Não acredita na existência de jornalismo neutro: ao invés de afirmar a isenção, assume de maneira clara as suas subjetividades e expõe os seus conflitos de interesse. Divulga de onde vem e para onde vai o seu dinheiro.
  7. Fumaça acredita em jornalismo feito com ética, deontologia e tempo para pensar. Considera jornalista quem aplica o método jornalístico, que não pode dispensar a edição e a verificação de factos.

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