“Anda e ouvimos juntos”, por Margarida David Cardoso

A doença mental é algo irregular na geografia – uma vulnerabilidade particularmente intensa em alguns lugares, por influência da genética, condicionantes ambientais, económicos, sociais, e ainda muito que se desconhece. Em alguns desses sítios, pesa também o precário acesso a cuidados preventivos e a intervenções eficazes em crise. Que os serviços sociais de uma autarquia façam esse diagnóstico não parece extraordinário. Mas que um teatro o aponte, inequivocamente, quando pensa na sua programação, é interessante. 

Na candidatura que lhe deu o lugar de diretor artístico do Cine-Teatro de Torres Vedras, em 2023, Guilherme Gomes apontava três ideias-guia para programar nesse espaço em mudança de turno: a resistência, a revolução e a construção. E queria meter a saúde mental ao barulho. Tinha a ideia de desenhar nuvens no tecto de uma sala, para a deixar sempre aberta a quem queira descansar, proteger-se da cidade e olhar para o céu dentro de um teatro. Um lugar onde imaginava que se pudessem ouvir podcasts como a série Desassossego – 13 episódios sobre saúde e doença mental – ou as conversas vadias do filósofo Agostinho da Silva. Haveria papel, lápis, livros e discos. Este espaço ainda não existe como Guilherme o pensou, mas a possibilidade de gente ocupar o chão desse teatro para ler, ouvir e pensar, sim.

Em março e junho, em duas noites de sábado, sentámo-nos no palco deste teatro, em roda, para ouvir episódios de Desassossego. Nestas sessões de escuta coletiva, cada pessoa recebe uns auscultadores e durante meia hora ouve, em conjunto com quem mais aparecer, um episódio sobre muito daquilo a que chamamos o mais íntimo. São histórias sobre saúde e doença mental, tristeza e euforia, tratamento e cura, família, sexualidade, trauma, e suicídio. Algumas pessoas deambulam enquanto ouvem – também dá para sair da sala, andar pelos corredores, ir lá fora. O mais comum é ninguém se olhar nos olhos ao início. Até que alguém quebra o silêncio, ri ou interjeita pela primeira vez. Fica mais fácil para todos. No fim, conversamos. Às vezes, alguém partilha algo que nunca tinha dito em voz alta e tornamo-nos todos um bocadinho menos estranhos uns para os outros.

Há mais duas destas sessões de escuta em breve. A próxima é dia 28 de setembro, às 21h, e a seguinte, 12 de outubro, às 19h. São gratuitas, só se agradece inscrição. Podes confirmar a tua presença escrevendo para [email protected] ou ligando para 261 338 131.

E, já agora, também no dia 28 de setembro, durante a tarde, o Bernardo Afonso, a Maria Almeida e eu organizamos uma oficina de narrativa biográfica em áudio. A ideia é, partindo das experiências pessoais de quem participar, perguntarmos: como posso contar a minha própria história? Vamos explorar a forma de construir uma narrativa (da ideia em bruto à construção de um princípio, meio e fim), narrar uma história (do contexto, à ação e às suas consequências), escrever uma frase (da estrutura, ao tom e à voz), e dissecar as fronteiras éticas da não-ficção (“Isto é justo?”, e outras questões que nos devem fazer comichão). A oficina começa às 15h e acaba às 18h. Inscreve-te através do mesmo email ou telefone.

Vemo-nos por lá?

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